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Por que ver e comentar a mostra EcoFalante em cartaz até 20/09 – Samyra Crespo

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Samyra Crespo | Ambientalista. Ex-Presidenta do Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Tenho certeza, aprende-se muito com o cinema. Sobre a natureza, sobre nós mesmos, nossas dores, misérias e amores.

Os filmes e documentários que tematizam o meio ambiente já têm uma história longa  – produtores, roteiristas e cineastas vêm desde longa data nos revelando na tela as mil maneiras como destruímos nosso Planeta e criamos a maior crise ambiental da nossa curta história na Terra.

O primeiro grande festival de filmes sobre meio ambiente no Brasil foi o de Goiás Velho, cidade ribeirinha, linda e colonial da nossa Cora Coralina.

Uma mostra que começou pequena e adquiriu fama internacional: o FICA  – Festival Internacional do Cinema Ambiental. Lá estive oficialmente uma vez, representando o Ministério do Meio Ambiente. Mas participei do Festival várias vezes no desdobramento FICA NO RIO – que a produtora Carla de Oliveira trazia na base do amor e sacrifício para o Rio. Sempre o mesmo drama dos escassos patrocínios. Mostrava os filmes premiados e os turbinava com debates que atraíam estudantes e simpatizantes da causa. Acho que o último FICA NO RIO aconteceu em 2015.

No rastro desse formato, recentemente, há  três anos, firmou-se a Mostra ECOFalante, desta feita sediada em São Paulo,  e conduzida pelo ambientalista Chico Guariba.

Mais ambiciosa e se valendo da tecnologia virtual a Mostra procurou levar filmes e documentários sobre meio ambiente e desenvolvimento a vários  estados brasileiros, com acesso tanto em cinemas convencionais quanto em plataformas internéticas.

Este ano, devido à  Pandemia, a Mostra EcoFalante ocorre durante um mês,  até  22 de setembro, totalmente gratuita e totalmente virtual, com os tradicionais debates e entrevistas transformadas em lives.

Neste tipo de mostra domina o cinema-denúncia e a produção global nos confirma que em todos os quadrantes nossos problemas ambientais são os mesmos, agravados pela pobreza, pela ignorância e mediocridade dos líderes. Mas também surgem cada vez mais produções inspiradoras que mostram soluções tecnológicas, locais ou ações individuais que buscam fazer a diferença.

Cada vez mais a Mostra funciona também como um updating da comunidade ambientalista mundial, revelando a temperatura e pressão do movimento que promove a consciência ambiental – no rastro do que fez Al Gore no emblemático Uma Verdade Inconveniente,  anos atrás.

Com 99 filmes e documentários de diversos países, a Mostra ofereceu este ano um cardápio variado e de grande qualidade  – tanto no conteúdo quanto na forma, revelando novos cineastas e trazendo à  baila novos temas – numa toada mais socioambientalista e ecopolitica. Naturalmente, a denúncia do que ocorre na Amazônia está sempre presente assim como os discursos dramáticos que alertam sobre as mudanças climáticas e as suas já  sentidas consequências. Mas tem muito mais.

Assisti até  o momento seis produções que podem ser vistas tanto no streaming,   via VIMEO ou Youtube –  com datas e horários limitados – daí ser aconselhável consultar a programação buscando no google, o que é  bem fácil. Além dos filmes ou documentários, pode-se também obter as entrevistas com os principais diretores. Muito interessante ouvir os cineastas e suas motivações.

Vou comentar aqui, e recomendar, três produções que considero imperdíveis: O Fim da Carne, PUSH, e Ladrões do Tempo.

No primeiro o foco é nos graves problemas gerados pelo consumo da carne e o impacto dos rebanhos no agravamento da crise climática tanto pelos desmatamentos para novos pastos, como pela ruminação que emite o gás metano para a atmosfera, passando pela “crueldade” do abate, do confinamento dos animais, etc.

A temática não é  nova, mas este filme desiste de condenar o churrasco na lage e conclamar todo mundo a ser vegano, lançando um novo conceito: o flexitarianismo (flexetariam) – o indivíduo que migra conscientemente para um consumo menos intensivo em carnes, reconhecendo que mudar a dieta não  é  tarefa do dia para a noite. Vale a pena conferir.

O segundo trata do “direito à  habitação ” e de como o mesmo vem sendo violado – sistematicamente – por um novo modo de produção de moradias (housing) que se tornou “produto” e subordinado inteiramente a  um processo de financeirização versus commodities. Este sistema que implica em incorporadoras transnacionais, e investidores sem rosto,  produz uma nova forma de gentrificação: tomam bairros como Notting Hill, antes de artistas e gente alternativa, fazem retrofits caros, aumentam os aluguéis e expulsam os antigos moradores. Como resultado temos prédios e condomínios inteiros praticamente desabitados,  que estão nas bolsas e nos mercados especulativos: não são moradias, mas “investimentos”. A narradora do documentário é  comissária da ONU e mostra com tintas fortes  – didaticamente  – como isso vem acontecendo em várias cidades do mundo – com o Harlem hispânico e negro  nos  em NYC nos EUA e com São Paulo.

O terceiro e último filme que recomendo muitíssimo é  Ladrões do Tempo, onde de maneira competente e bem filmada,  a documentarista mostra como o “self service” e o “do it yourself” via máquinas e internet –  impôs aos consumidores (com enormes ganhos para quem produz e distribui bens e serviços) uma carga de trabalho absurda, sobrecarregando nosso já  escasso tempo e extraindo uma “mais valia ” que nos passa despercebida.

Com dois efeitos colaterais: eliminação de empregos e perda dos contatos pessoais – uma vez que interagimos como robôs e máquinas.

Tudo em nome da “eficiência”. Mas a responsabilidade dessa eficiência foi jogada em nossos ombros sem contraparte.

Entremeado por falas do intelectual Robert Levine, que publicou o instigante livro Uma Geografia do Tempo, o documentário defende que  nossa “falta de tempo” ou burnout são produzidos:  um modo de produção e consumo do tempo – capitalista  – que deve ser debatido e combatido, pois nos rouba o que temos de mais precioso: o tempo.

Considero quase obrigatório para militantes, professores, estudantes e simpatizantes da causa –  uma boa garimpada na Mostra.

Aprendi muito, e sobretudo me dei conta de que se é  verdade que muitos se dedicam a destruir, é  também fato que há uma outra multidão: a dos descontentes e dos conscientes. É muito bom saber que temos aliados e que a consciência ampliada da grande e inadiável  tarefa à  frente está em todo lugar.

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