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Natureza e alimentos: ilhas costeiras

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Arthur Soffiati |

A fragmentação dos grandes continentes de Pangeia, Laurásia e Gondwana deu origem a ilhas pequenas e grandes, como aquelas que dariam suporte às colônias da Austrália e da Nova Zelândia, hoje proclamados Estados Nacionais. Nos últimos cinco mil anos, o recuo do mar, pelo menos no hemisfério sul, deu origem a ilhas costeiras, aquelas próximas da linha de costa. O Brasil conta, oficialmente em seu território, com ilhas antigas, como Fernando de Noronha, Trindade e Martin Vaz. Uma imagem área do oceano Atlântico mostra resquícios submersos da ligação da África e América. Os fragmentos aflorados formam as ilhas oceânicas, como Santa Helena, Assunção e Tristão da Cunha.

Haveria suporte, nessas ilhas distantes, para o assentamento de populações humanas? Em sua maioria, sim. Basta verificar se elas eram povoadas antes que a expansão da Europa as alcançasse. Os habitantes da ilha de Páscoa eram polinésios, povo navegador que desenvolveu alta cultura. Ao chegar à ilha de Páscoa, parte desse povo se  tornou sedentário e desenvolveu um modo de vida que não deixou de recorrer ao mar como fonte de alimento. A Austrália e a Nova Zelândia contam com grandes territórios, nos quais desenvolveram-se pujantes floras e faunas que sustentaram povos colonizadores pré-europeus. Portanto, é preciso pesquisa para se conhecer a capacidade de suporte de cada ilha distantes de continentes (que não deixam de ser grandes ilhas também) para manter populações humanas. 

As ilhas costeiras se formaram em idade geológica recente. Elas faziam parte dos continentes mas foram afogadas com o avanço do mar após o fim da última glaciação até 5 mil anos antes do presente, mas ou menos. Com o recuo do mar (regressão marinha), elas se constituíram e se estabilizaram, entendendo-se sempre como provisório esse estado de estabilização, ainda mais atualmente, com a elevação antrópica do nível do mar. Existem muitas ilhas costeiras como as de Santa Catarina, de São Luís e de Marajó, todas elas com capacidade de sustentar populações humanas até mesmo sem recurso ao continente.

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Arquipélago de Santana

Os exemplos são muitos, mas tomarei apenas um: a ilha maior do arquipélago de Santana, em frente à foz do rio Macaé, no estado do Rio de Janeiro. A escolha se deve a dois motivos: 1- ela foi bastante estudado pela arqueologia e 2- vivo perto delas e as conheço suficientemente bem para usá-las como exemplo para a capacidade de uma ilha costeira sustentar uma população humana.

O grupo que habitou a ilha maior do arquipélago, no século XI da era cristã, vivia da coleta, da pesca e da caça, desconhecendo a agricultura. Tania Andrade Lima e Regina Coeli Pinheiro da Silva estudaram esse grupo e publicaram os resultados desse estudo em “Zoo-arqueologia: alguns resultados para a pré-história da Ilha de Santana”. (Revista de Arqueologia 2 (2). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, jul/dez de 1984). A ilha de Santana é a maior do arquipélago de mesmo nome e se situa diante da foz do rio Macaé. No continente, os ecossistemas eram pródigos em vegetais e animais, o que permitiu uma alimentação baseada na coleta, na pesca e na caça para os grupos que viveram em terra firme. Essa abundância inibiu a agricultura e permitiu o sedentarismo. Estamos habituados a relacionar nomadismo com coleta, pesca e caça, assim como sedentarismo com agricultura e pastoreio. A associação pode valer para o velho mundo, mas não para a América. Os conceitos de paleolítico e neolítico não podem ser transpostos para o novo mundo sem o risco de erro no entendimento.

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Siri em desenho de Frei Cristóvão de Lisboa. História dos animais e árvores do Maranhão (1652)

Esse povo pescava com processos rudimentares, usando as mãos, capturando peixes que ficavam aprisionados em locas de pedra quando a maré baixava e talvez com alguma forma bastante rudimentar de anzol feito de espinho. A diversidade de espécies era grande. As pesquisadoras encontraram ossos de cação-martelo, raia-chita ou pintada, bagre-bandeira, garoupa, mero, cherne, badejo, anchova, xaréu, peixe-galo, cocoroca, sargo-de-dente, marimbá, corvina, enxada, cangulo e até baiacu. Entre os répteis, o teiú e a tartaruga marinha eram os prediletos dos habitantes da ilha. Aves como a procelária, o atobá, o alcatraz, a saracura, o trinta-réis e a juriti eram consumidas, assim como seus ovos. As pesquisas encontraram ossos de preá, paca, bugio, lontra, veado e porco-do-mato.

Baiacu segundo o naturalista holandês Guilherme Piso, século XVII

Ossos de alguns animais demonstram que havia incursões a áreas continentais, mas eram raras. Talvez houvesse, por parte dos habitantes da ilha, o temor dos nativos do continente. Assim, a ilha maior do arquipélago de Santana sustentou um grupo paleolítico por cerca de um século, permitindo que ele desenvolvesse um modo de vida sedentário como aqueles povos que, na Ásia e na Europa, desenvolveram a agricultura e o pastoreio. Esse povo não deixou rastros quanto ao seu desaparecimento, como aconteceu com os fabricantes de machado da Ilha Grande, no sul fluminense, estudados por Maria Cristina Tenório em artigo incluído no livro “Pré-história da Terra Brasilis”, organizado pela própria autora (Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1999). Os resultados dessa segunda pesquisa mereceriam comentários sobre outro caso de ilha sustentando uma população apenas com o extrativismo.

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