Por Arthur Soffiati
Meu calendário informa que março é um mês privilegiado em datas relativas ao meio ambiente. O dia 1 foi dedicado ao turismo ecológico. O dia 3 coube à vida selvagem em nível mundial. O dia 16 é dedicado, no plano nacional, à conscientização sobre mudanças climáticas. No dia 21, o mundo inteiro deve dedicar-se a valorizar as florestas, enquanto que, no dia 22, a água é valorizada no plano mundial.
Atualmente, cada dia do ano tem um santo padroeiro na Igreja Católica Romana, enquanto que as causas justas merecem um dia especial. Quem se dedica a uma causa não tem dia especial. Todos os dias são especiais. Não lembrarei das águas naturais, da vegetação e da fauna nativas em determinados dias. Não escolherei uma data para limpar praias ou abraçar uma árvore ou um rio. Devo militar durante o ano todo para que as praias não sejam sujas; para que as árvores e os rios sejam protegidos.
Atualmente, sinto-me perplexo. Enquanto lutei arduamente na defesa de ecossistemas regionais, tive a ilusão de que a vitória seria alcançada por aqueles que defendem a vida, sem haver retrocessos. Além de perder a luta ou avançar muito pouco, fui percebendo que a questão ambiental abarca o mundo todo. Ela é resultado de uma economia que se globalizou. As mudanças climáticas antropogênicas manifestam-se em todo o planeta, assim como a destruição de ecossistemas e fauna nativos.

Não hesito em concluir que a questão ambiental é a mais grave e profunda de todas da atualidade. Mulheres, pobres, negros, indígenas de todos os continentes e todos os gêneros deviam integrar a luta em defesa do ambiente às suas lutas específicas. Também a natureza foi colonizada pelo modo ocidental de vida. Não apenas valores e dominação foram impostos ao mundo todo, mas o resultado dela: a crise ambiental. Crise que ameaça a própria economia que a provocou. Para alguns marxistas, seria necessário primeiro uma revolução socialista mundial porque uma revolução apenas num país ou em alguns países não resolveria.
Mas cabem algumas indagações: 1- que classe ou grupo social promoveria tal revolução? 2- Quanto tempo ela levaria para se tornar vitoriosa, estabilizar-se e combater a crise ambiental? 3- Nos países em que uma revolução socialista foi promovida, o ambiente natural foi bastante agredido. Refiro-me, aqui, à União Soviética e aos países do leste europeu. Refiro-me também à China, país que se intitula socialista e é o segundo emissor de gases que provocam o efeito-estufa.

Não sei qual será nosso futuro. Não sou vidente. Apenas lido com o passado e o presente, fazendo previsões possíveis e prováveis para o futuro. A partir da revolução industrial, houve aceleração no processo de destruição da biosfera (prefiro ecosfera). Essa aceleração se acentuou com o fim da Segunda Guerra Mundial e ganhou alta velocidade no presente. Por mais que governos, indústrias e intelectuais liberais tenham admitido que eles provocaram a crise ambiental e defendam a necessidade de adotar práticas sustentáveis, tais intenções ainda estão no plano do discurso, se é que sairão dele de forma a promover as mudanças necessárias. Sou cético quanto a tais mudanças. Acho que existe muito discurso bonito encobrindo práticas antigas.
Não se trata mais de começar a mudar tais práticas dentro do possível, mas dentro do necessário. Os cientistas já fizeram cálculos sobre o volume de mudanças necessárias para começar uma mudança verdadeira. Economia e política estão muito longe dessa arrancada. A própria esquerda e os movimentos progressistas continuam nos séculos XIX e XX. A vegetação nativa está escasseando progressivamente. Não penso apenas em florestas, com algum festejo no dia 21 de março. Penso em vegetação nativa. O desejo romântico dos naturalistas europeus do século XIX de conhecerem a Mata Atlântica e a Amazônia não cabe mais no mundo de hoje. A tarefa que se impõe é defender desertos, estepes, savanas, florestas, tundra, taiga em todo o planeta. Não sou ingênuo a ponto de reconstituir a extensão e a densidade dessas formações vegetais como elas se apresentavam no século XVI, mas recriando e protegendo amostras significativas e funcionais desses biomas.
Eles estão intimamente relacionados ao volume e à qualidade da água doce, que está sofrendo reduções drásticas no planeta. Alguns especialistas sustentam que as águas estão se acumulando no subsolo. Outros dizem que o aumento das temperaturas está promovendo um colossal processo de evaporação. Mas a água não pode desaparecer. Mais tempo na atmosfera, ela provoca secas. Precipitando-se em grandes proporções, elas provocam enchentes. Na terra, são monopolizadas pela agropecuária ou poluídas por efluentes líquidos, além de receberem grande volume de resíduos sólidos, como plástico, por exemplo.
Cabe pensar em florestas mesmo dentro de cidades, com a criação de áreas verdes e arborização de vias, com o uso de espécies nativas de cada bioma. Mas estamos muito longe de promover uma verdadeira reversão.
Quanto à conscientização com relação às mudanças climática no Brasil, recorro a leituras, a informações da imprensa e a conversas com pessoas. As três fontes mostram que estamos muito longe de alcançar tal conscientização. A maioria das pessoas crê (ou apenas) sente que o aumento das temperaturas, as chuvas arrasadoras ou as secas ingentes são naturais ou desejo de Deus. Não é a economia de mercado que as provoca. Se são atingidas por elas, apenas lamentam a sua sorte, criticam os governantes e esperam reconstruir as perdas no mesmo lugar. As próprias coberturas jornalísticas dos desastres ambientais enfatizam mais as desgraças, os casos curiosos (como cavalos, cachorros e gatos que que salvam) e as mobilizações para promover a caridade pública.

Nesses momentos, as autoridades governamentais locais declaram situação de emergência e calamidade pública. Aparecem autoridades estaduais e federais que anunciam a liberação de recursos. No ano seguinte, caso a calamidade se repita no mesmo local, constatamos que houve reconstrução em moldes anteriores ou que elas começaram mas pararam ou que os recursos financeiros sumiram. Tudo se assemelha aos dois burros amarrados à mesma corda e que puxam em direções diferentes sem saírem do lugar.
Naquela parte do mundo considerada desenvolvida – o norte global – os desastres não estão mais distinguindo pobres de ricos. Tomemos o caso dos incêndios que anualmente assolam a Califórnia e os furacões que avançam para o sul dos Estados Unidos pelo Golfo do México.
Enfim, parece que estamos num carro blindado de altíssima qualidade, mas do qual perdemos a chave e o freio está falhando. Conseguiremos freá-lo a tempo de evitarmos um choque de grandes proporções?