Arthur Soffiati |
Nos últimos 1200 anos, o Holoceno, época em que vivemos, passou por três momentos climáticos estruturais. Entre os anos 800 e 1300, houve um pequeno aquecimento global natural que permitiu o desenvolvimento das forças produtivas. Na Europa ocidental, as temperaturas permitiram a expansão da agropecuária e a instauração da economia de mercado. O segundo momento climático estendeu-se de 1400 a 1800 e foi marcado por um resfriamento global conhecido como Pequena Idade do Gelo. Daí em diante, as temperaturas globais começaram a se elevar. Os dois primeiros momentos derivaram de oscilações climáticas naturais. O terceiro se deve à economia ocidental globalizante. Emissões de gases oriundos de desmatamentos e da queima de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, são os mais conhecidos responsáveis por esse aquecimento (FAGAN, Brian O aquecimento global. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009).
Os fenômenos climáticos naturais continuam existindo, mas estão sendo alterados pelas mudanças climáticas antrópicas. Os climatologistas e meteorologistas estão surpresos com o comportamento de La Niña. O fenômeno parece não se comportar segundo os modelos científicos. Parece imprevisível. Está ativo a mais tempo do que se esperava. Três anos em atividade. Pelos registros, este comportamento errático só aconteceu duas vezes desde 1950. Não caberia a hipótese de que as mudanças climáticas estão interferindo no fenômeno? Por que analisar o clima global atualmente por uma ótica convencional?
Sabe-se que todo o sul da Europa enfrentou severa seca no verão de 2022. Ela atingiu mesmo a parte central do continente. Os incêndios foram ingentes na Península Ibérica, deixando terras arrasadas. Mesmo na Galícia, nacionalidade da Espanha bastante chuvosa, houve incêndios devastadores. Desde 2021, o território galego vem acumulando acentuado déficit hídrico. Espera-se chuva no outono, mas não há garantia de que ela ocorra no volume desejado. Visitei a Galícia em novembro de 2019 e enfrentei chuvas. Agora, estima-se que é preciso chover 700 litros de água por metro quadrado no outono. Pelas previsões, espera-se uma precipitação pluviométrica menos volumosa. A seca pode se tornar crônica, se é que já não se tornou, ou pode chover muito mais do que o esperado. O clima não pode ser controlado por painéis computadorizados, ainda mais com as imprevisibilidades causadas pelo aquecimento global.
É exatamente dos excessos que população, empresários e governos têm reclamado. Ou chove de menos ou chove demais. Na Europa e na China, choveu de menos no verão. No Paquistão, choveu demais. É descabido pensar que o clima está naturalmente descontrolado. Entendo que a seca da Península Ibérica não depende só da escassez de chuva. De fato, medidas que reduzam a emissão de gases do efeito-estufa são urgentes. Mas a redução, a estabilização e a reversão das mudanças climática serão processos de longo prazo. Tudo indica que elas vão se acentuar, pois as emissões de gases estão aumentando. Assim, restam-nos, no médio e no curto prazos, providências aqui na superfície da Terra.
É preciso promover o reflorestamento de pontos críticos, sobretudo em pontos de recarga, nascentes, margens de rios e encostas íngremes. Há planos nesse sentido na Galícia, mas eles não saem do papel. As cidades precisam passar por mudanças profundas para enfrentar secas e enchentes. Algo pode ser feito nas cidades da Europa e do Brasil. Mas nem sempre é possível reduzir o efeito das enchentes nas cidades. A enchente de agosto no Paquistão mostrou os limites das mudanças na superfície da Terra, pois grandes áreas ficaram submersas com as chuvas de monção de agosto. Tanto o campo quanto as cidades ficaram embaixo d’água.
Esperam-se chuvas para o Centro Oeste e o Sudeste do Brasil, onde a seca mostra-se muito prolongada. As chuvas do verão de 2022 foram particularmente inclementes com Petrópolis, Angra dos Reis, sul da Bahia e Recife. Não se pode esperar que as próximas precipitações pluviométricas ocorram na medida exata das necessidades. Ou elas caem em excesso ou de modo escasso. E as cidades atingidas não passaram por mudanças para enfrentar minimamente as tempestades. Governantes visitaram as cidades atingidas, fizeram discursos e anunciaram liberação de recursos, mas nada de estrutural começou a ser feito. Tanto os danos causados pelas abundantes chuvas quanto pelas secas destruidoras estão se consolidando de forma estrutural. No céu, as mudanças climáticas se aceleram, apesar de todos os discursos e das conferências internacionais. Na Terra, as mudanças necessárias para enfrentar os novos tempos têm sido tímidas ou simplesmente não ocorrem.
Enfim, como os governos lidarão com essas mudanças cumulativas que tendem a se agravar nos próximos anos?