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Projeto de conservação socioambiental supera a marca de um milhão de hectares no Cerrado

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Projeto Cerrado Resiliente, iniciado em 2020, encerra-se com um saldo de mais de 20 mil pessoas treinadas e 278 comunidades apoiadas financeiramente 

O Cerrado é um dos biomas brasileiros mais ameaçados. Com 50% de sua área convertida para uso antrópico e impressionantes 37% com algum grau de degradação, a maior savana do planeta tem papel estratégico para todo o país, já que é berço de oito das 12 principais bacias hidrológicas do Brasil.  A importância dos serviços ecossistêmicos do Cerrado para os mais de 25 milhões de seus habitantes e todos os demais brasileiros uniu um grupo de organizações em um ambicioso projeto, iniciado em 2020, para elevar a resiliência do bioma e suas comunidades.

Ao longo dos últimos quatro anos, o Projeto Cerrado Resiliente (CERES) conseguiu preservar e gerenciar de maneira sustentável um total de 1.028.673 hectares de ecossistemas naturais, além de implementar práticas de gestão sustentável em 133.692 hectares de áreas agrícolas e pecuárias. Para alcançar esses resultados, 23.106 pessoas receberam capacitação em práticas agrícolas sustentáveis, manejo integrado do fogo e manejo sustentável da biodiversidade. O objetivo era permitir que as comunidades locais adotassem técnicas que minimizam o impacto ambiental e aumentam a resiliência dos ecossistemas. Além disso, 278 comunidades foram beneficiadas pelo Fundo Ecos, que tem como propósito captar e destinar recursos para organizações comunitárias que atuam na conservação ambiental. Este apoio financeiro permitiu que iniciativas locais ganhassem força para se expandir, resultando em benefícios tanto para a preservação ambiental quanto para o bem-estar das populações envolvidas.

Esses resultados mostram que, apesar dos desafios impostos pela expansão da fronteira agrícola e pela pressão para a conversão do Cerrado em áreas produtivas, é possível implementar soluções que aliem conservação ambiental, desenvolvimento sustentável e o fortalecimento das comunidades locais. O CERES é um exemplo de como a integração entre ciência, políticas públicas e ação local pode contribuir para a criação de um futuro mais sustentável para o Cerrado e para o Brasil como um todo.

“Ainda são poucos os projetos que focam no Cerrado, a maior parte dos esforços e das verbas vai para a Amazônia, que acaba tendo o grande protagonismo em questão de investimentos”, explica Bianca Nakamato, especialista em Conservação do Cerrado do WWF-Brasil, que coordenou o projeto CERES. “Mas, o que precisamos reforçar no entendimento da população em geral e da comunidade científica, empresas, instituições financeiras e doadores, é que a Amazônia está intrinsecamente conectada ao Cerrado. O equilíbrio e os serviços ambientais fornecidos pela Amazônia, como os rios voadores, só cumprem seu papel porque temos o Cerrado em conexão também prestando importantes serviços ambientais, como a absorção das chuvas para nossas nascentes e lençóis freáticos, nos abastecendo de água para vivermos, nos alimentarmos e produzirmos commodities.”

As iniciativas foram viabilizadas pelo aporte de 5,9 milhões de euros da União Europeia, que permitiram a atuação em três frentes, nos territórios do MATOPIBA e Mato Grosso do Sul, no Brasil, e em mais uma área do Paraguai. O WWF-Brasil, WWF-Paraguai, WWF-Holanda e o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) foram parceiros no projeto, que teve início em 2020 e se encerrou em setembro de 2024.

Como um projeto de diversos braços, múltiplas frentes e inúmeros atores, o CERES conseguiu envolver desde povos indígenas e comunidades tradicionais, até pequenos produtores rurais e grandes empresas de soja e carne. Também chegou a lideranças políticas de municípios e estados. “O nosso principal desafio é quebrar o ciclo histórico e o modelo atual de desenvolvimento que ferem direitos humanos e geram desmatamento e conversão de vegetação nativa nesse bioma”, diz Bianca. “Hoje, metade do Cerrado é agricultura: 93 milhões de hectares. Mais da metade dessa área é pastagem. Ou seja, são 50 milhões de hectares só de pastagem: destes, 37 milhões estão degradados”.

Resultados e conquistas

Para selar o comprometimento de organizações da sociedade civil, pesquisadores e universidades, consultorias e demais partes interessadas em promover a restauração em larga escala no Cerrado, foi criada a Araticum, Aliança pela Restauração do Cerrado, e um Mapa de Monitoramento da Restauração do Cerrado, aberto publicamente de forma on-line. Outra ferramenta de acompanhamento em tempo real apoiada pelo CERES é o Tamo de Olho, plataforma na qual é possível identificar casos de desmatamento que coincidem com a violação de direitos territoriais de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais.

Na frente da educação, o Cap Gestão Cerrado foi criado para aumentar as capacidades locais de forma a melhorar a gestão de empreendimentos da agricultura familiar, de povos indígenas e comunidades tradicionais do bioma. A ideia é fornecer um material mais atualizado, com informações além das existentes, sobre o que o bioma precisa para seguir como produtor de alimentos de forma sustentável. Também foi realizado o curso Cerrativismo, cujo objetivo principal foi a formação de lideranças focadas na proteção do Cerrado no estado do Piauí.

Outra conquista foi o apoio à estruturação do Programa Estadual de Pagamento de Serviços Ambientais (PSA) no Mato Grosso do Sul, para o qual foi mobilizado quase R$ 1 milhão na primeira fase. O programa visa a conservação das florestas e demais formas de vegetação natural privadas e, ainda, a conversão produtiva de pastagens e terras degradadas para usos alternativos da terra com maior armazenamento de carbono. Em Bonito (MS), 40 propriedades foram homologadas a participarem da primeira fase do programa, contribuindo de forma direta para a preservação dos mananciais e da qualidade da água. Na segunda fase, sendo implementada agora em 2024, são 86 as propriedades homologadas para o programa. Em troca pelos serviços ambientais que prestam, os proprietários recebem um pagamento.

Na outra ponta, o Fundo Ecos, mecanismo do ISPN para captação e destinação de recursos para projetos de organizações comunitárias que atuam pela conservação ambiental, atendeu 278 comunidades. “O Fundo Ecos é um mecanismo de democratização de recursos que permite que as organizações da sociedade civil acessem fundos e atuem para a solução de problemas em seus territórios, gerando inclusão social e conservação ambiental”, explica Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado no ISPN.

Dentro do eixo de sociobiodiversidade, três principais cadeias produtivas foram fortalecidas: o capim-dourado, no Jalapão; o babaçu, no Maranhão e o baru – esta última envolveu a criação de um Grupo de Trabalho que orientou, com estudos e capacitações, 400 famílias de 60 organizações nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Para o capim-dourado, as ações foram feitas em parceria com três comunidades quilombolas do Jalapão (TO) – Associação Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros (ACAPPM), Associação de Artesãos e Extrativistas do Povoado do Mumbuca e Associação Quilombo do Prata culminaram no lançamento da coleção Jalapoeira Apurada, com esculturas feitas com o capim-dourado, típico da região. A coleção de design foi apresentada em eventos realizados em Palmas (TO), Brasília (DF) e São Paulo (SP), com a presença das artesãs envolvidas, e contou com a curadoria do designer Marcelo Rosenbaum. Recentemente, a exposição conquistou o mundo, ao ser exibida em Madri, na Espanha.

No Brasil, o Projeto Ceres também possibilitou o desenvolvimento de quatro campanhas publicitárias sobre o Cerrado, que envolveram esforços de mobilização em mídias sociais, eventos presenciais e relacionamento com influenciadores e imprensa em defesa do bioma. As ações em comunicação nesse sentido foram fundamentais para contribuir com a mudança do imaginário a respeito do Cerrado e ampliar o conhecimento sobre o “coração das águas do Brasil”, conforme foi chamado o bioma na campanha lançada em setembro de 2024. 

Já, na área de Cerrado do Paraguai, o grande gol foi o reconhecimento por parte do governo federal paraguaio de uma área protegida de 100 mil hectares, em 2024, que obteve a sua titulação legal após quase 30 anos de criação. Além do treinamento de 82 pessoas em apicultura, incluindo 11 pessoas do povo indígena Yshir. 

Em outra frente, 334 pessoas (incluindo estudantes, prestadores de serviços turísticos e guias) reforçaram as suas capacidades em matéria de observação de aves, vulnerabilidade dos ecossistemas e novas oportunidades na economia local no âmbito do desenvolvimento do ecoturismo, dentro da iniciativa “Rota das Araras”, vencedor do Prêmio Público Excelência no Turismo 2023, em Madri, Espanha.

Ainda no Paraguai, aconteceu a campanha #elcerradonosetoca, que contribuiu para barrar um projeto de rodovia que iria desmatar uma parte considerável do Cerrado paraguaio. Conseguiu também posicionar essa ecorregião, tão desconhecida no Paraguai, com a estreia do primeiro documentário de natureza focado no Cerrado, sua biodiversidade e suas ameaças.

No projeto CERES como um todo,13.422 pessoas foram treinadas em práticas agrícolas sustentáveis, manejo integrado do fogo e manejo sustentável da biodiversidade. Em relação aos incêndios, que bateram recorde no primeiro semestre de 2024, de acordo com monitoramento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) desde 1998, além da formação de brigadistas em áreas protegidas, foi ensinado o Manejo Integrado do Fogo (MIF), estratégia que associa aspectos ecológicos, socioeconômicos e técnicos com o objetivo de integrar ações para controlar incêndios e prevenir e combater incêndios florestais.

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