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Estamos usando petróleo para extrair petróleo

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Cúpula da Amazônia se encerra deixando muito a desejar no quesito compromisso real de mudança da cadeia energética e produtiva para o mundo

Por Aline Souza – Redação ECO21

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A Cúpula da Amazônia se encerrou nesta quarta-feira (9 de agosto) e foi marcada por debates que intercalaram o consenso entre os chefes de estado presentes em Belém-PA, mas também por uma discordância essencial entre eles e o Brasil: a intenção de explorar a extração de petróleo na foz do Amazonas.

Durante a Cúpula, foi assinada a Declaração de Belém, que reafirma pontos importantes como a garantia de direitos aos povos indígenas e cooperação pela preservação da floresta. Apesar dos avanços, estão sendo criticadas a ausência de menção a combustíveis fósseis e a falta de meta conjunta para desmatamento zero. Os combustíveis fósseis são a maior causa do aquecimento global que está alterando definitivamente o clima da Terra. E essa mudança do clima ameaça a sobrevivência das florestas tropicais. Em um mundo mais quente, a Amazônia entrará em colapso, se tornando uma savana pobre e sem vida, mesmo que o desmatamento tenha sido zerado.

Às vésperas do evento, o ClimaInfo realizou uma coletiva de imprensa com diversos cientistas ambientais na intenção de apresentar à sociedade os recentes dados científicos sobre os impactos ambientais irreversíveis que poderiam acarretar essa exploração de petróleo. De acordo com os especialistas, é preciso abandonar essa ideia de continuar produção de ativos à base de combustível fóssil. Essa é uma premissa que já não nos cabe mais.

Para a professora da Universidade de Antioquia, Colômbia, Paola Arias, não há precedentes em 800 mil anos a atual concentração de dióxido de carbono em nossa atmosfera. As causas dessa concentração estão na produção energética, industrial, setor de transportes e edificações, mas principalmente oriunda do uso do solo e desmatamento. De acordo com ela, “mais da metade vem dessa razão. A Amazônia produz vapor de água e transporta esse vapor para outras regiões do planeta. Países como Argentina, Uruguai, que estão mais ao sul do continente também se beneficiam desse bosque amazônico, para além dos países que fazem limite com a floresta” afirmou.  Paola é pesquisadora e autora do Grupo de Trabalho I do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ela faz parte do GEWEX Hydroclimatology Panel (GHP), do Amazon Regional Hydrogeomorphology Working Group (UNESCO) e do WCRP Lighthouse Activities – My Climate Risk Science Plan Development Team.

Andrés Gómez Orozco, engenheiro de petróleo, especialista em energia, afirmou que aumentamos em 86% a produção de combustíveis fósseis no mundo todo. Temos poucas chances de reduzir o aumento de 1,5 grau do aquecimento do planeta, que já é uma realidade. “A instabilidade amazônica, seguindo com essa ideia de explorar petróleo na região, seria uma catástrofe global”, afirmou Gómez, que foi líder na construção de argumentos em busca de uma saída planejada da dependência de combustíveis fósseis nos países em desenvolvimento, com foco especial da política climática colombiana. De acordo com o engenheiro, estamos cada vez mais destinando mais energia para realizar a extração e produção de petróleo no mundo, essa extração acontece cada vez mais em águas profundas, ficando mais difícil de ser feita. Ou seja, “é cada vez mais intenso o uso de carbono na extração de petróleo. Estamos usando petróleo para extrair petróleo. Não faz nenhum sentido”, disse.

Atualmente, EUA, Rússia e Arábia Saudita detém o maior nível de produção. Mas é nos EUA onde a intensidade do uso de carbono nessa produção é maior, poluindo bem mais o planeta. Para Gómez, 89% das reservas de carbono e 58% de petróleo devem permanecer exatamente onde estão no subterrâneo para a humanidade não ultrapassar 1,5 graus de aquecimento global. “A bacia amazônica é uma posição única para a captura de carbono no ecossistema do planeta. O melhor a fazer é deixar o petróleo intocado. Precisamos reduzir essa produção e parar de explorar”, explicou. As recentes falas do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, vão nessa direção.

Qual o papel do Brasil nisso tudo?

Quem apresentou as evidências nacionais para responder essa pergunta foi Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). Ela explicou em sua participação na coletiva que o principal problema é realmente o uso indevido do solo.

“O Presidente Lula sabe sobre a necessidade de combater o desmatamento na Amazonia para redução das emissões de carbono do Brasil e do mundo. Essa agenda foi retomada quando ele volta ao cargo em 2023. Porém, ocorre desde 2018 um crescimento exponencial do desmatamento no Cerrado e na Amazônia, com ápice em 2021. Naquele ano, a emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEE) na Amazônia foi de 77%. Emissões provocadas por mudança de uso da terra (MUT) na região ocorrem devido ao desmatamento. E onde ocorre desmatamento na Amazônia Legal? Em terras públicas”, afirma Ane.

Dados do IPAM apontam que entre 2021/22, 48% do desmatamento aconteceu em terras públicas e 28% em Florestas Públicas Não Destinadas (FPND) cobertas dentro do CAR – Cadastro Ambiental Rural, áreas em processo nítido de grilagem. O total da dinâmica de desmatamento é de 82% das ocorrências em terras federais.

Já os focos de calor aumentaram 20% em junho de 2023. Você deve estar se perguntando por que o desmatamento reduziu e o fogo não? Uma das questões abordadas por Ane Alencar é o clima. Sabemos que o El Niño é um fenômeno que ocorre a cada cinco anos e representa o aquecimento das águas no Pacífico Equatorial, com seca no Norte e chuva no Sul em áreas costeiras. Ane explica que esse fenômeno na Amazônia causa seca pronunciada e em 2023, entre maio e junho, subiu muito o índice que marca o El Niño, algo que foi causado pelas licenças para desmatar na região do Mato Grosso. “Se tem muita fonte de ignição e o clima não é favorável, o fogo não se espalha. Mas com se há facilidade devido às condições climáticas favoráveis, ocorre a combustão. A queima de pastagens de gado é o principal motivo para o desmatamento”, explicou.

O papel do Brasil é fundamental, não só como liderança política da região, mas também por sediar o evento que pretende debater o avanço das negociações climáticas que definirão os rumos do planta daqui para frente. No entanto, Lula diverge de Gustavo Petro, da Colombia que defende o total fim da exploração de combustíveis fósseis. O Brasil defende e se compromete com o fim do desmatamento, ao que ambos concordam, mas pretende seguir com estudos de viabilidade da exploração petrolífera na região Amazônica. O Brasil detém a maior porção do território da Amazônia e já mostrou boa capacidade de diálogo e articulações políticas com países do Sul e Norte Global, além de representar uma mudança na política climátca nacional após os anos de retrocesso do governo anterior.

Mas, será que existe alguma iniciativa global de mudança do estilo de vida econômico (por parte do Norte Global não só da América Latina) que possa de fato se concretizar na redução das emissões?  As lideranças do mundo querem mesmo mudar a suas relações com o PIB (Produto Interno Bruto) e o crescimento econômico em função da questão climática?

A julgar pela cobertura de parte da imprensa que, em um dia aborda os recordes de calor e a ameaça à vida humana; e no outro aborda a desaceleração econômica da China, como algo ruim para a economia mundial, conclui-se que não. Não há pretensões de mudança no estilo de vida econômico global. No segundo trimestre de 2023 a China registrou apenas 6,3% de crescimento quando a expectativa era de 7 pontos percentuais. Pequim vem incentivando aumentar o peso do consumo na composição do PIB, que já é de 40%, de acordo com Claudia Trevisan, em entrevista com Natuza Nery para o podcast O Assunto no dia 19 de julho. Até quando teremos esse tipo de balizador?

Petróleo e Amazônia não combinam

É preciso criar uma política transnacional audaciosa nesse sentido e defender a Amazônica como um território livre de combustíveis fósseis, algo que não é somente responsabilidade dos países limítrofes com a floresta, mas também do Norte Global, que é o maior emissor de carbono no mundo hoje. Os esforços devem ser direcionados para não criar mais campos de exploração de petróleo, assim como não permitir atividades de mineração e garimpo na região.

Além disso, a radical descarbonização das economias, do transporte, das matrizes energéticas deve ser um compromisso. O mundo precisa entrar nessa questão. Há a necessidade de mudança dos padrões de consumo. Precisamos cobrar mudanças na atividade econômica de grandes indústrias desse setor em países como Brasil, China, EUA e Europa. O PIB não pode ser parâmetro central de ação para essa transformação ocorrer. Mas ainda existe uma preocupação com lucro de curto prazo. Não existe solução individual para um problema que é global.

Há também questões preocupantes para a região amazônica alertada pelos especialistas que são as ditas “Economias Criminosas” nas fronteiras – tráfico de drogas, contrabando de ouro, animais e madeira, garimpo ilegal, mineração, grilhagem de terras. Uma economia informal e super lucrativa baseada na ocupação de um território de forma irregular que está nos levando a condições extremas de vida na Terra.

É aí onde podem entrar os movimentos sociais e povos originários, trazendo uma nova cosmovisão, um mundo fora desse sistema econômico capitalista vicioso que continuamente nos pressionam tanto por mais e mais. Nossos recursos não são infinitos.

Era da Ebulição Global: temos futuro?

Floresta em pé é conceito que resume a possibilidade de ter alguma sustentabilidade no crescimento econômico global, aproveitando todo o potencial existente em um ambiente de natureza pujante, desde a biodiversidade e biotecnologia, passando por atividades de ecoturismo, preservação de recursos hídricos e criação das condições favoráveis para a produção de alimentos. Esse seria o caminho imaginado para uma suposta transição energética, algo que os grupos políticos da esquerda tentam defender para justificar o negacionismo climático de seus pares, que ainda mantém os olhos no petróleo.

A Conferência, realizada entre os dias 8 e 9 de agosto, em Belém (PA), reuniu líderes dos países amazônicos e representantes dos países que detêm as outras duas florestas tropicais mais importantes do mundo: a Indonésia, a República Democrática do Congo e o Congo-Brazzaville. O presidente da França Emmanuel Macron também foi convidado em nome da Guiana Francesa, mas não compareceu. A Cúpula da Amazônia é vista como prévia da COP 2025 – Conferência do Clima da ONU que também será sediada no Pará.

Em seu documento final, a Declaração de Belém apresentou um discurso com certa vanguarda na construção de direitos indígenas de povos originários e maior representatividade feminina para lidar com a preservação ambiental e cooperação regional. Por outro lado, não apresenta metas claras para conservação das florestas nem prazos para implementação, não cita o termo “combustíveis fósseis” e não incluiu para além da retórica a participação social. Reivindicações e contribuições que seus representantes poderiam dar com o objetivo prático de redução das emissões de carbono ficaram em segundo plano, devido à ausência de tempo hábil para fazê-lo, o que deixa nítido e evidente o pouco compromisso em ouvir verdadeiramente esses indivíduos.

Dessa forma, o documento foi assinado por 8 países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) para cobrar os países desenvolvidos, mas sem meta comum de desmatamento ou veto à exploração de petróleo. O pedido de Petro, presidente da Colômbia, pelo fim da extração de petróleo na Amazônia, também não entrou no documento.

Enquanto o petróleo continuar sendo lucrativo e demandado pelo mundo, ele não vai parar de ser extraído e produzido. Pensar em transição ecológica ou plano verde de recuperação é pensar em tecnologia que vise a neutralidade de carbono até 2050 com investimento de longo prazo pelo bem da humanidade.

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