Um estudo recente, publicado pelo Instituto Escolhas, mostra que a mais grave pandemia global dos últimos cem anos nem chegou perto de arranhar o ritmo da corrida pelo ouro, sobretudo na Amazônia.
Apenas nos quatro primeiros meses do ano, 29 toneladas foram oficialmente extraídas no Brasil, mesmo com a pandemia de covid-19 em curso desde março. Isso já é um terço do que foi extraído, de acordo com os registros oficiais, nos dois anos anteriores somados: 85 toneladas no total. Com a alta mundial na cotação do metal, o valor das exportações cresceu 15% em relação ao mesmo período do ano passado.
De acordo com o valor do imposto recolhido, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), quatro dos dez municípios que mais produziram ouro no Brasil em 2019 ficam em estados diferentes da Amazônia: Itaituba, no Pará; Godofredo Viana, no Maranhão; Pedra Branca do Amapari, no Amapá; e Peixoto de Azevedo, no Mato Grosso.
Essas quatro cidades contam uma história interessante sobre como o ouro ameaça comunidades inteiras, diversos povos indígenas e dezenas de unidades de conservação. Em Itaituba, no Médio Tapajós, maior região garimpeira do país, lavras estão cravadas irregularmente dentro de áreas protegidas e terras indígenas. De acordo com a CFEM recolhida, Itaituba está em segundo lugar no ranking da Agência Nacional de Mineração (ANM) dos municípios que mais produziram ouro no Brasil.
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Uma estimativa do Ministério Público Federal diz que 1 kg de ouro representa cerca de R$ 1,7 milhão em dano ambiental. Segundo Ana Carolina Bragança, procuradora federal no Amazonas, o ouro extraído ilegalmente na Amazônia está no mercado lícito, circulando na economia – quem paga os danos é a sociedade, e a Justiça não dá conta da complexidade da situação.
“A Constituição diz expressamente que deve haver reparação dos danos causados pelo garimpo. E garantir isso passa por um licenciamento ambiental sério. É preciso questionar até se o garimpo é economicamente viável diante do dano que causa”, afirma a procuradora.
Como boa parte do ouro extraído no Brasil é ilegal, os números disponíveis não mostram toda a realidade. Uma operação do MPF, por exemplo, revelou que 610 quilos de ouro ilegal foram negociados por uma única operadora entre 2015 e 2018 em Santarém, no Pará, causando um prejuízo de R$ 70 milhões à União.
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Mineração tem grande impacto ambiental
Os Munduruku, principal povo indígena do Médio e Alto Tapajós, convivem há décadas com a pressão do garimpo. Dez pessoas da etnia já morreram de covid-19, entre elas o cacique Vicente Saw Munduruku, uma importante liderança. A estimativa é de que 60 mil garimpeiros trabalhem em Itaituba, que é o 13o maior município do país, com 62 mil km² de área.
Outro dado dá uma dimensão da tragédia. Em 2019, de acordo com o Ibama, o desmatamento ilegal causado pelo garimpo bateu recorde: 10,5 mil hectares de floresta vieram abaixo, um aumento de 23% em relação ao ano anterior. Novamente, a região mais afetada foi a do Tapajós.
Enquanto isso, a covid-19 já matou mais de 60 mil pessoas, deixando o Brasil como o segundo país do mundo com mais mortes registradas. Em toda a Amazônia, os povos indígenas estão entre os mais suscetíveis à doença.
No fim de março, após reportagens mostrarem aglomeração de trabalhadores em grandes mineradoras, impactando cidades que vivem em função disso, as empresas se reuniram para pressionar o governo federal a tornar a mineração atividade essencial – e conseguiram. Desde então, a situação da pandemia piorou muito.
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Mercado comemora, floresta paga a conta
Em cinco anos, a cotação da onça-troy de ouro subiu mais de 46%. O preço atual oscila na casa dos US$ 1.730. Em Godofredo Viana (MA), sexta cidade no ranking da Agência Nacional de Mineração, a extração hoje é controlada pela empresa canadense Equinox Gold, uma das 20 maiores mineradoras de ouro do mundo. A mina de Aurizona produz até 130 mil onças de ouro por ano; 4 mil pessoas vivem em uma comunidade ao lado da mina.
Segundo o pesquisador Tadzio Coelho, professor da Universidade Federal de Viçosa (MG), que conduziu um projeto em Godofredo Viana, a situação da cidade reproduz o modelo de dependência mineral visto em outros lugares.
A população convive com problemas respiratórios e alérgicos causados pela mineração. A poluição sonora é grande e há o risco de rompimento de uma barragem próxima. A comunidade não é ouvida em nenhuma instância de decisão, assim como o poder público, que se torna refém da mineradora. “O processo de consulta e decisão leva em conta os interesses da empresa. As demandas locais, principalmente da comunidade, são ignoradas”, diz Coelho.
No Amapá, em Pedra Branca do Amapari, oitava no ranking da ANM, a exploração de ouro também é operada por uma multinacional, a canadense Great Panther Mining, que adquiriu a Mina Tucano em 2018 da australiana Beadell. A mina produz cerca de 145 mil onças de ouro por ano.
Com a massiva presença de garimpeiros e de outras multinacionais que exploram minério de ferro, como a inglesa Zamin, e requerimentos na ANM para explorar ouro pela inglesa Anglo American, a Terra Indígena Wajãpi tem boa parte da sua área dentro do município de Pedra Branca.
Em julho de 2019, cerca de 50 garimpeiros invadiram a TI e mataram a facadas uma importante liderança da região, Emyra Wajãpi. O Conselho das Aldeias Wajãpi denunciou a situação, mas invasões e ameaças se tornaram frequentes durante o governo Jair Bolsonaro. As reservas minerais da TI Wajãpi, que incluem ouro, ferro, tântalo, nióbio, cassiterita e manganês, são alvo de grande interesse internacional.
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Já em Peixoto de Azevedo (MT), o garimpo destruiu completamente o rio de mesmo nome, área habitada pelo povo indígena isolado Panará. O cenário de terra arrasada e exploração ilegal persiste até os dias atuais, mesmo com a criação de uma reserva garimpeira com licença para operar.
A busca pelo ouro na Amazônia é impulsionada atualmente por dois fortes motivos: o aumento da demanda – o metal é considerado um ativo seguro em tempos de crise econômica – e uma conjuntura política favorável ao garimpo. Mas essa nova corrida é um movimento de risco, diz o relatório do Instituto Escolhas. “Risco para a transparência da origem do ouro e, sobretudo, para as áreas protegidas da Amazônia, sejam elas terras indígenas ou unidades de conservação”, alerta o estudo.
Maurício Angelo | Jornalista da Mongabay
Texto Original do Site do Mongabay
brasil.mongabay.com/2020/07/em-plena-pandemia-extracao-de-ouro-aumenta-na-amazonia/