Evento no Rio de Janeiro marca o aniversário da organização alemã com a estreia de uma coletânea inédita escrita por autores amazônidas
Em celebração aos seus 25 anos de atuação no Brasil, a Fundação Heinrich Böll lança o Atlas da Amazônia Brasileira — uma publicação inédita com 32 artigos que abordam os desafios, os saberes e as potências da maior floresta tropical do planeta. A iniciativa busca ampliar o debate sobre justiça climática e territorial em um ano marcado pela realização da COP30, no Brasil.
O evento de lançamento acontecerá no dia 5 de maio, no Rio de Janeiro, reunindo a presidência internacional da Fundação Heinrich Böll, a diretoria brasileira, membros do Conselho Editorial do Atlas da Amazônia Brasileira, além de autoridades, acadêmicos, ativistas e comunicadores da região amazônica. A programação contará com painéis que celebram os 25 anos de atuação da Fundação no Brasil e marcam o lançamento do Atlas, abordando temas como a relação da Fundação com as conquistas do movimento de direitos humanos, o seu papel geopolítico do país, a força da sociedade civil e os saberes territoriais como formas de resistência. A apresentação do Atlas será feita pelo Conselho Editorial, trazendo os motivos que levaram à sua realização. Os diálogos terão como foco o protagonismo amazônida diante da crise climática.
Com presença em mais de 42 países, a Fundação Heinrich Böll vem atuando no Brasil no sentido de fortalecer a democracia por meio do apoio às organizações da sociedade civil e da promoção de diálogos críticos. “Ao longo dessa jornada, construímos pontes entre Brasil e Alemanha e contribuímos para avançar pautas fundamentais como os direitos humanos, a justiça socioambiental, a igualdade de gênero e a luta antirracista. Atuamos na defesa dos direitos dos povos do campo e da floresta, e um belo exemplo é o lançamento do Atlas da Amazônia Brasileira, uma publicação essencial para ampliar o debate sobre o futuro e os desafios da região. Acreditamos que enfrentar os desafios do nosso tempo — sociais, ecológicos e políticos — exige engajamento, escuta e produção de conhecimento”, afirma Regine Schönenberg, diretora da Fundação Heinrich Böll no Brasil.
Para Marcelo Montenegro, Coordenador da área de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll e co-organizar do Atlas, a Fundação tem um compromisso sólido com o fortalecimento democrático no país e espera abrir novas perspectivas para o mundo que se encontrará no Brasil durante a COP30. “A publicação do Atlas da Amazônia Brasileira representa um marco na história da Fundação por ser a primeira coletânea formada exclusivamente por textos de autores da região amazônica. Entre os mais de 50 colaboradores, destacam-se 19 indígenas, 5 quilombolas e 2 ribeirinhos. Isso é inédito. Esperamos estimular diálogos e inspirar soluções diante das adversidades enfrentadas pela Amazônia e seus povos — conflitos que refletem a complexa relação entre humanidade e natureza”, destaca Montenegro.
Com abordagem temática ampla, o Atlas da Amazônia Brasileira é uma porta de entrada para a compreensão das múltiplas dimensões que compõem o território amazônico — desde os saberes ancestrais e a conservação ambiental até as ameaças contemporâneas, como o avanço do desmatamento, da mineração ilegal e da violência. A obra também questiona práticas de greenwashing e propõe alternativas para um modelo de desenvolvimento sustentável e justo. Segundo a Fundação, o objetivo é fomentar o debate, ampliar os horizontes e contribuir para um futuro autodeterminado para a Amazônia e seus povos.
Segundo Aiala Colares, Membro do Conselho Editorial do Atlas, a publicação propõe uma radiografia da região para estrangeiros – geográficos ou não – servindo como contribuição para a defesa dos povos que estão na luta por justiça socioambiental. “Os textos que compõe o Atlas considero como importantes reflexões que tratam de uma Amazônia viva, que resiste em meio às contradições do desenvolvimento, portanto, dá visibilidade para questões que abordam os territórios indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses por uma perspectiva que denuncia as violações de direitos, e ter uma diversidade de autores de diversas áreas do conhecimento e ligados aos movimentos sociais diversos, dá esse caráter multidisciplinar e integrado à uma produção do conhecimento compactuado com a defesa floresta”, analisa.
Para Regine Schönenberg, em um ano emblemático como este — com a primeira COP sediada na Amazônia —, a Fundação Heinrich Böll reforça seu compromisso com o protagonismo dos povos da floresta. “Reconhecer e defender o papel central dos povos amazônidas é essencial para qualquer solução real para a crise climática. É preciso garantir seus direitos territoriais e modos de vida. O momento é de ação: proteger, preservar e assegurar que a Amazônia continue de pé — não apenas para o Brasil, mas para o mundo”, conclui.
O Atlas será traduzido para diversos idiomas, ampliando seu alcance internacional e contribuindo para reflexões sobre conflitos semelhantes entre o ser humano e a natureza em outras regiões do planeta.
Saberes regionais
Com a Amazônia ganhando destaque nas manchetes internacionais devido à crescente degradação florestal e seus impactos globais, os saberes e dados apresentados no Atlas da Amazônia Brasileirapretendem contribuir com uma visão mais fiel da realidade.
Entre 2019 e 2022, a Amazônia registrou recordes de desmatamento (principalmente para abertura de pastagem para criação de gado); o garimpo ilegal em áreas protegidas (principalmente em Terras Indígenas da região amazônica) cresceu em 90%; e cidadãos estimulados pelo avanço da extrema direita se armaram – entre 2018 e 2022 o número de pessoas com registro de armas na Amazônia Ocidental aumentou 1.020%. Ao mesmo tempo, em 2022 a Amazônia reuniu mais de 1/5 dos assassinatos de defensores do meio ambiente em todo o mundo: foram 39 ativistas assassinados na região naquele ano.
Em 2023, o mundo teve acesso às angustiantes cenas da crise humanitária vivida pelo povo indígena Yanomami, cujo território, nos anos anteriores, foi tomado pela atividade garimpeira ilegal. No mesmo ano, a Amazônia foi assolada por uma intensa crise climática, com secas extremas e rios alcançando os mais baixos níveis já registrados, o que, além da morte de animais, impactou sua extensa infraestrutura fluvial, levando à escassez de água potável e alimentos, além da dificuldade de acesso a aparelhos públicos.
Os danos não foram totalmente superados e outra seca atingiu a região em 2024. No mesmo ano, o bioma amazônico concentrou o maior número de focos de incêndio dos 17 anos anteriores, e o impacto da fumaça na qualidade do ar prejudicou a saúde de milhares de pessoas – sendo transportada pela atmosfera para outros estados das regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. Outros biomas que compõem a Amazônia Legal, como o Pantanal e o Cerrado, também atingiram recordes de queimadas.
Assim, os últimos anos parecem ter desenhado um futuro sombrio para a Amazônia e sua população, seja pelos impactos do colapso climático na região, seja pelas disputas políticas que ditam não apenas o ritmo da intensificação de crimes ambientais (cada vez mais organizados pelas facções do tráfico de drogas nos territórios), mas os interesses econômicos que orientam grandes projetos para a região.
Em contrapartida, a Amazônia é território de uma efervescente mobilização de movimentos sociais, coletivos e organizações socioambientais que têm se tornado linha de frente das discussões envolvendo tanto a gestão territorial regional, quanto a agenda climática global. Essa mobilização envolve a valorização dos modelos de pensamento dos povos e comunidades, que constroem relações com o território e seus seres bastante distintas daquelas que guiam os setores responsáveis pelo iminente colapso climático.