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Produção de Natureza – Parques, Rewilding e Desenvolvimento Local

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Elisa Homem de Mello || Jornalista

O que importa é sair da antiga lógica de que conservar não se associa à produção e negócio

O Brasil é o lar da maior biodiversidade do mundo. Gerar negócios responsáveis a partir da gestão de áreas naturais protegidas representa uma oportunidade não apenas no aspecto ambiental, mas também social e econômico.

Atingir o equilíbrio entre estas atividades, entretanto, não é tão fácil assim. A convivência entre atividades econômicas com a preservação de ecossistemas ainda é um dilema nos tempos atuais, embora não devesse ser, uma vez que conservar a natureza deveria ser uma prática incondicional. Bastaria compreender que toda forma e estrutura de sustentação da vida são dignas de amor, respeito e proteção, simplesmente pelo fato de existirem. Razões éticas e morais também seriam suficientes para justificar políticas de conservação. Mas, nos sistemas econômicos que partem de uma visão antropocêntrica, a natureza é tida como um conjunto de recursos a ser explorado ou sumidouro de recursos descartados em benefício da espécie humana. Portanto, o desafio é criar práticas e estratégias empresariais que gerem valor para uma organização ou instituição e, ao mesmo tempo, promovam a preservação dos ecossistemas e o bem-estar da sociedade. Há ainda interesses econômicos que buscam de maneira determinada antagonizar a conservação com oportunidades convencionais de desenvolvimento. Neste caso, o desafio passa a ser integrar a conservação com modelos de desenvolvimento coerentes e qualificados.

Por conta disto, é preciso incluir o conceito de Capital Natural nas decisões de negócio. Este conceito engloba todos os elementos da natureza essenciais às atividades econômicas, assim como também as pessoas, as máquinas e os recursos financeiros. Para Herman Daly e Joshua Farley, autores de obras referenciais como “Ecological Economics: principle and applications”, capital natural significa o “estoque ou reserva provida pela natureza (biótica ou abiótica) que produz um valioso fluxo futuro de recursos ou serviços naturais”. As atividades empresariais dependem direta ou indiretamente do capital natural.

O biólogo e conservacionista espanhol Ignacio Jiménez Pérez, com experiência profissional exitosa em vários continentes, explora um terreno que vai além e que ainda é pouco conhecido, mas que amplia a condição de sucesso de ações voltadas à proteção da natureza no mundo. Ele cria e defende o termo “Produção de Natureza” e apresenta caminhos para deter a devastação ambiental por meio de maior diálogo entre o conservacionismo e os negócios. O conceito permite posicionar a agenda conservacionista não apenas como fim, mas como meio efetivo e concreto para a obtenção e ganhos para o meio ambiente e também para toda a sociedade.

“É preciso deixar de falar de conservacionismo como algo afastado da produção”, afirmou Pérez, durante a apresentação de dois projetos bem sucedidos neste âmbito e que tiveram suas bases definidas por seu livro “Produção de Natureza – Parques, Rewilding e Desenvolvimento Local”, em São Paulo, no último dia 17 de Setembro.

O livro, uma espécie de manual com exemplos concretos de todos os continentes, sobre como produzir natureza e conservar a biodiversidade no Século 21, chama a atenção principalmente da classe social mais elevada da sociedade, como é o caso da entusiasta da causa e à frente do projeto conservacionista Acaia Pantanal, Teresa Bracher, que abriu, juntamente com seu esposo Cândido Botelho Bracher (Presidente do Banco Itaú Unibanco), as portas de sua casa, localizada no bairro paulistano de Alto de Pinheiros, para uma pequena nata de empresários, economistas e ambientalistas, como Marcos Lisboa, Diretor do Insper; Ike Weber, da Fundação GrupoBoticário; Ângelo Rabelo, do Instituto Homem Pantaneiro, entre outros.

Para Pérez, que iniciou seus trabalhos conservacionistas em 1996, na Costa Rica, atuando 20 anos depois na África do Sul, o livro é um chamado à ação em um momento em que até países como a China preparam anúncios para uma agenda climática. Segundo ele, os movimentos nas próximas décadas serão importantes para mitigar os problemas ambientais advindos da atuação humana no planeta.

Sobre as crises ambientais como as vividas pelo Brasil, o biólogo afirma que as notícias recentes sobre queimadas na Amazônia, revelaram que o país “vive um terrível paradoxo: pois tem a maior biodiversidade e a pior imagem ambiental do mundo”. Contudo, ele avalia que o Brasil tem “grande oportunidade” para reverter esta imagem de “destruidor da Amazônia”, seguindo exemplos de “produção de natureza”, algo que poderia ajudar inclusive a garantir mercados que estão preocupados com posições ambientais mais radicais do Governo Jair Bolsonaro.

Os dois projetos apresentados como exemplos de “Produção de Natureza” foram “Grande Reserva Mata Atlântica – Serra do Mar Lagamar”, que abrange algumas das Reservas Naturais de Mata Atlântica mantidas pela Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), além da iniciativa “Alto Pantanal – Mato Grosso e Mato Grosso do Sul”, em área próxima à Serra do Amolar, onde Teresa Bracher desenvolve um projeto em suas terras, que inclui escolas para comunidades carentes às margens do Rio Paraguai. “Ambos estão dentro do contexto da definição de produção de natureza, que está no centro de um diagrama que envolve os ecossistemas, a chamada Economia Restaurativa, a partir do ecoturismo, além das comunidades rurais e dos parques e que apenas fazem sentido quando as áreas naturais (de propriedade pública, privada ou comunitária), com todas as suas espécies nativas, “podem ser vistas com facilidade, atuando como espetáculos naturais que servem de base para uma indústria de ecoturismo…”, segundo o livro de Pérez, que destaca ainda o fato de que isso gera uma nova economia restaurativa, beneficiando as comunidades locais que vão colaborar para a boa manutenção das áreas naturais.

O livro demonstra que regiões bem conservadas podem viabilizar empregos e renda, além de incrementar o desenvolvimento regional, tornando-se relevantes ativos econômicos, como o turismo de natureza. Adicionalmente, percebe a importância crítica de se explorar com maior profundidade o desafio de comunicar esse pleito com as diferentes instâncias da sociedade. E isso requer, preponderantemente, um melhor entendimento prévio sobre os singulares pontos de vista de cada um dos atores envolvidos no processo. “Produção de Natureza – Parques, Rewilding e Desenvolvimento Local” evidencia que não bastam o conhecimento científico, a qualificação técnica e as constatações óbvias sobre a necessidade de se proteger as áreas naturais. Um esforço adicional que envolve promover e articular essa agenda com os múltiplos atores envolvidos é tarefa crucial para a obtenção de resultados e sucessos efetivos.

De acordo com Teresa Bracher, produção e conservação tem que conversar, têm que caminhar juntas. Para ela, a conservação beneficia a produção e vice-versa. Para o Diretor-Executivo da conservacionista SPVS, Clóvis Borges, o livro de Pérez aponta caminhos para o país deixar a crise ambiental para trás. Ao contrário do que ainda se sustenta, a conservação da biodiversidade é pilar indissociável do desenvolvimento saudável e de longo prazo, que traz efetivas condições de qualidade de vida a toda a sociedade. Dependemos disso para viver. Para sobreviver.

A seguir, leia a entrevista feita com Ignacio Jiménez Pérez, sobre seu livro “Produção de Natureza – Parques, Rewilding e Desenvolvimento Local”.

Ignacio Jiménez Pérez

O senhor acredita que, no caso específico do Brasil, a dificuldade em desenvolver econômica e socialmente áreas de unidade de conservação ou reservas está mais ligada aos problemas da corrupção do que da vontade propriamente dita?

Obviamente, a corrupção afeta negativamente a gestão de qualquer bem público ou privado. Mas não acredito que, neste caso, seja o fator determinante. Acredito que as unidades brasileiras de conservação não funcionam principalmente porque não se investe em manejo adequado. Talvez, porque a sociedade não as veja como realmente necessárias. E isso, em um contexto de crise econômica, é uma sentença de morte. Mesmo quando a economia brasileira estava crescendo, não havia tantos investimentos em unidade de conservação aqui como em outros países, provavelmente porque a sociedade pensava que era melhor investir em outras coisas. Este cenário vale para os dias atuais. É preciso compreender que os parques brasileiros foram atacados tanto pelo setor agroindustrial mais conservador – interessado em ter acesso a mais terras para sua produção, quanto pelo MST e por setores socioambientalistas que os marcaram como ferramentas neocolonialistas/imperialistas contra as populações locais. Eu acho que estes ataques e a pouca capacidade do próprio ambientalismo de neutralizá-los é que levou o Brasil a ter muitos (embora não para todos!) “parques de papel”.

Recentemente, o presidente afirmou seu desejo de tornar a Estação Ecológica de Tamoios em uma espécie de “Cancún Brasileira”, alegando que a reserva ‘não preserva absolutamente nada’ e falou em fazer um decreto para alterá-la. No entanto, a Constituição só permite mudanças em unidade de conservação por meio de leis. É importante lembrar que esta reserva é refúgio de espécies ameaçadas de extinção. Esta ideia vai ao encontro do conceito de Produção de Natureza, estabelecido em seu livro? O senhor acha que os brasileiros estão preparados para desfrutarem destas “fazendas produtivas”, de forma civilizada e com a consciência ambiental necessária?

A ideia do presidente não corresponde ao conceito. É preciso entender que o modelo de turismo de praia, baseado em alta concentração de impactos, como Cancún ou Benidorm na Espanha, não é produção de natureza. Não digo que seja algo intrinsecamente ruim, mas não é a mesma coisa. Não consiste em oferecer experiências naturais de alta qualidade, mas de grande lazer. Insisto que não é ruim, mas cada coisa tem seu lugar específico. E o que não faz sentido é que o Brasil, que é um país que goza de centenas de quilômetros magníficos, opte por uma estação biológica como lugar para estabelecer um modelo de turismo em massa. Para isso, é melhor escolher uma das muitas praias que não são legalmente declaradas como áreas protegidas. Caso contrário, seria o mesmo que escolher a área do Cristo Redentor para se construir um lixo à céu aberto (por mais que os aterros sanitários sejam necessários) ou a catedral de Notre Dame para se instalar um shopping.

Povos menos favorecidos educacionalmente, como Botswana e Namíbia, conseguiram entender a necessidade de cuidar de seu patrimônio natural e promover seu uso sem implicar em deterioração, criando uma economia nova e melhor. E o mesmo pode ocorrer com o povo brasileiro. Pensar de outra maneira é um insulto aos brasileiros. Não digo que seja algo fácil, mas com trabalho constante e inteligente o suficiente por alguns anos, isto pode ser alcançado. Na verdade, já ocorre em diferentes áreas do país como no Pantanal ou alguns parques da Mata Atlântica, em São Paulo, apenas para citar alguns exemplos. Não é preciso ir para o exterior para encontrar casos bem sucedidos.  

Quais seriam os modelos exitosos de desenvolvimento coerente e qualificado que se integram a conservação destas áreas?

Os tipos de projetos possíveis dependem muito do tamanho das propriedades, dos gostos dos proprietários e do contexto ecológico e social do lugar.

Por exemplo, em uma grande propriedade pública de floresta bem conservada é possível criar um parque estadual ou nacional público, gerenciar adequadamente os possíveis impactos positivos (geração e distribuição de renda) e negativos das visitas, e até restaurar componentes do ecossistema que faltam. Pronto! Você já tem um projeto de impacto ambiental e social positivo.

Em uma pequena propriedade privada pode-se criar uma RPPN (reserva particular do patrimônio natural), gerenciar uma pousada de qualidade e, por exemplo, fazer cerveja artesanal com a água que brota no local, como é o caso concreto de uma propriedade próxima a Morretes, no Paraná. Ou no mesmo tipo de propriedade, se for próxima a uma grande área de mata bem conservada, pode-se criar um local de lazer vinculado ao prazer de desfrutar a natureza, como é o caso do Ekoa Park, na mesma região.

Mas também é possível iniciar projetos agroflorestais com frutas nativas da Mata Atlântica em áreas onde a floresta inclui estas culturas. Ou em grandes fazendas do Pantanal, onde é possível combinar a produção de gado ao ecoturismo e à manutenção da vegetação e da fauna nativa. Isto já vem ocorrendo em várias propriedades. Ou mesmo em áreas de selva com alta inclinação e difícil acesso, acordos podem ser alcançados com entidades internacionais que pagam uma renda anual para que os donos mantenham a floresta em pé a fim de fixar CO2.

As possibilidades são múltiplas e dependem da criatividade dos proprietários. O mais importante é sair da lógica antiga de que “o natural é conservação e, portanto, não é produção e negócio”.

Sobre o autor

Originalmente da Espanha, Ignacio Jiménez Pérez tem uma vasta experiência internacional em conservação. Ele coordenou e gerenciou projetos de pesquisa com peixes-boi na Costa Rica e Nicarágua e com sifakas de coroa dourada em Madagascar, trabalhou em áreas úmidas e áreas protegidas em El Salvador, coordenou e publicou uma avaliação nacional da experiência espanhola na recuperação de espécies ameaçadas. É formado em Biologia Animal pela Universidade de Valência, na Espanha, e possui mestrado em Gestão e Conservação da Vida Selvagem pela Universidade Nacional da Costa Rica. Trabalhou para o Conservation Land Trust na Argentina entre 2005 e 2018, onde coordenou o maior programa de reintrodução nas Américas. Esta iniciativa inclui espécies como o tamanduá-gigante, o veado-campeiro, a anta, a queixada, a arara-de-asa-verde, o lobo-guará e a onça-pintada. Ele passou 2016 morando na África do Sul para aprender sobre como as organizações públicas e privadas na África gerenciam e integram reservas naturais, rewilding e ecoturismo, e atualmente está assessorando a organização brasileira SPVS para criar uma visão ousada para a conservação da natureza. maior remanescente da Mata Atlântica. Ele também é membro do Grupo de Especialistas em Reintrodução da IUCN.

Seu principal tema de interesse é identificar fatores organizacionais por trás de programas e instituições de conservação bem sucedidos. Seus esforços de pesquisa e conservação foram apresentados em várias revistas científicas, livros e outras publicações. Ele adora treinar conservacionistas jovens e experientes e coordenou mais de 30 cursos de treinamento na Espanha, Costa Rica, Guatemala, Argentina e Chile sobre questões interdisciplinares relacionadas à conservação da natureza. Ele fez apresentações em reuniões internacionais e no TEDx. Em 2018, ele publicou “Produção de Natureza: parques, rewilding e desenvolvimento local”, um manual interdisciplinar sobre o gerenciamento de programas e organizações de conservação.

Ele mora com sua esposa e duas filhas em uma pequena cidade na costa mediterrânea da Espanha.

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