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Guerra global

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Arthur Soffiati |

A humanidade atravessou duas guerras mundiais, embora existam historiadores afirmando que as guerras envolvendo o mundo começaram no século XVIII. Guerras entre países europeus com reflexos nas suas colônias. Elas foram se tornando mais sangrentas com o desenvolvimento da tecnologia.

Hoje, estamos considerando também guerras da humanidade contra a natureza com reação desta segunda. Esta noção levou historiadores ambientais a detectarem guerras da humanidade contra a natureza com reação desta nas civilizações índica, grega, maia, da ilha de Páscoa e no Camboja, pelo menos. Foram guerras locais com reações também locais. A natureza sempre venceu, embora parecesse ter perdido. O desmatamento, a exploração da água, a erosão, as doenças contagiosas foram as principais consequências, com o declínio das civilizações. Nenhuma guerra teve longo alcance. Uma vez cessada, geralmente com a derrota das sociedades, a natureza voltou a se recuperar, exceto em alguns casos, como no vale do rio Indo e na ilha de Páscoa.

Com o início da economia de mercado, na Europa do século XI, uma nova guerra contra a natureza começou a se intensificar, tornando-se mais destrutiva desde então. No século XV, ela foi levada a outros continentes além da Europa. Novos campos de batalha foram constituídos, como na África, na Ásia e na América. Ela ganhou novo fôlego com a revolução industrial. A concepção que animou esta guerra ainda é triunfalista: “estamos civilizando esse ambiente ao derrubar florestas, domesticar rios, abater animais selvagens, cultivar campos, erigir cidades e construir fábricas”. Mas a natureza vinha reagindo de modo silencioso até que a reação se tornasse eloquente na década de 1970. Algumas mentes esclarecidas sustentaram que estávamos numa guerra diferente da guerra da Ucrânia, por exemplo. Não era mais um país guerreando outro, mas a humanidade e a natureza em conflito, com a vitória progressiva da segunda.

Poucos acreditaram nessa reação inconsciente da natureza. A maioria das pessoas ainda não acredita nela ou não se interessa por ela, quando muito mostrando que reconhece a existência do conflito. E as bombas e os estragos não são localizados, como numa guerra convencional. O grande medo da Rússia é detonar um míssil num país além da Ucrânia e provocar uma nova guerra mundial com a entrada da OTAN. A natureza é cega: ela bombardeia a Terra em todos os mares e continentes. Bombas são atiradas nas florestas do Canadá, numa ilha do arquipélago do Havaí, no Caribe, na costa sul dos Estados Unidos, na Califórnia, no sul da Europa, na África, no interior da Ásia, na costa oeste do Pacífico, na América do Sul, nas ilhas, nos oceanos, nos mares, em todos os lugares do planeta. Só os órgãos de imprensa especializados nos informam a respeito desses bombardeios. 

Não considerarei o terremoto que recentemente arrasou a região de Marraquesh, no Marrocos, porque terremotos ainda não são produzidos pela ação coletiva da humanidade. Chamo a atenção para o arrasador míssil que destruiu a cidade de Derna e arredores, no norte da Líbia. Os estudiosos batizaram esse míssil com o nome de Daniel. Ele passou pela Grécia, Turquia e Bulgária, deixando destruição em seu trajeto, mas caiu no norte da Líbia invadindo o uádi Darnah. Um uádi é um rio com leito seco que apresenta fluxo em tempos de chuva. Os mouros consideraram os rios Guadiana, Guadalquivir, Guadalete e Guadalfeo, na Península Ibérica, como uádis. Vaticínio correto, pois os rios do sul da Europa estão secando. A orla europeia do Mediterrâneo está se tronando uma extensão do deserto do Saara.

Tempestade no Uádi Darnah

Deve-se considerar que estamos nos defendendo dessa guerra com armas antigas e ineficientes. O clima se transformou pela ação humana coletiva e desenvolveu armas mais modernas. Conhecemos chuvas, secas, ventos e incêndios desde os primórdios do Holoceno. Até mais recuadamente, desde que os ancestrais do ser humano atual se constituíram. Houve momentos mais críticos para o planeta Terra, mas nós não existíamos. Se existíamos, a população era menor.

Agora, temos rios desprotegidos e barrados com artefatos concebidos no tempo em que destruíamos a natureza com denodo triunfalista. As cidades se instalaram junto a margens fluviais. Estávamos acostumados a tempestades previsíveis ou regulares. Tudo mudou. As desigualdades sociais levaram as cidades a invadirem áreas de risco. No caso de Derna, a tempestade Daniel invadiu as ruas da cidade de um país dividido politicamente depois da queda do ditador Muamar Gadafi em 2011. O centro urbano portuário não estava preparado para uma tempestade incomum. Casas ruíram e foram arrastadas, uma represa se rompeu, pessoas morreram na enchente. O número de mortos é espantoso, mas as informações ainda são muito desencontradas.

Mais uma vez, concluímos que mexemos com quem estava quieto. Agora, o clima foi transformado. Ficou agressivo e o mundo que construímos não está preparado para enfrenta-lo.

Uádi Darnah, eixo da destruição de Derna

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