25 C
Rio de Janeiro
spot_img
spot_img

O Édem em fotografias

spot_imgspot_img

Mais lidas

eco21
eco21https://eco21.eco.br
Nossa missão é semear informação ambiental de qualidade.

* Por Samyra Crespo

Fui ao CCBB, no Rio, ver a mostra de fotografias de nações indígenas da Amazônia do fotógrafo ativista japonês Hiromi Nakagura. A curadoria é de Ailton Krenak que o acompanhou em diversas viagens à região.

O acervo já tem 30 anos. As fotos são dos anos 80/90.

Portanto, a atmosfera é nostálgica. Fala-se do passado.

Talvez quase nada do que vemos ali ainda exista.

Talvez boa parte resista.

Afinal, acreditar na resiliência é importante para se seguir em frente.

Acreditar que uma certa visão ‘edênica’ das culturas dos povos originários do Brasil vá perdurar também é uma possibilidade.

A despeito da brutalidade com que as coisas acontecem na Amazônia na atualidade.

Num depoimento confessional gravado com ambos, Nakagura e Krenak, ouvimos suas apreciações sobre a amizade que os uniu e sobre valores/princípios que defendem.

Comparando, esteticamente, as mostras fotográficas sobre a cultura indígena amazônica que conheço, de autoria de Sebastião Salgado, Andujar (com belíssimo acervo em Inhotim) e Nakagura, não há dúvida de que a visão do ‘bom selvagem’ e edênica estão presentes. Em todos eles.

Povo Yanomami – Aldeia Demini – Watoriki. Foto por Hiromi Nagakura

Artisticamente falando, gosto mais dos registros de Sebastião Salgado.

Mas o que quero expressar não é bem o meu gosto pessoal, mas a preocupação com a persistência dessa ‘visão do paraíso ‘, um paraíso perdido, ou implacavelnente ameaçado, ou pior, em vias de extinção.

O que se ‘bebe’ nesse tipo de Mostra é um elixir emocional que nos remete ao passado e não ao presente.

Faço essa crítica com uma extrema preocupação, dado que a realidade hoje – bruta como disse, é a de ataque e expropriação das condições objetivas de vida das comunidades indígenas.

Quase a metade da população do País, a que votou em Bolsonaro, sabia que a vida dos indígenas iria piorar muito.

Atraso versus progresso ainda é a chave que move o país.

Assim, nesse mundo de celulares, vacinas, utilitários ‘4 X 4’, ajudas emergenciais, necessidade de representações políticas e de engajamento na luta desses povos por terra e soberania, penso que os temas são outros.

O apelo dos ‘povos isolados’ não funciona.

Nem o do ‘último rinoceronte branco’ sobre a Terra.

Nossa pena se esfarela em miríades de pequenos fragmentos: tem o drama dos refugiados, dos famintos em Gaza, das ararinhas contrabandeadas, dos yanonamis desnutridos, tudo dá uma pena danada.

E no dia seguinte, novas penas, novos dramas.

Estes outros temas a que me refiro, não são diferentes daqueles das comunidades outras que vivem na pobreza e na privação de direitos, seja na periferia das cidades ou nos grotões rurais, tais como: necessidades de atendimento à segurança alimentar, à saúde, à segurança física e à oportunidade econômica de educar-se e prosperar.

Diante da incapacidade sistêmica de protegermos as reservas indígenas (estado e sociedade civil), estou bastante desiludida com a tutela que imaginamos exercer sobre nossos irmãos herdeiros ou descendentes dos povos originários.

Não vejo no horizonte um modo viável em que possam manter hábitos e comportamentos autônomos. O assédio é inclemente.

Acho que há um tremendo erro de origem nesse nosso modo de olhar para a questão indígena como o fazemos hoje em dia.

No simbólico andamos bem? Pedindo perdão pelas injustiças, reconhecendo o legado dos massacrados, extintos… oferecendo o fardão da ‘panelinha’ elitista da ABL a um legítimo pensador indígena?

No plano real, pisamos nos mesmos rastros de sertanistas, em crenças presunçosas ou bem intencionadas de antropólogos, em missionários religiosos e não-religiosos. Ancoramos nosso pesar ou indignação numa mídia engajada que nunca pós os pés num igarapé ou maloca.

E se pôs ficou encantado.

Tsirotsi Ashaninka. Foto de Hiromi Nagakura

Ao sair da mostra do CCBB fui à loja onde artesanato indígena estava à venda: pulseirinhas, bugigangas e cestaria… Há décadas as mesmas coisas, agora as penas são de plástico para poupar os pássaros…

Muitos livros com capas bonitas à venda: só dois de indígenas: Davi Kopenawa e Ailton Krenak.

Eles são porta vozes da filosofia do ‘Pisar suavemente sobre a Terra’, e só ouvimos os estrondos de bombas, o rugir de terremotos, o medo estalando em eventos catastróficos, a água das enchentes cobrindo o nariz.

As fotos dos anos 90′ aludem a um tempo otimista que se foi.

Estamos prontos para enfrentar a desilusão?

O que ela tem a nos ensinar?

Sobre a exposição: Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak

De 28 de fevereiro a 27 de maio de 2024

Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro  

Endereço: Rua Primeiro de Março, 66 – 1º andar – Centro – Rio de Janeiro – RJ

Informações: (21) 3808.2020 | ccbbrio@bb.com.br

Funcionamento: De quarta a segunda, das 9h às 20h. Fechado às terças-feiras. 

Classificação indicativa: livre. Entrada gratuita.

*Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”. Foi vice-presidente do Conselho do Greenpeace de 2006-2008.

Foto: Arquivo Pessoal

Notícias relacionadas

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Últimas notícias

- Advertisement -spot_img