Ian Angus || Escritor, educador e editor do Climate & Capitalism
Membros da sempre interessante e muitas vezes controversa “Great Transition Initiative” e da “Carta da Terra” atualmente estão discutindo um artigo sobre ética ambiental.
A Great Transition Initiative – GTI é um fórum on-line de ideias e uma rede internacional para a exploração crítica de conceitos, estratégias e visões numa transição para um futuro de solidariedade humana e uma biosfera resiliente. A “Carta da Terra” é um movimento global de organizações e indivíduos que adotam a “Carta” para orientar a transição por um mundo mais justo, sustentável e pacífico.
Uma seleção das respostas dos participantes, junto com o ensaio original do autor, será publicada pelo GTI em Fevereiro.
Por enquanto envio os seguintes comentários.
“Como a experiência histórica revela, o pensamento voluntário – muitas vezes associado a um apelo direto à autoridade dos imperativos morais reivindicados – tende a predominar na política precisamente nos momentos em que os objetivos políticos defendidos são mal fundamentados devido à fraqueza inerente daqueles que os promovem. O apelo direto à moralidade nesse discurso político é usado como um substituto imaginário para as forças materiais e políticas identificáveis que assegurariam a realização dos objetivos desejados”, escreveu István Mészáros.
Dito de forma simples, o argumento para uma nova ética ambiental é que a visão de mundo dominante na sociedade moderna considera as necessidades humanas mais importantes do que as dos não-humanos. Enquanto essa ética antropocêntrica predominar, a destruição do mundo natural continuará inabalável.
“Se os seres humanos forem considerados seres mais valiosos do que as outras espécies, sempre se pensará que qualquer necessidade ou desejo humano deve obrigatoriamente ter prioridade sobre as necessidades ou interesses da natureza não-humana, não importa quão críticas ou essenciais possam ser essas necessidades”, escreveu Robyn Eckersley.
O que é necessário, portanto, é um novo sistema de ética que reconheça o direito moral da natureza não-humana existir e se desenvolver sem interferência humana e independente das necessidades humanas.
Simulacro da moralidade
Os fundadores da filosofia ecocêntrica se convenceram de que estavam fazendo importantes avanços na filosofia e na ética. Roderick Nash descreveu as conclusões da ética ambiental como “revolucionárias” e “indiscutivelmente a expansão mais dramática da moralidade no curso do pensamento humano”. Isso parece radical, mas, na prática, a ética evolucionária se mostrou muito difícil de definir. Interpretações conflitantes de não antropocentrismo e valor intrínseco se multiplicaram.
Os debates continuam; remanescentes dos escolásticos medievais discutem o sexo dos anjos. O filósofo Alasdair MacIntyre diz que em nosso tempo “no argumento moral, a aparente afirmação de princípios funciona como uma máscara para expressões de preferência pessoal”. O resultado são “simulacros da moralidade”, caracterizados por debates intermináveis nos quais não há maneira racional de escolher entre as várias posições (After Virtue, 1985).
Isso certamente se aplica aos debates entre especialistas em ética ambiental. Após 50 anos de discussões, não há acordo sobre o que o ecocentrismo, o biocentrismo, o valor intrínseco e outros termos importantes podem realmente significar na prática.
De fato, a característica mais notável desses debates é o quão abstratos são eles. Livro após livro se discute a ética ambiental e se fazem poucas referências concretas a problemas ambientais reais. Em vez disso, somos apresentados a “teorias sociais/morais que pressupõem um mundo radicalmente diferente daquele que ocupamos, tornando-as irrelevantes como soluções para os problemas que enfrentamos no mundo real e não no da fantasia”. (Keekok Lee).
Um caso em questão é o amplamente citado argumento do “Último Homem” de Richard Sylvan para uma nova ética ambiental. Sob o chauvinismo básico que caracteriza os sistemas éticos ocidentais existentes, ele escreveu, seria moralmente aceitável que o último homem na Terra destrua sistemática e deliberadamente todos os outros seres vivos do Planeta. Essa fantasia foi justamente chamada de radicalmente sub-descrita. O que aconteceu com todo mundo? Todos eles morreram de uma vez ou esse foi um processo longo? Poderia um homem realmente destruir todos os seres vivos? Por que o último homem destruiria tudo? É destruição arbitrária, ou um ato de desespero, ou algum bizarro rito religioso?
Mesmo se suspendermos voluntariamente a descrença no cenário da “Zona Crepuscular” de Sylvan, por que alguém deveria acreditar que a existência (ou não) da ética ecocêntrica teria algum efeito sobre o comportamento do último homem ou de qualquer outra pessoa, nesse caso?
A crítica de MacIntyre às intermináveis discussões morais que “aparentemente não conseguem encontrar um término” raramente foi mais bem ilustrada. Os participantes desses debates são filósofos acadêmicos profissionais que usam as ferramentas mais sofisticadas de argumentação e análise que o campo desenvolveu. O fato de que eles não poderem concordar sugere fortemente, como diz MacIntyre, que há algo fundamentalmente errado: “Se aqueles que afirmam serem capazes de formular princípios com os quais os agentes morais racionais devem concordar não conseguem chegar a um acordo sobre a formulação desses princípios de seus colegas, que compartilham suas propostas e métodos filosóficos básicos, mais uma vez há evidências prima facie de que seu projeto falhou”.
Moralidade versus Moralismo
Em um artigo reveladoramente intitulado “Filosofia ambiental É ativismo ambiental: o tipo mais radical e eficaz”, o filósofo ambiental Baird Callicott insiste que a busca pela ética não antropocêntrica tem aplicação prática direta: “Se todos os valores ambientais são antropocêntricos e instrumentais, eles precisam competir frente a frente com os valores econômicos derivados da conversão de florestas tropicais em madeira e celulose, savanas em pastagens e assim por diante. Os ambientalistas, em outras palavras, devem mostrar que preservar a diversidade biológica tem maior valor instrumental para as gerações presentes e futuras do que a extração lucrativa de madeira, a conversão agrícola, o represamento hidrelétrico, a mineração e assim por diante. Por essa simples razão, um argumento filosófico persuasivo do valor intrínseco das entidades naturais não-humanas e da natureza como um todo faria uma enorme diferença prática”.
Para levar isso a sério, precisamos acreditar que apenas a ausência de um “caso filosófico persuasivo” permitiu que empresas gigantes continuassem destruindo florestas e savanas.
Imagine o presidente da Exxon ou da Monsanto explicando aos acionistas que os lucros estão baixos porque um professor os alertou sobre o valor intrínseco das entidades naturais não-humanas. Imagine os acionistas aplaudindo vigorosamente e votando nele para lhe dar um grande bônus por estender a consideração moral aos ecossistemas!
No mundo real, uma montanha de evidências científicas sólidas, incluindo relatos detalhados do provável impacto do aquecimento global na natureza humana e não-humana, não fez nenhuma diferença prática nas emissões de Gases de Efeito Estufa. O poder e os lucros da indústria de combustíveis fósseis e seus aliados determinam a agenda ambiental, não a ciência ou a ética. “A extração lucrativa de madeira, a conversão agrícola, o represamento hidrelétrico, a mineração e assim por diante” não continuam por causa de uma filosofia ruim, mas precisamente porque são lucrativas.
A moralidade não tem nada a ver com as decisões dos saqueadores: enquanto for lucrativo destruir a terra e não houver força contrária que possa detê-los, eles continuarão a fazê-lo, mesmo que esgotem as fontes de sua riqueza e as condições que tornam a terra habitável. Isso não quer dizer que o comportamento antiecológico não deva ser condenado por razões morais; é insistir na distinção vital entre moralidade e moralismo.
Julgamentos morais
Como Perry Anderson escreve, essa distinção ajuda a superar a tendência dos julgamentos morais “de se tornar substitutos de relatos explicativos da história. A consciência moral é certamente indispensável à própria ideia do socialismo: o próprio Engels enfatizou que ‘uma moralidade realmente humana’ seria uma das marcas do comunismo, o melhor produto de sua conquista das antigas divisões sociais e antagonismos enraizados na escassez. O moralismo, por outro lado, denota a vã intrusão de julgamentos morais em vez de entendimento causal”.
Julgamentos morais em vez de entendimento causal, essa frase deve ser inscrita na entrada de todos os departamentos de ética ambiental.