Samyra Crespo || Ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Presidenta do Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Um amigo, Eduardo Florence, disse que, cada vez mais
busca, em suas ações, se perguntar por quê? Para quem? E só aí – como?
Pois bem, na minha opinião, na última década temos nos preocupado com o
“como”: viabilizar, ampliar, ser eficiente, otimizar tempo e
recursos. E trabalhar depressa.
Mudar o mundo pelo “como”. Um ambientalismo pragmático. O pano de
fundo? A crise climática e todas as crises a ela associadas. Vamos que vamos, e
de preferência, urgente.
O por quê, parecia óbvio: o agravamento do aquecimento global, um futuro inóspito
e possivelmente incerto para a humanidade.
Mas o diabo mora nos detalhes e a ciência nos ensina, no seu consagrado método
– a buscar o tempo todo a contra prova, a refutação da própria teoria. Ou seja,
não tem ciência sem crítica.
Já o campo das ideologias, seja qual for a bola da vez – como dizia Cazuza em
sua canção – “Eu quero uma pra viver” – a crítica não é benvinda. É o
reino das prescrições e das tautologias. Busca-se o convencimento com uma
bandeira que jamais pode ser questionada. Com fé e convicção buscamos o sucesso
da utopia que acalentamos, não enxergando os bodes na sala.
Pois bem, o documentário Planet of the Humans mostra os bodes e o acúmulo é
razoável. A sala (o contexto) e a utopia (o por quê de tudo, afinal) ficam
descoloridos e sem graça.
O que fazer?
Não tenho nenhuma dúvida sobre a necessidade de se abandonar os combustíveis
fósseis como base energética de nossas sociedades.
Na raiz, não é recurso renovável. Na política, gerou e ainda gera guerras
fratricidas horrendas. Na geopolítica, separa mundos. Nas cidades, criou o
império do automóvel e do ar irrespirável. No meio ambiente, polui e erige
monstros de feiúra (quem pode achar bonita uma máquina de prospecção ou uma
plataforma no mar, ou um navio tanque singrando os oceanos?). E sua queima é um
desastre, em termos do C02 lançado na atmosfera, agravando o aquecimento
global. Seus derivados, entre outras coisas deram origem ao plástico e deste
então, nem preciso gastar minha saliva para apontar os problemas que criou para
todos os seres vivos do Planeta. Dizem os especialistas que, literalmente,
todos os seres vivos estão, na atualidade, comendo micropartículas de plásticos
– com consequências imprevistas para a saúde.
Assim, é natural que nós ambientalistas, aplaudamos todas as modalidades
energéticas menos agressivas que as derivadas da queima de fósseis.
A primeira alternativa viável – antes que mostrasse todo o seu potencial
perigoso e mutagênico, foi energia nuclear.
Nos anos 80 – depois do desastre de Chernobyl – viu-se que a energia nuclear
não era segura, e intensificaram os estudos e projetos em busca de novas
energias.
Nos anos 90 – anos otimistas, promissores para quem ansiava por um novo mundo
“pós guerra fria”, pós materialista, etc, começou a pipocar o
entusiasmo pelas chamadas energias limpas (que não emitem C02, nem metano), e
abundantes na natureza – como a solar e eólica. Mas também se pesquisou a que é
produzida pelo movimento das marés e até por forças telúricas e magnéticas da
Terra .
Inicialmente caros, os equipamentos em processo de desenvolvimento (novos
design e novos materiais) constrangeram grandes iniciativas. Tudo era
experimentação e passível de verificação.
Para nós, o “plus a mais” era a promessa de levar energia barata e
local a milhões de pessoas que vivem em áreas remotas, sem acesso às redes de
energia convencional. Mitigar a pobreza sem aumentar a demanda por energia
fóssil.
Eu mesma acompanhei um projeto na Argentina que tinha como meta levar um milhão
de fornos solares a comunidades indígenas e tradicionais que ainda usavam
carvão e esterco seco de animais para cozinhar ou aquecer no inverno. O mesmo
na Índia.
Era vice-presidente do Conselho do Greenpeace Brasil durante a campanha para
levar os painéis solares para as áreas remotas da Amazônia. Em muitas destas
vilas e aldeias – há apenas um gerador a diesel que fornece energia por poucas
horas ao dia. Cozinha-se com lenha e gravetos secos retirados dos mangues ou
córregos.
Naquele momento, o “para quem” parecia claro e indiscutível.
Arregaçamos as mangas.
Com a crise de 2008 e com o petróleo alcançando preços absurdos, a alternativa
de um uso massificado das energias renováveis entusiasmou empresas, governos e
por que não dizer, a opinião pública informada. O boom aconteceu.
Eu mesma liderei uma campanha, na Rede Brasileira de Mulheres Líderes pela
Sustentabilidade, de 2011 a 2013, para adoção da energia solar em escolas, hospitais
e universidades. Visitei, encantada, o parque eólico do Ceará, um dos estados
brasileiros que mais investiu na autonomia energética.
Confesso que o barateamento dos equipamentos era o nó górdio – os empregos
verdes, a cereja do bolo. Nunca nos preocupamos com o processo propriamente
dito dos painéis, das turbinas ou das fazendas solares. Claro, não desejávamos
uma dependência da China ou da Alemanha, da Suécia ou da Holanda, principais
exportadoras dos painéis e turbinas.
Ano a ano acompanhamos a evolução no desenvolvimento dos equipamentos e da
logística de implantação.
Com relação ao balanço energético, percorrendo toda a cadeia da produção,
geração e distribuição da energia, tanto solar como eólica, o rastreamento e a
contabilidade precisam ser feitos.
Provavelmente teremos que refinar nossos instrumentos de verificação, buscar
tecnologias mais brandas.
Mas, é o caso de se jogar fora a criança com a água do banho?
Decerto que não. A indústria petrolífera e o fornecimento de energia com base
em fósseis tem uma longa história em seu desenvolvimento.
A história das energias limpas ou renováveis está apenas começando.
Evidentemente, a transição energética – em curso – tem seus detratores e
contraria interesses. Notadamente os da indústria petrolífera (que elegeu o
governo Trump) e no Brasil também os da hidroeletricidade (que merece todo um
comentário à parte, que farei oportunamente)
Seus benefícios, à primeira e segunda vistas são infinitamente superiores a de
outras modalidades. Abundantes em quase todas as regiões da Terra, renovável e
com equipamentos cada vez mais baratos e eficientes, elas podem ainda cumprir a
promessa que esteve no horizonte, desde o início da empreitada: liberar da
queima de fósseis, recurso poluente e finito.
O documentário de Gibbs e Moore seleciona arbitrariamente casos de engodo e
green washing que devem ser combatidos, e não contempla o contraditório.
Carrega nas tintas e faz o seu ponto sensacionalisticamente. Ao agir assim, usa
das mesmas técnicas dos que fabricam fake-news: meias verdades, meias mentiras.
Constrange, detrata, cria antipatia quando poderia servir de crítica construtiva,
edificante.