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Arthur Soffiati |

Existe quase unanimidade nos relatos de europeus sobre a baía da Guanabara no século XVI. Primeiramente confundida com um caudaloso rio, descobriu-se que se tratava de uma grande baía, batizada de Rio de Janeiro. Há entre ela e o rio Tejo uma ligeira semelhança. A baía da Guanabara tem uma entrada estreita e elevada. O Tejo desemboca numa reentrância do litoral, comum na península Ibérica. Chamam-na de ria. Essa reentrância não é o rio, mas os portugueses consideram-na o estuário do maior rio Europeu, hoje em franco processo de declínio. Nessa ria, ancoravam caravelas vindas de longas viagens e partindo também para grandes viagens nos século XV e XVI.

Se a baía do Rio de Janeiro não é um rio, muitos pequenos rios desembocam nela. Quando da chegada dos europeus, todos esses rios corriam cercados pela Mata Atlântica. Suas águas eram límpidas e piscosas. Na foz dos que chegam à baía da Guanabara, formam-se estuários, ou seja, ambiente aquático em que a água doce do rio se mistura com a água salgada do mar e se transforma em salobra. Trata-se de ambiente ideal, na zona intertropical, para o desenvolvimento do ecossistema manguezal, com suas plantas mais navegantes que os europeus.

Levantamentos atuais, como os de Elmo da Silva Amador (Baía de Guanabara: ocupação histórica e avaliação ambiental. Rio de Janeiro: Interciência, 1969) e de Victor Coelho (Baía de Guanabara – uma história de agressão ambiental. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2007), relacionam os rios que desembocam na baía. Dentre eles, da direita para a esquerda (de Niterói para o Rio de Janeiro), Bomba, Imboaçu, Alcântara, Guaxindiba, Guará Mirim, Guapimirim, Roncador, Iriri, Suruí, Estrela, Inhomirim, Iguaçu, São João de Meriti, Irajá, Faria e Carioca. Os mais destacados são Iguaçu, Caceribu, Macacu, Guapimirim, Estrela, Sarapuí e Meriti porque contribuem mais para a drenagem. A lista não é exaustiva nem inclui os afluentes, que são muitos. Todos apresentam pequena extensão e vazão. Alguns foram batizados com nomes portugueses, mas, originalmente, tinham nomes tupis, pois os povos nativos eram pródigos em nomear rios, plantas e animais. 

Principais rios que desembocam na baía da Guanabara

Alguns registros de naturalistas estrangeiros que visitaram o Brasil no século XIX mostram uma natureza bem distinta da atual nas vertentes da baía da Guanabara, embora a marca ocidental já avançasse. O príncipe alemão Maximiliano de Wied-Neuwied anota, em 1815: “Passando pela aldeia de S. Gonçalo, que possui uma igrejinha, chegamos ao entardecer ao rio Guajindiba, onde paramos perto de um estalagem solitária, ou ‘venda’, como é chamada no Brasil […] O Guajindiba é um riacho que serpeia, num gracioso leito de areia, entre densas matarias.” (Viagem ao Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia, Edusp, 1989).

Excursionando pela baía de Guanabara e seus afluentes, em 1816, John Luccock tomou vários apontamentos sobre manguezais: “O rio que a seguir encontramos em nossa rota foi o Iriri (palavra que significa conchas), de cem jardas de largura na foz e mais piscoso do que é comum acontecer. Sua margem direita é, por alguma extensão, baixa, chata e lamacenta, consistindo de solo apropriado ao crescimento do mangue (…) Logo em seguida a esse ponto, encontram-se alguns terrenos alcantilados, mas a pequena distância mais avante, o rio abre seu caminho por entre atoleiros pestilentos, cobertos de mangue, e parece que por vezes corre com violência (…) De cima da tolda da nossa lancha podíamos avistar, para além do mangue, a ampla vela de um saveiro e as telhas de uma casinhola, a cerca de quatrocentas jardas de distância (…). Em direção ao rio Magé, a costa baixa é cortada de taboa e mangue, o rio é amplo, embora somente navegável com maré alta. (Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975). 

Em 1818, passou pela área o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que registrou a presença de manguezais na baía da Guanabara. Partindo da Praia Grande (Niterói), ele anotou: “As águas do mar banham ligeiramente o terreno que atravessei ao deixar a casa; esse terreno é coberto de pequenos mangues e nele se vê uma quantidade considerável de caranguejo, fazendo buracos no barro […] A uma légua do Arraial de S. Gonçalo, parei em uma venda construída próximo ao rio Guaxindiba, chamado também rio de Alcântara, um dos afluentes da Baía do Rio de Janeiro. Esse rio tem pouca largura e seu curso é de menos de 3 léguas. Dizem que é muito piscoso e que caranguejos que por ele sobem tornam-se maiores que os que permanecem nas águas do mar.” (Viagem pelo Distrito de Diamantes e litoral do Brasil. Belo Horizonte: São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1974).

Johann Moritz Rugendas, pintor alemão, viveu no Brasil em duas temporadas. A primeira de 1822 a 1831. A segunda nos anos de 1845-46. Ele é autor de uma gravura sobre a foz do rio Inhomirim, mostrando vegetação de manguezal (Viagem pitoresca através do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1979).

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Manguezal na foz do rio Inhomirim, baía da Guanabara. João Maurício Rugendas

Também o alemão Hermann Burmeister deixou o registro de sua passagem em 1850: “Ao entrar no rio Macacu, os arbustos de mangue (Rhizophora mangle L.) aproximam-se de ambos os lados, cada vez mais, e a água tornas-se francamente castanha, mas clara, assim como um café bem fraco. Dizem que estas águas são nocivas ao homem, especialmente aos estrangeiros, não só quando ingerida, mas mesmo as suas exalações, sendo aconselhável afastar-se delas. Os estrangeiros que permanecem por algum tempo em regiões tão baixas, onde há destas águas, provenientes, com toda a evidência, de detritos vegetais em decomposição, são atacados de malária e febre intermitente, que assumem aspecto tifoide. Nessa região é conhecida a doença por ‘febre de Macacu’. Quando entramos no estuário do rio, a maré estava alta e por isso não se podia ver bem os mangues com suas raízes típicas; a água atingia a folhagem dos arbustos e quem não os conhecesse poderia confundi-los com salgueiros de folhagem cerrada como a da Salix caprea. Visto que somente nos lugares onde a água do mar se mistura à do rio é que eles abundam, na medida que se sobe o rio e a água se torna mais doce, os mangues cedem lugar ao junco comum, que forma uma faixa nas margens do rio, separando-o da floresta, que corre atrás.” (Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980).

Com os rios Guapimirim e Guapi, o Macacu forma o maior rio a desembocar na baía da Guanabara. Ainda reinava, no tempo de Burmeister, a crença de que muitas doenças decorriam de miasmas, estigma que rondou o manguezal por muito tempo. O cheiro forte do manguezal deriva de matéria orgânica vegetal decomposta, sem risco nenhum para a saúde. No mais, as observações do naturalista são bastante pertinentes. Sobretudo acerca do manguezal como sistema de estuário intertropical.  

A bela paisagem da baía começou a ser modificada já no século XVI, mas continuou encantadora por quatro séculos. Na década de 1930, Armando de Magalhães Corrêa (Águas cariocas: a Guanabara como natureza. Rio de Janeiro: Outras Letras, 2016) ainda escreve sobre ela, desenhando sua beleza e já apontando para os riscos que a rondavam. A agricultura e a pecuária foram subindo as encostas e suprimindo as florestas. A urbanização foi avançando. A partir da década de 1940, o extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) foi canalizando seus pequenos rios e abrindo canais de drenagem. A urbanização foi poluindo os rios. Toda a orla da baía da Guanabara sofreu grande adensamento populacional, sobretudo por pessoas de baixa renda vivendo na periferia do Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo, Caxias, Nova Iguaçu e outras cidades mais.

Em vermelho, obras de drenagem efetuadas pelo DNOS

A baía da Guanabara ainda conta com a maior área de manguezal do estado do Rio de Janeiro, mas ela sofre grande pressão urbana e industrial. A poluição por efluentes líquidos e material sólido se expande. Mesmo assim, o manguezal resiste em meio a plantas invasoras, lixo e casas pobres. Principalmente, ele foi encurralado por ruas, avenidas e rodovias. Poucos viajantes notam que o mangue resiste em ambiente hostil. Passam pelos riachos, outrora belos, e nada notam.

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Exemplar sadio de mangue branco

  Tomado como limite entre Niterói e São Gonçalo, o pequenino rio Bomba, com apenas 3,5 km de extensão, foi completamente desfigurado. No entanto, o manguezal resiste em seu baixo curso. O mais surpreendente é encontrar, entre as duas pistas da rodovia, um sadio exemplar de mangue branco (Laguncularia racemosa) que cresceu numa das margens do pequenino rio e encontrou uma brecha na estreita ponte. Ele se mostra ao viajante de forma bizarra, no meio da rodovia, como se tivesse nascido no asfalto. Pena não poder ser fotografado com tantos veículos em sua volta. Para o viajante atento, é uma forte demonstração de resiliência da natureza. Basta permitir minimamente o retorno dos manguezais que eles vicejam em todo seu esplendor novamente. Tomara que eu dia ele retome o espaço que ocupou no passado.

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