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Natureza e alimentos: a Zona Costeira

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Arthur Soffiati |

O Ministério do Meio Ambiente reconhece seis biomas em território do Brasil: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Campos Sulinos. A WWF acresce mais um: a Zona Costeira, com as planícies aluviais, as restingas, os manguezais, os campos salinos e os costões rochosos. Há quem acrescente ainda as ilhas costeiras e as ilhas oceânicas.

Biomas brasileiros segundo a WWF

A Zona Costeira é formada, basicamente, por áreas acrescidas ao continente com o recuo do mar nos últimos cinco mil anos na América do Sul. Os ecossistemas que se desenvolveram nelas são formações pioneiras fluviais, fluviomarinhas e marinhas. As plantas e os animais que as habitam provêm dos ecossistemas e dos biomas que se desenvolveram em sua retaguarda. Eles descem dos ambientes mais antigos e se adaptam aos novos com a devida seleção natural. Nem todas as espécies vegetais e animais da Amazônia e da Mata Atlântica migrarão ou se adaptarão aos novos ambientes.

Comecemos pelas planícies aluviais avançando em direção à linha da costa e das ilhas costeiras. As planícies aluviais se formaram, na América do Sul, a partir de 5 mil anos passados, com o recuo do mar. Rios foram transportando sedimentos de terras altas e os depositando em áreas até então cobertas pelo mar. O ambiente foi se tornando doce, com muitas áreas embrejadas e com uma vegetação caracterizada como pioneira de influência fluvial. Os muitos cursos difusos de água e as lagoas, quase sempre temporárias, transformaram em ambientes altamente favoráveis a moluscos, artrópodes, peixes, répteis, aves e mamíferos.

Perto do leitor, existem duas planícies aluviais expressivas: as formadas pelo rio Doce e pelo rio Paraíba do Sul. Sobre a segunda, o famoso documento “Roteiro dos Sete Capitães”, datado século XVII, estampa o deslumbramento dos primeiros colonos, que instalaram um modo de vida europeu de forma contínua no que se transformaria na região norte fluminense. O escrivão que redigiu o documento em nome de dois capitães informa que um arraial já existia onde hoje é Macaé, habitado por mamelucos que viviam da pesca de bagre, nome do rio às margens do qual erguia-se a aldeia, hoje rio Macaé. Na lagoa Feia, que maravilhou os fidalgos, havia canoas construídas com três travessas destinadas à pesca. Num ponto, o roteiro coloca na boca do redator: “Ficamos pasmos de ver semelhantes grandezas de peixes em terra, dentro em um dia nublado, frio e de um vento fulminoso. Agradecemos muito o presente, pois era estimável em tal lugar. Mandamos preparar os peixes, pois eram de cobiçar em tal lugar por estar fresco, para nos refazermos de barriga, pois já ia havendo alguma necessidade”. Mais adiante: “Enfim chegamos ao seu arraial. Era bem grosseiro. Eram umas choupanas grandes em cima de uns montinhos: nesta mesma campina achamos muitas caças mortas que diziam serem mortas de manhã, as quais eram veados e capivaras e muitas aves grandes e pequenas, uma fertilidade.” (GABRIEL, Adelmo Henrique Daumas e LUZ, Margareth da (Orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.; SANTOS, Fabiano Vilaça dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur e GOMES, Marcelo Abreu. Macaé: Funemac Livros, 2012).

A fartura de recursos naturais, nessas planícies, inibiram o nomadismo dos povos que a habitavam originalmente. Pesca e caça eram abundantes nesse mundo aquático, que tinha comunicação com o mar. A domesticação desses ambientes por drenagem radical, a fim de implantar uma economia agropecuária, acabou por empobrecê-los radicalmente. A colonização dessas áreas em moldes europeus teria obtido mais rendimento com a pesca industrializada, sem abolir a pesca artesanal.  

Lagoa Feia, norte do estado do Rio de Janeiro

Nas bordas das planícies aluviais, podem se formar restingas, que devem ser entendidas como formações geológicas e geomorfológicas arenosas. Normalmente, obstáculos pedregosos retêm areia transportada por correntes marinhas e a acumulam, formando também planícies. Na falta de formações pedregosas, os rios também podem funcionar como espigões hídricos retentores de areia.

Espécies vegetais e animais dos ecossistemas situados na retaguarda das restingas as colonizam e as tornam férteis. Embora o substrato arenoso seja mais poroso que o argiloso, formam-se também lagoas nas restingas, constituindo-se em excelentes ambientes para moluscos, crustáceos, peixes, répteis, aves e mamíferos. Poderiam esses ambientes arenosos, fornecer recursos alimentares de forma suficiente para manter habitantes humanos neles? Tudo depende do sistema econômico e da relação população-ambiente. Numa economia de subsistência e até mesmo de mercado ecologicamente sustentável, uma restinga fornece recursos suficientes para uma vida confortável. Os povos pioneiros da planície aluvial do rio Paraíba do Sul colonizaram a restinga e encontravam nela o necessário para sua existência.   As restingas são excelentes ambientes para o crescimento de frutas, como pitanga, ingá, bacupari, bajiru, bapuana, caju, cambuim, araçá, cardo, guapeba, murici, tucum e outras mais, como mostraram Viviane Stern da Fonseca-Kruel1, Ariane Luna Peixoto1, Cyl Farney Catarino de Sá, Dorothy Sue Dunn de Araujo, Wilson Luiz da Silva e Alexis Jose Ferreira no trabalho “Plantas úteis da restinga: o saber dos pescadores artesanais de Arraial do Cabo, Rio de Janeiro (Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2006).Cada restinga tem sua particularidade. Outros vegetais comestíveis existem além dessas nas restingas do Brasil.

Deve-se considerar ainda as plantas alimentícias não-convencionais que se desenvolvem em quase todos os ambientes da Terra. Pelo trabalho de  Patrícia Lima Caldas, pode-se aquilatar o potencial das restinga no desenvolvimento dessas plantas que passam despercebidas até mesmo para os habitantes desse mundo arenoso. A autora chama a atenção para as plantas usadas na Vila de Algodões, uma comunidade na península de Maraú/BA, com destaque para as Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs). O estudo mostra dez plantas alimentícias não-convencionais usadas na alimentação local pertencentes às Amaranthaceae, Anacardiaceae, Apiaceae, Araceae, Asteraceae, Basellaceae, Cactaceae, Malvaceae, Portulacaceae. Elas são utilizadas como hortaliças, frutíferas, florífera e condimento (Pantas alimentícias não-convencionais da restinga: ocorrência e uso no município de Maraú, Bahia, Brasil (Escola Superiosr de Conservação Ambiental e  Sustentabilidade, 2018). Os moradores das restingas recorrem a essas plantas antes que pesquisadores venham testando outras.

Cambuim, fruta de restinga

Costão rochoso é outro ecossistema do bioma costeiro. Trata-se de afloramentos rochosos que podem se apresentar na forma de paredões verticais acima e abaixo do nível da água Podem ser também rochas fragmentadas de pequena inclinação com graus variados de exposição às ondas e ao nível das marés. As espécies que vivem neles são marinhas. Eles se estendem do norte do Rio Grande do Sul ao Maranhão, concentrando mais na região Sudeste. Com o recuo do mar, a partir de 5000 anos passados, ocorreram afloramentos pedregosos e não planícies. Trata-se de esplêndido local para a fixação de organismos marinhos. Neles, a biodiversidade é elevada. Devido à energia oceânica, as espécies precisam fixar-se com firmeza na pedra. Algas, mexilhões, cracas, anêmonas-do-mar são os mais encontrados. Os caramujos precisam de base (pés) plana e grande para se fixarem à superfície ou “pés” com ventosas, como estrelas, pepinos e ouriços-do-mar. 

Além dos organismos fixos, ocorrem também espécies de vida, como as baratas-da-praia, os caranguejos, os camarões, as lesmas-do-mar e diversas espécies de peixes. Até mesmo tartarugas marinhas. Portanto, os costões rochosos são um verdadeiro restaurante para animais marinhos, alados e para o próprio humano.

Perfil de um costão rochoso

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