Marina Bhering || Jornalista da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA)
O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo e sua legislação é uma das mais flexíveis quanto ao uso de substâncias químicas na agricultura. Neste ano, 169 novos produtos foram registrados apenas nos cinco primeiros meses. Contando com outras 28 substâncias – cujos registros foram concedidos em 2018, mas oficializados somente em 2019 – o número de agrotóxicos autorizados chega a quase 200.
Segundo o Ministério da Agricultura, responsável pelos registros, a maior parte das sustâncias liberadas já era empregada nas lavouras, visto que são cópias de princípios ativos permitidos no Brasil. Dos 31 produtos autorizados em maio, 29 são reproduções de substâncias legalizadas, sendo três equivalentes ao glifosato. O composto, além de ser considerado cancerígeno, é associado à mortandade de peixes nativos da Colômbia. Os outros dois produtos registrados – Compass e Troia – apesar de não serem cópias, têm como base químicos já liberados no país.
O único produto licenciado cujo princípio ativo ainda não era legalizado é o sufaxaflor, aprovado no “apagar das luzes” de 2018. Devido à sua periculosidade às abelhas, ele foi proibido em algumas culturas nos Estados Unidos e seu uso é coberto de ressalvas. Em terras brasileiras, ele é indicado para cultivos de batata, morango, nozes e outros alimentos, sem que o impacto aos polinizadores seja considerado.
A grosso modo, os pesticidas liberados são velhos conhecidos dos agricultores. Entretanto, há perigos encobertos nos mais recentes registros, como a aplicação dessas substâncias em novas culturas, incluindo a de alimentos. Além disso, a liberação de outros produtos abre brechas para diferentes combinações químicas. É o chamado efeito coquetel, no qual a possibilidade de interação entre as substâncias pode gerar efeitos desconhecidos.
Em vez de as avaliações se tornarem mais criteriosas e as substâncias permitidas serem reavaliadas quanto à sua toxidade, como têm ocorrido em muitos países, a cada dia é colocado mais veneno no prato dos brasileiros. Dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) indicam que a agricultura brasileira usou mais de 539 mil toneladas de pesticidas em 2017.
No ano passado, 450 agrotóxicos foram validados. A tendência de crescimento é observada desde 2016, quando o número de pesticidas autorizados dobrou em relação a 2015. Em 2017, o mesmo aconteceu: foram autorizadas 405 substâncias, contra 277 do ano anterior. Ambientalistas temem que 2019 registre novo recorde, visto que o número de agrotóxicos aprovados até Maio corresponde a 43% do total de licenças concedidas em 2018.
Pesquisa realizada pelo Greenpeace em 2017, antes da liberação maciça de substâncias químicas e das brechas quanto à combinação de produtos, constatou que a maior parcela dos alimentos in natura consumidos pelos brasileiros está contaminada por agrotóxicos. Em amostras de pimentão-verde, por exemplo, foram encontrados sete resíduos diferentes de agroquímicos, parte deles proibida para o alimento. Entre as amostras de alimentos coletadas em comércios de Brasília e São Paulo, 60% continham resíduos de agrotóxicos e 36% tinham algum tipo de irregularidade, como a presença de compostos proibidos ou quantidades não permitidas.
Além dos efeitos nocivos à saúde humana, o uso de agrotóxicos pode causar impactos devastadores na natureza. De acordo com o Greenpeace, essas substâncias são a segunda maior causa de contaminação das águas do Brasil. Já foram identificados em peixes e em amostras de águas 27 tipos de agrotóxicos, muitas das vezes em quantidades acima do permitido. Entre os venenos liberados em Maio, dois têm como princípio ativo o fipronil e outro à base de tiametoxam, um tipo de neonicotinóide proibido na União Europeia. Ambos são considerados extremamente tóxicos aos insetos, sobretudo às abelhas, cuja vida e reprodução são prejudicadas pelos compostos.
Um compilado de 73 estudos científicos, divulgado no final de Janeiro deste ano, indicou que 41% das espécies de insetos sofrem com grave declínio populacional, com ameaça de desaparecerem nas próximas décadas devido ao uso intenso de agrotóxicos nos cultivos.
Estima-se que o desaparecimento das espécies começou no início do Século 20 e foi se agravando na mesma medida da popularização dos pesticidas. Nas últimas duas décadas, substâncias mais nocivas, como os neonicotinoides e os fipronils, começaram a serem usadas em larga escala, deixando um rastro de contaminação no ambiente.Outro estudo, realizado pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), do Rio Grande do Norte, também relacionou as substâncias ao extermínio de abelhas. Segundo a pesquisa, em apenas quatro anos 770 milhões de indivíduos morreram no Brasil devido à contaminação por neonicotinoides e fipronils. O número é baseado nas perdas contabilizadas por apenas uma parte dos apicultores, por isso, acredita-se que a quantidade de insetos mortos passe de 1,5 bilhão. A estimativa também não considera mortes de abelhas silvestres, fazendo com o número real de insetos mortos por agroquímicos seja incalculável.