Herton Escobar | Jornal da USP
A maioria dos municípios do Estado de São Paulo está mal preparada para lidar com os impactos das mudanças climáticas. Essa é a má notícia. A boa notícia é que os municípios mais bem preparados estão justamente nas regiões metropolitanas do Estado, onde vive a maior parte da população paulista.
Esse é o panorama traçado por um estudo que acaba de ser publicado por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, em colaboração com autores de outras instituições, que mediu a capacidade dos municípios paulistas de se adaptarem aos efeitos — presentes e futuros — das mudanças climáticas globais. Para isso, os autores criaram um Índice de Adaptação Urbana (UAI, em inglês), que leva em conta 26 indicadores de políticas públicas, relacionadas a cinco grande temas que influenciam essa capacidade: habitação, mobilidade urbana, agricultura sustentável, gestão ambiental e resposta a impactos climáticos.
Todos os 645 municípios do Estado de São Paulo foram avaliados com relação à presença ou ausência de políticas e serviços públicos municipais relacionados a esses temas. Resultado: dois terços (66%) dos municípios paulistas têm baixa capacidade de adaptação, e apenas dez municípios (1,5% do total) receberam nota próxima de 1, que seria a “nota máxima” do índice. Felizmente, os municípios mais bem avaliados são justamente os mais populosos do Estado, incluindo São Paulo, Campinas e várias de suas cidades vizinhas.
“O índice busca qualificar um pouco melhor o debate sobre adaptação às mudanças climáticas no nível municipal”, diz ao Jornal da USP a pesquisadora Gabriela Di Giulio, professora do Departamento de Saúde Ambiental da FSP, que liderou a pesquisa no âmbito do projeto CiAdapta – Cidades, Vulnerabilidade e Mudanças Climáticas. O primeiro autor do estudo, publicado na revista Climatic Change, é o engenheiro ambiental Eduardo Neder, que fez seu mestrado na FSP, orientado por Gabriela e pelo professor Arlindo Philippi Junior, que também assina o trabalho.
Os dados usados na avaliação são provenientes de bases de dados públicos, como o Perfil dos Municípios Brasileiros e o Censo Agro, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que permite que o índice seja atualizado regularmente (isto é, se o IBGE ainda tiver recursos orçamentários para continuar fazendo esses levantamentos nos próximos anos).
Entre os indicadores considerados na análise estão a presença de planos municipais de habitação, políticas de saneamento básico e controle de poluição, políticas de mobilidade urbana e de incentivo ao uso de bicicletas, leis de proteção ambiental e da biodiversidade.
“Estamos falando de coisas muito básicas”, afirma Gabriela. “É o mínimo que os municípios precisam ter para aumentar sua capacidade de adaptação; e mesmo esse mínimo não está sendo cumprido.” Quase metade dos municípios, por exemplo, não possui planos de habitação ou conselhos municipais para orientar, de forma participativa, a ocupação de seus territórios. A maioria, por outro lado, possui planos de gestão de resíduos sólidos.
É natural que os municípios mais populosos sejam os que agregam o maior número de indicadores, já que são eles os que mais necessitam dessas políticas públicas para sua gestão no dia a dia. Quando se trata da capacidade de resposta a emergências climáticas, porém, são poucos os municípios que estão devidamente preparados — esse foi o tema com a pior avaliação em geral no Estado. Os indicadores nesse quesito incluem políticas de prevenção a enchentes e deslizamentos, existência de uma Defesa Civil, mapeamento e prevenção da ocupação de áreas de risco.
“Não é à toa que quando os extremos climáticos acontecem os resultados nos municípios são devastadores”, avalia Gabriela. “Quando você olha para essa capacidade de resposta a riscos climáticos específicos, ela ainda é muito fraca. Isso nos chamou a atenção.” A maioria dos municípios possui apenas a Defesa Civil, e nada mais.
As projeções para o Sudeste brasileiro preveem aumento da ocorrência de extremos climáticos nos próximos anos e décadas, principalmente relacionados à precipitação, com maior ocorrência de tempestades, o que aumenta significativamente o risco de enchentes e deslizamentos — daí a necessidade de políticas voltadas para o planejamento urbano de habitação e transportes, por exemplo.
Uma ressalva importante é que o estudo não mediu a efetividade nem o grau de implementação das políticas públicas ou dos serviços públicos associados a elas, apenas a existência ou não dessas políticas. Ainda assim, a expectativa é que o índice possa ser aperfeiçoado com o tempo e que os resultados ajudem os gestores municipais a enxergar pontos fracos que precisam ser melhorados frente ao agravamento das mudanças climáticas. Gabriela espera que o estudo auxilie também na compreensão do caráter transversal do tema, já que muitos gestores podem não enxergar, a princípio, a conexão que esses diferentes temas — habitação, mobilidade, agricultura, meio ambiente — têm com sua capacidade de adaptação às mudanças climáticas.
“A realidade brasileira demanda que, dada a recorrência de eventos extremos, os municípios estejam cada vez mais estruturados para promover ações adaptativas, que demandam não apenas investimentos em tecnologia e infraestrutura, mas também o fortalecimento de ações intersetoriais e transversais que considerem a importância do protagonismo dos cidadãos nos processos decisórios, levando em conta as assimetrias sociais e populações vulneráveis nas nossas cidades”, diz o professor Pedro Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP e coordenador do projeto temático Governança Ambiental da Macrometrópole Paulista face às Mudanças Climáticas, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que não participou desse estudo específico, mas acaba de lançar um livro sobre o tema, focado na macrometrópole paulistana. “A aplicação dos dados só se torna viável associando, de um lado, a sua disponibilidade e, de outro, a efetiva implementação de agendas adaptativas nas cidades.”
O projeto CiAdapta é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o estudo é assinado, também, por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Os próximos passos do projeto incluem estender a mesma avaliação a todos os municípios brasileiros e cruzar esse índice de capacidade adaptativa com dados de vulnerabilidade socioclimática — para demonstrar não só a capacidade de resposta, mas o tamanho do risco a que cada município está exposto.