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Conservação fornece várias vitórias ao Brasil

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A administração nacional brasileira, que começou em Janeiro de 2019 com o Presidente Jair Bolsonaro, sinalizou que o Brasil poderia reduzir a conservação da natureza, os esforços para mitigar as mudanças climáticas e seu envolvimento com a comunidade internacional em relação a essas questões. Isso inclui, potencialmente, não cumprir com o controle de desmatamento e compromissos de restauração do Acordo de Paris, a fim de se concentrar na expansão da agricultura e na mitigação dos riscos percebidos para a soberania nacional. Esses primeiros sinais já incitaram reações da comunidade internacional – o Presidente Emmanuel Macron da França, por exemplo, ameaçou bloquear um acordo comercial que está sendo negociado entre a União Europeia e o Mercosul (o bloco comercial sul-americano) se o Brasil deixar o Acordo de Paris. Sinais de alerta semelhantes vieram de várias partes interessadas comprometidas com a criação de cadeias de suprimentos verdes. Essas pressões internacionais, por sua vez, alimentam preocupações de longa data a respeito da soberania do Brasil sobre a Amazônia. Como um brasileiro dedicado à pesquisa de sistemas socioecológicos complexos, sinto que este é um momento crítico para abordar esses assuntos de maneira objetiva e baseada em evidências.

A percepção de um conflito entre a conservação da natureza e o desenvolvimento agrícola surge do fato de que, com notáveis exceções, a expansão agrícola historicamente ocorreu através da conversão de terras naturais. Os benefícios resultantes da agricultura são amplamente limitados aos agricultores e suas cadeias de fornecimento associadas, enquanto os benefícios da conservação da natureza são mais dispersos, beneficiando agricultores, comunidades locais, sociedades nacionais e a comunidade global, e assim ocorre um desequilíbrio entre custos e benefícios. Esta falha de mercado clássica, que os economistas chamam de “externalidade”, leva a preferências conflitantes desses diferentes stakeholders e, se não forem atendidas, a resultados sociais ineficientes. As posições conflitantes de parte do setor agrícola brasileiro, a sociedade brasileira mais ampla e a comunidade internacional surgem parcialmente dessas externalidades.

Tais conflitos são ampliados quando a magnitude dos benefícios em questão é grande. O setor agrícola é responsável por 55% das exportações brasileiras, e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) prevê que o país será responsável pela maior expansão da produção agrícola até 2050. Ao mesmo tempo, nenhum país possui mais carbono terrestre ou biodiversidade do que o Brasil, então os impactos na vegetação nativa brasileira têm implicações globais. A comunidade internacional alega que o aumento do desmatamento no Brasil colocaria em risco os esforços para combater as mudanças climáticas e deter o Sexto Episódio de Extinção em Massa da Terra. O novo Governo afirma que o Brasil faz muito mais do que o país médio na conservação da natureza e na mitigação das mudanças climáticas, e que deveria ser compensado por seus esforços. Todas essas afirmações estão corretas. Felizmente, elas também são reconciliáveis.

Meu projeto de doutorado (realizado entre 2006-2009) foi o desenvolvimento de um mecanismo de incentivo internacional para lidar com esses conflitos em países em desenvolvimento. Externalidades e conflitos associados podem ser resolvidos quando os beneficiários mais amplos (aqui a comunidade internacional) compensam o ator principal (a sociedade brasileira) por esforços adicionais àqueles que o ator tomaria em seu próprio interesse. Irritantemente (na época), as Nações Unidas me ultrapassaram nessa ideia. Pouco antes de iniciar meu doutorado, a ONU introduziu um mecanismo de incentivos para reduzir as emissões do desmatamento e da degradação (REDD+). Mudei meu foco para como tornar o REDD+ operacional e maximizar seus impactos na conservação da biodiversidade. Eu também estimei o quanto cada país poderia se beneficiar dele – o Brasil facilmente chegou em primeiro lugar, com ganhos potenciais de US$ 10 bilhões a cada ano a preços modestos do carbono (Strassburg, BBN et al. Glob. Environ. Change 19, 265– 278, 2009).

Desde então, REDD+ e mecanismos relacionados se tornaram realidade. O mecanismo de incentivo que desenvolvi durante o curso de meu doutorado foi usado para o primeiro Acordo Internacional de REDD+, entre a Noruega e a Guiana. Em 2008, o Brasil chegou a um Acordo com a Noruega que recompensou o país em mais de US$ 1 bilhão por reduções no desmatamento da Amazônia.

Em sua Contribuição Nacionalmente Determinada ao Acordo de Paris, o Brasil propôs que entregaria certas metas de mitigação climática por conta própria, mas observou que “especificamente no setor florestal, a implementação de atividades de REDD+ e a permanência dos resultados alcançados requerem a provisão, em uma base contínua, de pagamentos baseados em resultados adequados e previsíveis”. Em outras palavras, a noção de que o Brasil deve ser compensado pela comunidade internacional por seus esforços de conservação já está acontecendo na prática e faz parte de nossa estratégia nacional em relação ao Acordo de Paris.

O Brasil também tem um forte desempenho na conservação da biodiversidade. Em 2020, a comunidade global pretende alcançar um novo acordo internacional nessa área, e a liderança do Brasil é crucial, tanto para o poder diplomático do país quanto para a vida na Terra. Esses Acordos são voluntários e não incluem sanções ou qualquer ameaça à soberania nacional; O Brasil tem muito a ganhar com fortes metas e recompensas associadas.

O novo Governo argumenta que o Brasil tem Leis relativamente fortes que protegem a vegetação natural em fazendas privadas e que os agricultores deveriam ser compensados quando conservarem mais do que o necessário. Os críticos argumentam que os agricultores reconhecem e se beneficiam de serviços ecossistêmicos, como fornecimento de água, fertilidade do solo e polinização.

Mais uma vez, ambos os lados têm pontos justos e, novamente, são compatíveis. Essa externalidade também pode ser resolvida pela compensação dos principais atores (aqui os agricultores) por seus esforços adicionais, por meio de pagamentos financeiros diretos ou por meio de subsídios, assistência técnica gratuita e outros investimentos públicos que beneficiam os agricultores. O financiamento público para a agricultura chega a US$ 60 bilhões por ano, e a maior parte é subsidiada. Esses subsídios podem ser direcionados aos agricultores que fornecem os maiores benefícios sociais. Os fundos distribuídos aos agricultores também podem ser conectados aos pagamentos internacionais discutidos acima.

Há outro grupo de stakeholders que deve ser considerado neste debate: os 91% de brasileiros que não trabalham na agricultura. Suas preferências são claras: uma pesquisa internacional realizada pelo Pew Center no período que antecedeu o Acordo de Paris considerou o Brasil o país mais preocupado com as mudanças climáticas, com 88% dos brasileiros querendo limites nacionais para as emissões de Gases de Efeito Estufa. Mais recentemente, outra pesquisa mostra os brasileiros como as pessoas que querem o mais alto nível de proteção natural entre todos os países pesquisados, e uma pesquisa nacional em 2018 indicou que 91% dos brasileiros querem medidas mais fortes, não mais fracas, para promover a conservação da natureza. Este amor pela natureza está enraizado na nossa identidade nacional: o nome do nosso país, as cores da nossa bandeira e as palavras do nosso hino nacional, todos louvam a natureza e os seus componentes.

Alegações de que a conservação da natureza colocaria em risco a expansão agrícola não resiste ao escrutínio científico. Liderei um estudo com colaboradores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostrando que um melhor aproveitamento das terras agrícolas atuais, em particular de pastagens, é suficiente para o Brasil alcançar a maior expansão da agricultura no mundo até 2050, com zero desmatamento e restauração em larga escala. Isso não só salvaguardaria os mercados existentes, mas também se tornaria uma vantagem competitiva à medida que o mundo caminha para cadeias de suprimentos mais limpas. Em 2018, a maioria das empresas líderes em agronegócio e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, que representa 46% do PIB do Brasil, endossaram promessas de eliminar o desmatamento e salvaguardar as metas climáticas de Paris.

Os brasileiros querem altos níveis de proteção da natureza e forte ação contra as mudanças climáticas. O país pode fazer as duas coisas enquanto alcança a maior expansão global da agricultura, salvaguardando seus mercados e agregando valor às suas exportações. Pode simultaneamente aumentar sua influência diplomática ao liderar o mundo em metas globais de clima e biodiversidade, ao mesmo tempo em que é devidamente recompensado por esses esforços sem perder uma polegada de soberania. Eu chamaria isso de um bom negócio.

Bernardo B.N. Strassburg | Coordenador do Centro de Ciências da Conservação e Sustentabilidade do Rio (CSRio), Diretor Executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) e professor assistente do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio 

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