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Cientistas defendem medidas para conter mudanças climáticas em audiências públicas em Manaus

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Os especialistas defendem medidas como a redução de gases superpoluentes e um olhar especial a grupos marginalizados; as audiências são realizadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos

Em luz das tragédias que acontecem no Rio Grande do Sul, cientistas alertam sobre a emergência na criação de ações que contenham as catástrofes climáticas que acontecem no Brasil e no mundo. Os especialistas se reuniram em Manaus, onde aconteceu as audiências públicas da Corte Interamericana de Direitos Humanos, dos dias 27 a 29 de maio. As reuniões fazem parte de um processo de elaboração consultivo, um documento que tem valor judicial no Brasil e em outros países latinos, e pedem que a corte inclua essas estratégias ambientais no papel.

Um dos debates envolve pensar em estratégias que desacelerem a elevação da temperatura da Terra. Medidas que combatam a emissão de gás carbônico, o principal responsável pela questão, por si não são suficientes, visto que o gás sobreviva outros 100 anos da atmosfera. Além disso, ele está isolado nessa problemática: os chamados “superpoluentes” englobam outros gases que atuam na elevação de temperatura terrestre e não desaparecem da atmosfera por pelo menos 30 anos. O metano, por exemplo, é um deles e possui um poder de aquecimento 80 vezes maior que o gás carbônico.

Pensar na redução desse grupo de superpoluentes, para além de somente o gás carbônico, pode evitar em quase quatro vezes o aquecimento até 2050. Isso pode ser feito concentrando as ações em três setores econômicos que mais emitem esses gases: a produção de energia, principalmente petróleo e gás, agricultura e resíduos, ou seja, lixo. Já existem tecnologias economicamente viáveis para reduzir essas emissões em 45% até 2030 (em comparação com os níveis normais em 2030), para atingir quase 0,3°C de aquecimento evitado até 2040.

A presidente do Centro de Análise de Demografia e Saúde (CEDHA, em inglês) e consultora sênior para assuntos de mudanças climáticas do IGSD, Romina Picolotti, alerta que é fundamental a ação imediata para evitar catástrofes e violações aos direitos humanos. “Hoje a única forma de abrandar a taxa de aquecimento no curto prazo é abordar os gases de vida curta, além do CO2. Ainda podemos salvar tudo e não deixar ninguém para trás”, completa. Romina lembra que o Tribunal Interamericano tem uma oportunidade extraordinária para orientar os Estados sobre as ações necessárias para construir resiliência e prevenir violações massivas dos direitos humanos.

Os Pareceres Consultivos da Corte Interamericana são obrigatórios. Nos casos em que são alegadas violações da Convenção Americana de Direitos Humanos, os tribunais nacionais são obrigados a utilizar os pareceres consultivos do tribunal para interpretar a convenção. Mas mesmo além de um caso específico, o Parecer Consultivo da Corte tem grande influência nas políticas públicas e na legislação. Isso ocorre porque a Corte Interamericana desenvolveu o que chamamos de controle de convencionalidade, pelo qual todo aparelho de poder público é sempre obrigado a aplicar as normas de origem interna de forma que sejam compatíveis com a Convenção Americana e com as Opiniões Consultivas da Corte.

Importância para o Brasil e a América Latina

O Quinto Relatório de Avaliação do IPCC indica que os limitados recursos hídricos causadores do retrocesso dos glaciares nos Andes e a alteração dos ciclos de precipitações regionais poderiam afetar a população em grande medida. Além disso, um aumento do nível do mar e o incremento da temperatura da água na superfície terão um impacto nas comunidades costeiras, no fornecimento de água e nas economias de toda a região. Isso pode afetar de maneira desproporcional as nações costeiras e insulares da bacia do Caribe.

A região dos Andes se encontra entre as zonas mais sensíveis do mundo a migrações e deslocamentos associados à mudança climática. Na Colômbia, um aumento de temperatura maior do que 1,5°C resultará no incremento da intensidade e frequência de temperaturas extremas, tormentas, inundações, deslizamentos de terra e ondas de calor. A floresta Amazônica, um dos depósitos mais extensos de biodiversidade do mundo, que abriga 40% das florestas tropicais ainda existentes no mundo e 25% da biodiversidade terrestre, vê a sua existência ameaçada. Além disso, se a tendência de desmatamento amazônico continuar e ultrapassar o ponto de inflexão, haverá impactos devastadores para a regulação das chuvas. Adicionalmente, esta mudança não apenas teria efeitos devastadores para nossa região mas também em âmbito mundial, na medida em que poderia contribuir com o efeito de aquecimento extremo da terra.

Entre outros impactos, considera-se na região andina um aumento entre 100-200% de pessoas afetadas por inundações, uma maior transmissão de enfermidades como malária, dengue e Chikungunya, efeitos negativos de até 85% na fauna e flora da região, a diminuição de colheitas em função de secas cada vez mais frequentes, a redução de agricultura em virtude da elevação de temperatura e a redução de pesca derivada da acidificação do oceano. Isso, de acordo com o IPCC é, sem dúvida, uma causa que aumentará a mobilidade humana mundial, pois nos dias de hoje há evidências de que isso está ocorrendo. Esse deslocamento terá impactos diferenciados sobre as populações em situação de maior vulnerabilidade, incluindo as populações costeiras e os habitantes de ilhas, povos indígenas, comunidades afrodescendentes, camponeses, entre outros.

Ademais, os efeitos adversos da mudança climática serão sentidos com mais força nos setores da população que já se encontram em situações de vulnerabilidade devido a fatores como o efeito nos lugares onde vivem – zonas costeiras ou rurais -, a pobreza, o gênero, a idade, o pertencimento a povos indígenas, a raça ou origem étnica, a origem nacional, a condição de migrante, entre outras.

Por exemplo, o Relator das Nações Unidas sobre Migração, em um relatório de julho deste ano, destacou que 80% das pessoas deslocadas em função de fenômenos relacionados com o clima são mulheres e crianças. Além disso, os efeitos adversos da mudança climática estão exacerbando a migração com impactos diferenciados para os povos indígenas e as comunidades afrodescendentes. Isso confirma a necessidade de adoção de um enfoque interseccional nesta matéria.

Para os países que solicitaram a avaliação, estas evidências comprovam o vínculo estreito entre a emergência climática e a violação de direitos humanos. As normas em matéria de direitos humanos podem contribuir para acelerar as respostas à emergência climática, promovendo políticas para dar cumprimento às obrigações de respeito e garantia por parte de diversos atores-chave. Debater este tema perante uma Corte regional permite, ademais, abordar não apenas as obrigações nacionais ou regionais, mas também aquelas vinculadas à cooperação internacional e as obrigações compartilhadas, mas diferenciadas, a partir de uma perspectiva de direitos humanos.

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