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MANGUEZAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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Arthur Sofiati | Redação Eco21 |

Um rio, uma floresta, uma fauna não são de um município, estado ou país. A natureza chegou primeiro. Quando os chamados povos originários (prefiro pioneiros) entraram na América, o rio Amazonas já existia, assim como todos os outros. Quando os europeus aportaram em terras da futura América, por intermédio dos portugueses, os manguezais já estavam na foz dos rios e nas praias. O Brasil é que se formou em torno dos rios, florestas e fauna, alterando e barrando seus cursos, desmatamento e extinguindo espécies.

O estado do Rio de Janeiro é uma herança da província e capitania do mesmo nome. As fronteiras mudaram. Os rios permaneceram. A capitania do Rio de Janeiro se formou com a junção das capitanias de São Tomé e parte da de São Vicente. O rio Itapemirim integrou a capitania de São Tomé. Depois passou a pertencer ao Espírito Santo. Os manguezais assistem impassíveis a essas mudanças, sofrendo apenas as agressões dos grupos humanos.

Creio que o primeiro levantamento sistemático dos manguezais encontrados nos limites do estado do Rio de Janeiro foi efetuado pelas biólogas Norma Crud e Dorothy Sue Dunn de Araujo, em 1980. Ambas eram funcionárias da extinta Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema). No ano anterior, ambas redigiram “Os manguezais do recôncavo da baía de Guanabara” (Série Técnica 10/79. Rio de Janeiro: Decam-Depol/Feema, 1979), trabalho que se tornou clássico, sendo até hoje fonte de consulta. Meu exemplar tem linda dedicatória de Norma.

No ano seguinte, a Feema publicou o RT 1.123 (Relatório técnico sobre manguezal. Rio de Janeiro: Feema, 1980) com o primeiro levantamento dos manguezais existentes no recorte administrativo correspondente ao estado do Rio de Janeiro.  Esse relatório serviu de base para a Nota Técnica 1.124, estabelecendo critérios para a preservação de manguezais, nota que vem sendo utilizada fora de seu contexto para justificar a erradicação de manguezais por empreendimentos imobiliários na Região dos Lagos.

O relatório é, na verdade, a primeira tentativa de sistematizar os conhecimentos sobre manguezais por uma instituição pública no estado do Rio de Janeiro. Ele caracteriza o ecossistema e define sua área de ocorrência, assim como sua distribuição geográfica. Discorre sobre seus serviços ambientais, na época entendidos como funções do ecossistema. As formas de adaptação das plantas a um ambiente salobro e pouco oxigenado merece atenção especial. Na época, as ramificações caulinares do gênero Rhizophora ainda eram considerados raízes escoras.

As duas biólogas dedicam um capítulo às espécies animais residentes e visitantes do manguezal. Ainda havia um modelo de zonação. Quanto à importância do ecossistema, ressaltam as duas biólogas: “O valor de que hoje se reveste o manguezal reside na quantidade de matéria orgânica produzida pela cadeia detrítica, que forma o elo básico das cadeias alimentares economicamente importantes.”

Há também um capítulo dedicado às atividades prejudiciais ao ecossistema. Dentre elas, figuram a drenagem, com o alerta: “A construção de canais nesse ecossistema para esse fim modifica de maneira significativa o processo de escoamento natural de águas da zona terrestre para a zona estuarina. Esse processo transporta uma carga de materiais que normalmente é redistribuída sobre o substrato do manguezal, sendo depois os nutrientes incorporados ao solo e às plantas. Com as modificações resultantes de canalização, o input acaba sendo desviado diretamente para o estuário, não permanecendo no manguezal durante um período suficiente para sua incorporação no ecossistema. Com este curto-circuito no sistema de input-output a produção do manguezal fica reduzida.”

O relatório ainda aponta o assoreamento como um risco para os pneumatóforos, pois os soterra e impede a troca de gases. “… a tolerância das espécies botânicas do manguezal a uma alta velocidade de sedimentação é limitada”. Em seguida, apontam-se a extração de madeira, a exploração excessiva da fauna, a poluição por petróleo, esgoto doméstico e temperaturas elevadas.

Há também um capítulo dedicado à legislação protetora dos manguezais, naquela época, bastante escassa. São relacionados diplomas legais publicados entre 1934 e 1975, fazendo-se contorcionismo para encontrar neles dispositivos diretos e indiretos para proteger os manguezais. Nem mesmo a legislação posterior conseguirá efeito concreto nessa proteção.

Finalmente, o exame dos manguezais no estado do Rio de Janeiro. Começando pelo sul fluminense, são passados em revista os manguezais do Saco de Mamanguá, com destaque para dois grandes bosques nos estuários de cinco pequenos rios. O nome de um nem sequer é mencionado. No fundo da enseada de Parati Mirim, merece destaque o manguezal contínuo entre a foz do rio dos Meros, córrego da Caçada e um riacho sem nome mencionado. No rio Bracuí, aponta-se a construção de uma marina como fator de impacto ao ecossistema. Também merecem destaque o manguezal dos rios Ariró e Jurumirim. As autoras destacam a dimensão e o estado de conservação do conjunto de ecossistemas praia-restinga-manguezal-lagoa-brejo na extremidade oeste da ilha Grande. Segundo elas, encontra-se nesse local o mais bem preservado manguezal do estado. 

Manguezais do sul fluminense segundo o relatório 

Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o relatório aponta o manguezal da Restinga da Marambaia. Embora sem rios, a água doce provém de uma elevação, com destaque para a lagoa Vermelha. Outras áreas de manguezal se encontram no âmbito da base aérea de Santa Cruz, na Reserva Biológica de Guaratiba e na baía de Guanabara, que as autoras examinaram em trabalho já mencionado. 

Manguezais da Região Metropolitana segundo o relatório 

Do sul e do centro do estado, elas pulam para o norte, registrando os manguezais dos rio Paraíba do Sul e Itabapoana, observando que a espécie de siribeira (denominado de siriúba) que ocorre em ambos não é a Avicennia schaueriana e sim a Avicennia germinans. Registram também, na foz do Paraíba do Sul, a presença de Montrichardia linifera, uma arácea popularmente conhecida pelo nome de aninga. Encerrando o levantamento, o relatório aponta ainda outras áreas de manguezal em pequenos rios do litoral sul, da região metropolitana e do litoral norte. Neste último, mencionam-se os manguezais dos rios São João e Macaé. O trabalho termina com recomendações. 

Manguezais do litoral norte fluminense segundo o relatório 

O trecho costeiro entra a baía de Guanabara e o rio São João, ou seja, o trecho correspondente à Região dos Lagos,  não é mencionado. Por que? As autoras não dispuseram de tempo? Pode ser uma resposta. Elas desconheceriam a Região dos Lagos? Não. Elas a conheciam muito bem. Por intermédio de ambas, fiquei conhecendo ecossistemas importantes dessa região. Parece que a explicação mais aceitável é que elas enfatizaram, no relatório, os manguezais estuarinos. No trabalho Structural and functional properties of mangrove forests, publicado em 1980, Cintrón, Lugo e Martinez propõem três tipos fisiográficos de manguezal: ribeirinho (o mais comum), de bacia e de franja ou borda. A proposta foi divulgada no ano de publicação do relatório das duas biólogas e o trabalho dos três conhecidos especialistas em manguezal não está mencionado na bibliografia. O tipo clássico de manguezal, em 1980, era então o ribeirinho. Na Região dos Lagos, apenas o rio Una permitiu o desenvolvimento de um.

O relatório de 1980 merece uma atualização, pelo menos quanto à ocorrência de manguezais na Região dos Lagos. Em outro artigo, essa é nossa intenção. 

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