René Capriles | Editor da Revista ECO21
Em 2007, quando foi lançada a ousada iniciativa científica conhecida como “Enciclopédia da Vida”, se pretendia documentar ao redor de 1,8 milhão de espécies biológicas da
Terra, analisar o impacto das perdas dos hábitats e os efeitos das mudanças climáticas. O livro “Imagens, Micróbios e Espelhos” (Editora Fiocruz, Rio 2017) de autoria do médico
e doutor em biologia humana, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro e do doutor em ciências imunológicas, Yuri Chaves Martins, se apresenta, assim, como uma “Enciclopédia da Vida”.
Ao longo do tempo, principalmente no Século 20, a ciência moderna, estreitamente atrelada à tecnologia, adquiriu um extraordinário poder de entender e modificar a natureza e a
sociedade. Tal poder acarreta uma gigantesca responsabilidade científica, fato percebido pelos autores, que desenvolvem, ao longo de 340 páginas, uma ciência com consciência, isto é, revelam uma capacidade de percepção e discernimento sobre milhares formas de vida existentes na Terra, acrescentando o novo conhecimento tecnológico e cibernético. Nesse sentido, o livro avança profundamente sobre os graves problemas que apresenta a crise ecológica e manifesta claramente a necessidade de uma reorientação da sociedade voltada para a sustentabilidade.
O neurocientista Sidarta Ribeiro, autor da apresentação na “orelha” do livro afirma: “Parafraseando Tolstói, neste livro Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro e Yuri Chaves Martins conseguiram ser universais a partir de sua aldeia, a imunologia.
Tal universalidade provém da radical interdisciplinaridade da obra, que além dos autores acolhe 13 comentaristas convidados, relevantes cientistas das áreas biomédicas com formações que vão da medicina e biologia à filosofia e antropologia.
Esse formato dialógico permite abordar um painel amplo de problemas nas fronteiras do conhecimento, desde a imprevisibilidade do desenvolvimento científico até os enigmas da
autoimunidade e do compartilhamento antigênico, passando pela unicidade genética que distingue os indivíduos com precisão, pelo problema das representações imunes e neurais
como imagens internas, e por uma retrospectiva histórica da imunologia cognitiva. Em conjunto, esses tópicos preenchem lacunas importantes para a formação intelectual do público brasileiro, que padece singularmente de analfabetismo científico em todas as classes sociais”.
Eduardo Krieger, que foi Presidente da Academia Brasileira de Ciências, no seu discurso de posse definiu o papel do cientista, principalmente brasileiro com estas palavras: “A ciência é e sempre foi internacional, mas a responsabilidade de criar uma capacitação científica nacional a serviço dos interesses maiores da sociedade é responsabilidade dos cientistas de cada país. A afirmativa de que ‘a ciência não tem pátria, mas o cientista tem’ é aceita universalmente. Oswaldo Cruz, Carlos Chagas pai e filho, Mauricio Rocha e Silva e Joana Dobereiner, para citar apenas alguns, são exemplos do comprometimento dos cientistas brasileiros com o progresso do país”; hoje, sem dúvida, acrescentaria Cláudio e Yuri.
O grau de conhecimento ao qual chegou a humanidade tem uma repercussão profunda em todos os níveis da vida. Diariamente surgem novos desafios, como no universo da
genômica e da transgenia, para falar apenas de um campo, demonstrando que não se pode continuar pensando como se pensava até ontem. Mae-Wan Ho, geneticista falecida em 2016, disse que não existe uma única ciência, mas várias, cada uma delas vinculada à cultura de onde surgiu. “A ciência ocidental que atualmente hegemoniza o mundo representa uma visão reducionista da natureza, seus fenômenos e interdependências. Esse esquema foi desmontado teoricamente no início do século passado pela física quântica. O paradigma unidirecional da ciência ocidental não pode conter nem explicar as descobertas relativas à funcionalidade do caos no devir da vida”.
É com base nessas premissas que o leitor deve entender a profícua obra de Daniel-Ribeiro e Chaves Martins. O livro age como se fosse um material genético, o qual pode ser transferido de um ser a outro através do ambiente. A cientista Glaci Zancan, ex-Presidente da SBPC disse que “a ciência, acima de tudo, deve oferecer uma cota de felicidade a cada pessoa”. E isso é feito por Cláudio e Yuri com este livro.