24 C
Rio de Janeiro
spot_img
spot_img

Maré negra sobre o Nordeste

Mais lidas

eco21
eco21https://eco21.eco.br
Nossa missão é semear informação ambiental de qualidade.
Paulo de Bessa Antunes – Foto: Arquivo

Paulo de Bessa Antunes || Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

No início do mês de setembro o Brasil foi surpreendido por aparições de óleo nas praias do nordeste, após investigações a origem, aparentemente, foi descoberta sendo imputável ao navio tanque grego(1) Bouboilina, muito embora a empresa proprietária do navio negue o fato e existam outros suspeitos(2).  De acordo com informações do site G1(3) o petróleo cru atingiu 200 localidades em 78 municípios de 9 estados, números que variam com frequência. A reação inicial do governo brasileiro em face do problema foi, no mínimo, surpreendente: “Pode ser algo criminoso, pode ser um vazamento acidental, pode ser um navio que naufragou também. Agora, é complexo. Temos, no radar, um país que pode ser o da origem do petróleo e continuamos trabalhando da melhor maneira possível”, afirmou o Presidente Jair Bolsonaro(4). O senhor Ministro do Meio Ambiente insinuou que o óleo poderia ter sido derramado pelo Greenpeace, ainda que tenha dado um passo atrás logo em seguida(5). Fato é que há cerca de dois meses, parcela relevante da alta administração federal está mais preocupada em atacar a esquerda e os ambientalistas do que propriamente em informar a população sobre o problema e os cuidados a serem adotados em relação ao inusitado fenômeno. Registre-se, entretanto, que a Polícia Federal, a Marinha do Brasil e o IBAMA, alheios às questões ideológicas indevidamente adicionadas ao grave problema, estão fazendo profissionalmente as suas tarefas e contribuindo para o esclarecimento dos fatos. Merece destaque o trabalho que vem sendo desenvolvido pelos governos estaduais e municipais das áreas atingidas, bem como o expressivo número de voluntários que têm se apresentado para tentar minimizar os deletérios efeitos do derramamento de óleo. 

Estima-se que até 20 de outubro já tenham sido recolhidas 600 toneladas de óleo que impactaram o meio ambiente, inclusive com repercussões sobre flora e fauna e atividades econômicas que dependem da boa qualidade das águas do mar.

Do ponto de vista jurídico é importante frisar que o Brasil é Parte da (1) Convenção sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição de Óleo [CLC/69], (2) da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios, concluída em Londres, em 2 de novembro de 1973, alterada pelo Protocolo de 1978, concluído em Londres, em 17 de fevereiro de 1978, e emendas posteriores, ratificadas pelo Brasil [MARPOL 73/78], e da (3) Convenção Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperação em Caso de Poluição por Óleo, de 1990, ratificada pelo Brasil [OPRC/90]. O Brasil, entretanto, não é Parte da Convenção Internacional para o Estabelecimento de um Fundo Internacional para a Compensação de Danos Causados por Poluição por Óleo (FUND)(6). Tais convenções formam o quadro legal aplicável, estabelecendo os mecanismos de responsabilização a serem aplicados em caso de derramamento de óleo no mar (oil spill). No direito interno, a principal norma é a Lei nº 9.966, de 28 de abril de 2000 que trata da prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional. As sanções administrativas aplicáveis ao caso estão previstas no Decreto nº 4.136, de 20 de fevereiro de 2002. Os Planos de Área para o combate à poluição por óleo em águas sob jurisdição nacional foram tratados pelo Decreto nº 4.871, de 6 de novembro de 2003. Aqui é relevante observar que mesmo na hipótese de que o óleo tenha origem em águas internacionais, ao atingir as águas jurisdicionais brasileiras, a lei nacional é aplicável.

A segurança do transporte marítimo de petróleo tem aumentando nos últimos anos graças a adoção de medidas de âmbito internacional incentivadas pela International Maritime Organization (IMO), em resposta às pressões da opinião pública, inclusive do Greenpeace. Desde as grandes marés negras causadas por acidentes com os petroleiros Amoco – Cadiz e Torey Canyon ocorridos na década de 60 do século passado nas costas europeias, a comunidade internacional vem dando mais atenção ao transporte de óleo por via marítima, reduzindo drasticamente a sua ocorrência.

O quadro abaixo demonstra o nível decrescente de tonelagem de óleo lançado ao mar em função de acidentes com navios petroleiros:

Fonte: https://www.itopf.org/knowledge-resources/data-statistics/statistics/ 

Uma comparação interessante é a feita entre o crescimento do volume de petróleo transportado por mar e o número de acidentes.

Fonte: https://www.itopf.org/knowledge-resources/data-statistics/statistics /

A queda espetacular na tonelagem de óleo lançado ao mar por acidente é, em grande medida, resultado da adoção de cascos duplos nos navios tanque e a um controle mais estrito das condições de transporte que estão, atualmente, reguladas por acordos multilaterais. Todavia, há, ainda, em circulação uma grande quantidade de navios com cascos simples (Pré-Marpol), sobretudo arvorando as chamadas bandeiras de conveniência, ou seja, países cuja legislação trabalhista, tributária e ambiental são mais “frouxas”, vez que um navio em águas internacionais está inteiramente regido pelas leis de sua bandeira. 

A responsabilidade civil e administrativa pelo derramamento de óleo no mar, conforme a legislação brasileira é do proprietário do navio, tal como disposto no inciso I, do § 1º do artigo 25 da Lei nº 9966/2000. A Lei nº 9.605/1998 (crimes ambientais) estabelece a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica proprietária do navio. No caso, mesmo praticado em águas internacionais, o crime, em tese, produziu resultados no Brasil, o que pelo artigo 6º do Código Penal fixa a competência da Justiça Brasileira. As penas aplicáveis, entretanto, são modestas. O parágrafo 3º do artigo 54 da Lei nº 9605/1998 estabelece pena de 1 a 5 anos. Existe a possibilidade de cumulação com outros tipos penais.

As sanções administrativas poderão ser aplicadas cumulativamente, desde que de uma mesma ação resulte ofensa a vários bens  jurídicos tutelados. O proprietário do navio responderá também pelo ressarcimento de todos os valores incorridos na limpeza das praias e demais atividades que tenham sido necessárias para a apuração do fato. Os prejuízos comprovados a terceiros (pescadores, hotéis, atividades econômicas em geral) também deverão ser indenizados.

Este é o quadro jurídico aplicável ao lamentável incidente. Todavia, a experiência demonstra que o caso não terá uma solução fácil do ponto de vista legal, pois inúmeras questões legais poderão ser levantadas, com repercussões que poderão demorar anos, sobretudo se confirmada a origem do óleo e o proprietário do navio não tiver bens no Brasil. Assim, parece claro que o Brasil deveria adotar um regime de fundos de indenização, a ser constituído por uma fração dos chamados royalties do petróleo que têm sido usados para as mais diversas finalidades, restando inteiramente esquecida a proteção ambiental,  a indenização de vítimas e a recuperação ambiental em casos de acidente. O fundo arcaria incialmente com os custos, em casos bem especificados, e posteriormente faria a cobrança regressiva a que de direito.

Somente com uma caracterização muito precisa da origem do óleo lançado ao mar será possível uma responsabilização efetiva do autor (ou autores) do delito. Isto, todavia, não é simples e a tendência é que a questão se prolongue com embates em tribunais por muitos anos.

Observações:

Notícias relacionadas

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Últimas notícias

- Advertisement -spot_img