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Amazônia em Chamas: filha de Chico Mendes lidera “empates” contra as queimadas

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Freud Antunes || Jornalista da Amazônia Real

Entrevista com Ângela Mendes

A ambientalista e primogênita de Chico Mendes, Ângela Mendes, explica como é a situação atual da reserva extrativista que seu pai criou para proteger a Floresta Amazônica.

Ângela Mendes – Foto: Freud Antunes

Os “empates” são mobilizações dos seringueiros criados pelo líder Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, nos anos 80, para impedir os desmatamentos nas terras da reserva que hoje leva o seu nome, em Xapuri, no Acre, na Amazônia Ocidental. Em cada “empate”, os seringueiros da Reserva Extrativista (RESEX) Chico Mendes, incluindo as mulheres e as crianças, se posicionavam de mãos dadas e em círculos entre as árvores. Assim, os madeireiros, quando viam as famílias dos seringueiros dispostas na floresta, desistiam de derrubar as árvores com as motosserras. Mas os “empates” cessaram como o assassinato de Chico Mendes, em 22 de Dezembro de 1988, por pistoleiros e a mando de fazendeiros. À época, sua filha Ângela Maria Feitosa Mendes, do primeiro casamento, tinha 19 anos. Ela morava com os tios em Rio Branco para estudar.

Hoje, formada como tecnóloga em Gestão Ambiental, Ângela Mendes lembra em entrevista à Agência Amazônia Real que a estrada para Xapuri não era asfaltada, e a família só se encontrava uma vez por ano, geralmente no aniversário do santo São Sebastião, no dia 20 de Janeiro, data de fundação do município. Após a morte de Chico Mendes, Ângela se reencontrou com a memória do pai e dos “empates”. Essa herança, segundo ela, é que tem fortalecido sua defesa da preservação Floresta Amazônica e de sua população tradicional, revivendo as lembranças dos “empates”, criados por seu pai. Com isso, ela chega a organizar, em parceria com outros ambientalistas, atos na capital do Acre, com a mesma finalidade.

O próximo “empate” acontecerá no Cacimbão da Capoeira, um ponto histórico do centro de Rio Branco (AC). Nele, Ângela vai pedir às autoridades o fim das queimadas na região Amazônica. Para contar como está a situação na Reserva Extrativista Chico Mendes e o combate a degradação ambiental no Estado do Acre.

Chico Mendes – Arte: Gervásio-Teixeira

Como a senhora analisa a situação da degradação ambiental da Amazônia, causada pelos incêndios florestais deste ano, em relação aos outros anos?

A falta de cuidado e a falta de preocupação do atual governo – porque, embora queimar seja ainda uma cultura dos pequenos produtores e dos fazendeiros que ainda queimam seus pastos e ainda a gente saber que é justamente nesse período que se agrava a situação, mas o fato do Presidente [Jair Bolsonaro] fragilizar os órgãos de controle ambiental – vem agravar mais ainda a situação. De fato, a gente nunca vai saber se o aumento significativo que teve das queimadas do Estado [do Acre] e da Amazônia como um todo está ligada diretamente a isso, mas o fato de que nossas autoridades maiores, com os seus discursos, vêm incentivando esse tipo de coisa, isso é algo que nos preocupa muito e é uma situação muito grave. Se estivesse no governo anterior, a gente sabe que estaria sendo combatido de forma mais eficiente.

Essa situação coloca em risco os povos tradicionais?

Totalmente. Esse e todos os outros que esse Governo Federal tem tomado seja na diminuição das áreas, na recategorização e até na supressão, porque tem notícias aí de que ele vai extinguir várias reservas extrativistas. Tem toda uma estratégia para entregar a Amazônia para o setor de mineração e para o setor do agronegócio, mesmo estrangeiro. O Bolsonaro vem e fala contra as ONGs, mas na verdade ele mesmo está entregando e não precisa que ninguém entregue por ele, quando abre as portas da Amazônia para o capital internacional.

Com base na suspensão do Fundo Amazônia, o prejuízo poderá ser maior no futuro?

Com certeza, o Fundo Amazônia tinha um papel importante para as populações de base que chegava até a essa população sob a forma de projetos de desenvolvimento de produção e a gente teme que, no futuro, isso [a falta do recurso financeiro] tenha o efeito ruim. O objetivo principal do Fundo Amazônia é reduzir o desmatamento e para isso o governo do Estado acessa recurso que investe em políticas públicas que reduz esse desmatamento, fortalecendo a produção extrativista, as populações indígenas. É um valor que vem complementar outras políticas feitas pelo próprio Governo do Estado, como o RENCA FW, por exemplo. Então, tudo se complementa e chega na ponta, em forma de política pública que tenta minimizar esse desmatamento.

Casa de CHICO MENDES 30 ANOS – FOTO: BRUNO KELLY

Os moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes denunciaram um alto índice de queimadas, sendo que o local foi onde começou a história do “empate” e todo o simbolismo que projetou Chico Mendes. O que representa para a senhora essa contradição?

A contradição começa lá atrás, na criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), embora a intenção tenha sido boa e aí diz o ditado de que de boas intenções o inferno está cheio, né, mas não se deu condições para o órgão de fato fazer a gestão desses territórios. O ICMBio cuida de uma área, como a da Reserva Extrativista Chico Mendes com 970 mil hectares, tendo apenas três analistas. E não é de agora que alguns moradores vêm reclamando da falta da presença dele, do ICMBio, porque tem pessoas que vê o vizinho cometendo crime, vão, denunciam e o ICMBio não consegue fazer fiscalização. E aí, o cara, pô, avisou e não veio ninguém! Aí, é a falta de atuação, pela falta de estrutura do órgão. Agora, imagina, se já estava desse jeito antes, agora, sim, vai correr solto lá, por dentro, porque o atual Ministro do Meio Ambiente segue a cartilha do chefe dele. Então, assim, ele persegue servidores, ele transfere servidores. O cara transferiu o oceanógrafo que cuida de Fernando de Noronha pro Sertão Nordestino, por motivos pessoais. Então, é esse tipo de pessoa que cuida, inclusive do legado do meu pai, que são as reservas extrativistas e todos os outros territórios de uso coletivo que tiveram essa modelagem e que foram baseados nas reservas extrativistas, que são também a marinha, que são as reservas extrativistas marinhas, as reservas de desenvolvimento sustentável, os próprios projetos de assentamento diferenciados, as próprias florestas nacionais, porque até se conceber as Reservas Extrativistas no Brasil, não se tinha ainda essa categoria de Unidade de Conservação, conciliando desenvolvimento. Se criavam Unidades de Conservação pra fins de proteção integral, quando vem toda a discussão da reforma agrária e então se pensa em um modelo diferenciado.

A Secretaria do Estado do Meio Ambiente (Sema) informou que os membros da Reserva Extrativista Chico Mendes estão deixando o extrativismo e migrando para a pecuária. Qual é a sua opinião sobre essa mudança na atividade produtiva deles?

A Chico Mendes é uma Resex totalmente cercada e pressionada pelo agronegócio, e, lógico, hoje a gente tem um cenário lá dentro, de que os jovens, por exemplo, que não estão conseguindo acessar um curso superior, estão tendo que sair, ou eles estão perdendo a sua identidade, porque não querem mais ser seringueiros. Eles querem uma opção econômica mais rentável, eles querem ter outras opções e acabam se entusiasmando pelo agronegócio. Eles veem o fazendeiro com caminhonete do ano, aí vê os caras esbanjando e isso, para eles, é atrativo, porque estão sem expectativa e aí ou ele muda [de atividade econômica], ou ele vai para a cidade e vai se deparar com um cenário tão ruim.

Não há mais boas expectativas para quem vive na área florestal do Acre?

Um fator muito preocupante é que antes a gente dizia que morar na floresta, na sua colocação, na tua reserva, é vantajoso, porque tu tens saúde, tem alimentação, que tem qualidade disponível, tem a produção, pode contribuir com a conservação da floresta e com a melhora desse Planeta, tu tens segurança. Mas, agora, a gente não pode dizer que tem segurança, porque as informações que a gente tem agora, é que até as facções estão se instalando nesses lugares. Então, é complicado, porque a ausência do poder público acaba facilitando esse tipo de coisa.

O ICMBio deveria coibir a pecuária na RESEX? Se continuar dessa forma, a RESEX tende a desaparecer?

Sim, o ICMBio é o responsável pela gestão da RESEX. Hoje, na Reserva, mora um grande número de pessoas que não fez parte de toda essa revolução, de toda essa batalha pela criação da Reserva. São essas pessoas que não têm o perfil para estarem lá. O ICMBio, mesmo com toda a sua dificuldade, e a gente sabe que quando eles vêm esses analistas –, o quanto que eles fazem para coibir esses tipos de coisa – mas eles esbarram também na burocracia, na demora, na falta de recursos. Então, por mais que a gente saiba das dificuldades… mas a gente tem que reconhecer, também, o esforço que eles fazem para coibir esse tipo de coisa. Infelizmente, como te falei, é um órgão que já nasceu prejudicado de planejamento, pela falta de estrutura física e financeira para, de fato, ter uma atuação eficiente e não deixar que a Reserva perca o seu sentido. Então, essa situação é que nos preocupa, porque todo esse conjunto de pessoas, que estão ocupando a reserva hoje, talvez não consiga enxergar potencial e a importância da RESEX para o nosso meio ambiente e para o socioambientalismo, porque, hoje, na Chico Mendes, nós temos em torno de duas mil famílias, em torno de 10 mil pessoas. Se tu tiras um percentual dessas pessoas, que só estão lá na Reserva para fazer o uso, que não é o extrativismo, elas não são a maioria. Então, vão acabar prejudicando a maioria que ainda entende a importância, que ainda entende o sentido da luta que foi travada na década de 70, 80, pelo Chico, pelos seus companheiros, e por muitos que ainda estão lá dentro da Reserva, muitos que já morreram.

Pode ter o fim das RESEX?

Em algumas reservas onde a população ainda não está consciente, pode ser que sim, porque o poder público pode até parar de operar nesses lugares, mas se tem uma população consciente. Ela sabe o tanto que ela lutou, o tanto que ela derramou de suor de lágrima, de sangue para chegar aonde chegou.

O que seu pai diria se estivesse vivo hoje?

Por que meu pai teve todo esse destaque? Porque ele conseguiu enxergar a possibilidade do desenvolvimento, do homem explorar a floresta de forma sustentável e equilibrada; porque ele sempre falou que não pensava num santuário, mas num lugar onde eu pudesse conviver de forma harmoniosa, onde o homem pudesse explorar de forma sustentável os recursos naturais. Então, eles conseguiram enxergar isso e porque que o agronegócio, os fazendeiros não conseguem perceber que a manutenção do meio ambiente equilibrada é bom pra eles – embora tenha um grupo de fazendeiros que entendem que não é preciso desmatar, que não é preciso invadir um centímetro da Amazônia – para poder lucrar, porque a gente sabe que o problema do agronegócio é o lucro desmedido. É o agronegócio, as mineradoras, que a gente não tem no Acre, mas que se a gente piscar deve ter projetos e processos para o rumo do Croa [Rio Croa, em Cruzeiro do Sul], mas no resto da Amazônia, você sabe que as grandes mineradoras já entraram na Amazônia, assim mesmo com todo o cuidado ambiental que tinha. Imagine agora, com as facilidades do atual governo.

Sei que a senhora não conviveu muito com seu pai, mas, hoje, ele conseguiria fazer a diferença em sua vida?

Como tu falaste, não convivi muito com meu pai. Tudo o que eu passei a compreender do mundo dele, e até dele mesmo, foi através dos companheiros e dos amigos e da família, mas Gumercindo, que foi o companheiro das últimas horas de meu pai, assim, que foi um filho para meu pai, ele disse assim: “Olha, o Chico vivo, ele fez muita coisa, e se ele tivesse vivo, ele teria tempo de fazer muito mais”. E é isso que eu acredito, por exemplo: ele e os companheiros, ele liderou toda essa revolução. Eles criaram esse conceito do que era um território apropriado para eles, das Reservas Extrativistas. No entanto, existem Reservas que não foram implementadas, e em algumas, os serviços básicos ainda não chegaram. A gente entende que esse território é o território que deu certo. E por que a gente entende que deu certo? Porque não se mata pessoas dentro das Reservas Extrativistas por conflito de terra.

Há denúncias de invasões de terras, incluindo as Terras Indígenas por madeireiros?

Várias. Existem denúncias e mais denúncias. Agora, a gente sabe que as Reservas estão sendo completamente invadidas, não só a Chico Mendes, mas outras áreas do Estado, entre áreas protegidas e não protegidas; tá tendo invasão de pessoas vindo de Rondônia e com o objetivo de desmatar, de criar boi, ou expulsando, ou adquirindo as terras de forma ilegal, tomando ou comprando, de pessoas que não têm o perfil para estarem lá e que, na verdade, estão fazendo especulação imobiliária. Em todo lugar a gente tem bandido. Vai dizer que lá dentro da Reserva só tem santo? Não tem! Tem aqueles que estão se aproveitando. Isso é dentro da Reserva, isso é fora, mas fora da Reserva a gente sabe que eles usam de violência. Esses tempos mesmo, em uma área de Xapuri, em uma área colada com a RESEX, teve uma situação de um posseiro que teve sua casa queimada. A comunidade se juntou, ergueu a casa dele, o cara já estava lá há anos e o fazendeiro disse que não, que ele tinha que sair. Aí, o fazendeiro se aproveitou da ausência da família e mandou derrubar a casa do cara e fez tanta pressão que o cara acabou passando uma parte da propriedade e, provavelmente, já deve ter perdido toda a propriedade. Aquele que cede às pressões ainda consegue alguma miséria; quando não, são expulsos. E os conflitos vêm se agravando.

A senhora apresentou todas essas denúncias para o Ministério Público Estadual (MPE)?

Assim, tem um grupo de defesa que a gente tá chamando de Grupo de Defesa de Empate pela Amazônia. Foi um grupo que se reuniu por conta dessa situação tão grave que a gente tá vivendo e aí, que somos nós do Comitê Chico Mendes, é o coletivo de Poetas Vivos, que é um coletivo de cultura do Estado, pessoas individuais que se sentem incomodadas e é esse grupo que construiu esse documento e que levamos ao Ministério Público, com o objetivo de que o Ministério Público atue, abra um inquérito, no sentido de investigar e de punir aqueles que fazem queimadas. Em paralelo a isso, a gente vem realizando atividades culturais. A gente está com um calendário de atividades. Dia 18 a gente tem um grande empate, no Cacimbão.

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