Samyra Crespo || Ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro
“São as mulheres mais propensas à sustentabilidade?”
Hoje, não sei por que razão, lembrei daquela música “Não chore por mim Argentina”, alusiva à morte de Eva Perón e ao caldo que cria os mitos nacionais: em geral morte, martírio, tragédia, hipocrisia, mentiras marqueteadas.
O mito sempre puxa nossa memória atávica do mais forte, do mais apto, ou do “herói” ou “heroína” trágicos: os que perecem sob injusta fatalidade, ou resistem a injúrias.
No caso das mulheres, menciono por ser mais fácil e estar no imaginário coletivo de todas nós, Nossa Senhora, a sofredora; Cleópatra, a sedutora; Salomé a cruel e impiedosa algoz de João Batista; Hipátia de Alexandria, a filósofa e matemática da Antiguidade que recusou o casamento; Catarina de Medicis, a intrigante; Anita Garibaldi e Rosa Luxemburgo, as revolucionárias e por aí vai.
Em todas estas menções, o mito: mistura do real com a idealização da mulher.
A mulher reduzida a um propósito, a uma circunstância, a uma virtude ou mesmo a um atributo deplorável.
Fui provocada para este raciocínio esta semana, por dois fatos diferentes. A Band (TV) me procurou para um depoimento para o seu programa “Capital Natural”; a pauta era a presença das mulheres na promoção da sustentabilidade e nos “negócios sustentáveis”.
Temas importantes, instigantes, aos quais voltarei em outro texto.
Mas não pude deixar de pensar que a presença das mulheres em determinados ambientes sociais e políticos não adianta de nada, sendo mesmo contraproducente. Vejam por exemplo, o caso de Bia Kicis e de Carla Zambelli. A primeira num espaço de poder nobre e de impacto sobre o cenário nacional; e Carla à frente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara: ambas uma vergonha para o gênero. Qual a diferença se são mulheres ali? As duas são membros orgânicos das forças mais retrógradas que se tem notícia neste país. Nada no fato de serem mulheres as tornam diferentes da massa humana deplorável que parasita em Brasília.
E a deputada, agora cassada, Flor de Lis? Flor do lodo, tudo indica, implicada ou mandante no assassínio do marido. E políticas profissionais como Cristiane Brasil?
Puxo estes exemplos negativos para chamar atenção para o perigo da idealização das mulheres – como tendo uma natureza mais maternal, conciliadora, ambientalmente mais vocacionada a respeitar as leis de Gaia. Parafraseando a minha musa Simone de Beauvouir “as mulheres não são mais sustentáveis, elas se tornam”. E para este “tornar-se” há todo um trabalho árduo feito por homens e mulheres.
Um lastro ético que não é nato, mas construído socialmente.
Dilma Roussef, por exemplo, nossa primeira presidente mulher, foi ímpar no reconhecimento da capacidade das mulheres na administração do País: alçou ao cargo de ministro várias mulheres valorosas. Nenhum governante antes dela e do Lula abriram tanto espaço ao feminismo. Ainda assim, Dilma foi adversária ferrenha de Marina Silva (provocando sua saída do governo e do PT) e quando Carlos Minc foi ministro ela se colocou fortemente contrária ao Plano Nacional de Mudanças Climáticas do Brasil. E ainda carrega a conta de ter permitido Belo Monte.
Abrir mais espaço na política para as mulheres e também em qualquer outro espaço de poder é justo e necessário. São um grande número e as pesquisas mostram que têm mais anos de estudo e agora são maioria absoluta nos cursos de pós-graduação.
Precisamos delas enquanto sociedade. Ser dirigidos pelos mais capazes.
O machismo precisa ser erradicado, sobre isso nenhuma dúvida.
Mas não me venham com idealizações que funcionam como mais um “cercadinho” para nos aprisionar.
Como mais uma “mentira” que será disfuncional adiante.