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O conhecimento da realidade

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Arthur Soffiati |

Engano pensar que só os humanos conseguem conhecer a realidade. Engano também acreditar que só a ciência ocidental permite o conhecimento do mundo em sua multiplicidade. Ao contrário, qualquer planta necessita conhecer o seu meio para nele viver. Já está demonstrado que as plantas se deslocam, de geração em geração, para condições ambientais às quais se adaptaram, caso elas mudem. Plantas de determinadas espécies estão se adaptando às mudanças climáticas e até se deslocando para locais aos quais se aclimataram.

O mesmo se pode dizer dos vírus, bactérias e animais pluricelulares. Da água viva aos insetos, o conhecimento do meio é necessário para sua sobrevivência. Pode-se falar de inteligência entre os seres vivos não-humanos, embora não se possa afiançar que tenham desenvolvido consciência. A brincadeira entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes, como mostra o filósofo Brian Massumi no livro “O que os animais nos ensinam sobre política” (São Paulo, n-1 Edições, 2017), é uma espécie de pré-linguagem. Claro que se está falando aqui de um conhecimento empírico necessário à travessia do ser vivo entre o nascimento e a morte.

Plantas escalam montanhas em busca de condições ambientais apropriadas

Da mesma forma, não é mais possível sustentar que as teorias do conhecimento produzidas no mundo ocidental a partir do século XVII são superiores às formas de conhecimento de outros povos. Os gregos desenvolveram explicações notáveis sobre a realidade. Mais que Heráclito e Aristóteles, Empédocles desenvolveu uma explicação sobre a dinâmica da natureza que se mostra muito atual. Essa explicação merece mais comentários em outra ocasião. Na China, a concepção de mundo desenvolvida por Lao-Tsé mostra-se profundamente atual. Se visitarmos as concepções dos povos da Oceania, Ásia, África e América antes da chegada dos europeus, constataremos que elas são extremamente ricas e que, embora impregnadas de elementos metafísicos e sobrenaturais, aportam ótimas explicações que o ocidente descartou como mágicas e supersticiosas. 

Mesmo no ocidente, a cosmovisão desenvolvida por Montaigne em “apologia de Raimond Sebon”, 12° ensaio do segundo livro dos “Ensaios”, é bem mais orgânica que a dos pensadores europeus dos séculos XVII e XVIII. Daí denominarmos todas essas concepções de naturalistas organicistas antigas. Naturalistas porque a natureza não é silenciada como nas concepções culturalistas. Organicistas porque a natureza é vista em seu caráter orgânico, sem reducionismos. Antigas porque são anteriores ao grande rolo compressor cartesiano que se julgou fundador da nova ciência, esmagando as antigas concepções como mágicas.

Para compreender a natureza, René Descartes realizou uma grande operação reducionista. Simplifiquemos o complexo para melhor conhecê-lo. Separemos homem de animais. Apliquemos o método matemático em nossas operações de compreensão. Esquartejemos e torturemos a natureza para que ela confesse o que é. Nasce, assim, uma concepção mecanicista em que, mesmo o homem, é concebido como máquina, embora máquina pensante que acessa a natureza pela visão e audição. Penso logo existo é o grande lema do mecanicismo. 

Elefantes em busca de ambientes apropriados a sua existência

Mas observemos que, nessa concepção, só existe o homem ocidental que conhece matemática. Os vegetais e os animais são transformados em coisas. A maior parte da população europeia não sabe que existe porque não pensa. As mulheres idem. Os povos não-europeus vivem num mundo de superstição e magia do qual só os europeus podem salvar. Além de mecanicista e reducionista, Descartes consolida uma teoria do conhecimento elitista, na medida em que restringe o conhecimento do mundo aos intelectuais. Esse é o paradigma naturalista mecanicista, bem distante e mais pobre que os paradigmas naturalistas organicistas antigos. Apesar de todas as críticas, ele continua dominando o mundo acadêmico e as pessoas de mediano saber. Ele pode ser resumido na fórmula natureza X cultura.

Mas esse paradigma do conhecimento entrou em crise no próprio meio intelectual em que foi formulado. Russel e Whitehead demonstraram, no início do século XX, que a matemática não era tão exata como se afirmava, constatação que Gödel levará adiante com seus teoremas. A física quântica revelou um mundo subatômico imprevisível. No campo da filosofia, Henri Bergson mostrou uma evolução criativa da vida. Bachelard pensa a complexidade e Ernst Cassirer caracterizou o humano como animal simbólico e não mais como racional.

Mudanças climáticas e o ser humanos

No campo das ciências naturais, a etologia mostrava progressivamente a inteligência vegetal e animal. Vários outros pensadores contribuíram para consolidar um paradigma naturalista organicista contemporâneo do mundo. Ele recupera muitos saberes do antigo organicismo e os interpreta de forma mais complexa. A complexidade, e não o reducionismo, é a grande característica das teorias do conhecimento atual. E coube ao pensador francês Edgar Morin sistematizar a complexidade em “O método”, sua obra máxima, em vários volumes. 

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