Elisa Homem de Mello | Fundadora da EBVB Sustentatabilidade. Correspondente da ECO21 em São Paulo
Em meados de Agosto, a gestão do Governador João Doria (PSDB), de São Paulo, informou à respeito da intenção de extinguir em 2021 dez autarquias e fundações, entre elas a Fundação Florestal (FF), ligada à Secretaria da Infraestrutura e Meio Ambiente. A decisão foi anunciada pelo Secretário de Projetos, Orçamento e Gestão do governo estadual, Mauro Ricardo. A iniciativa faz parte de um conjunto de medidas previstas para enfrentar a queda na arrecadação do Estado causada pela pandemia do COVID-19, que, segundo o Secretário, para 2020, deve resultar em um déficit de cerca de R$ 27 bilhões ao Estado. Apenas 3 instituições foram mencionadas: a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), a Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) e a FF.
A crise da pandemia tem mostrado a importância do conhecimento científico e de tratarmos com mais respeito a natureza e nossos iguais. Para muitos, a FF, criada em 1986 para ser um órgão de apoio ao Instituto Florestal (IF), atua de forma contundente na geração de informação e na prática do manejo florestal e conservação ambiental paulista, em especial, a partir de 2006, quando foi criado o decreto que instituiu o Sistema Estadual de Florestas (SIEFLOR).
Com estas ações o Governo de SP está colocando em risco o patrimônio ambiental e cultural do Estado, fragilizando todo o Sistema Ambiental paulista e comprometendo bens que são do povo, desconsiderando inclusive a questão humanitária relativa ao seu quadro funcional. A ideia de limites de crescimento já vem sendo discutida e implementada em diversos países, desde a década de 60, e o valor dessa socioeconomia tem ganhado cada vez mais espaço nas discussões governamentais e, atualmente, está intimamente ligado ao “novo normal” imposto pela pandemia daqui para frente e para sempre.
A FF administra 102 Unidades de Conservação que compreendem 15 Estações Ecológicas, 34 Parques Estaduais, 33 Áreas de Proteção Ambiental, entre outras. Já o IF administra 10 estações ecológicas, um parque estadual, 18 estações experimentais, 2 viveiros florestais, 2 hortos florestais e 14 florestas estaduais, totalizando mais de 51,5 mil hectares, conservando áreas de Mata Atlântica, Cerrado e plantios experimentais. Portanto, abandonar os institutos de pesquisa, negando a ciência, pode se tornar uma política desastrosa para o futuro do Estado de São Paulo.
Novo Inventário Florestal do ESP aponta crescimento de 214 mil hectares de vegetação nativa no território paulista
Segundo o site do IF, em dez anos, SP aumentou em 4,9% a cobertura de áreas de vegetação nativa. Vale lembrar que até a década de 90 o Estado registrava déficits. Divulgado pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), no último dia 23 de Julho, o Inventário aponta que o Estado de São Paulo possui 5.670.532 hectares de vegetação nativa em vários estágios de recomposição. A área equivale a 22,9% do território paulista. Também lançado em Julho, o relatório da SOS Mata Atlântica já apontava desmatamento zero, em 2019, da floresta em questão. Com os dados globais sobre a vegetação nativa pode-se afirmar que, ao longo da última década, os paulistas têm conseguido aumentar, de forma cautelosa, o volume de áreas naturais, com responsabilidade compartilhada entre todos os agentes sociais. No último mapeamento (feito em 2010) foi registrado 17,5% do Estado com vegetação nativa. O levantamento atual utilizou satélites mais modernos com alta resolução espacial, que conseguem aferir detalhes da superfície terrestre e detectou 185 mil fragmentos a mais que o mapeamento anterior, por conta da precisão de detecção. É fato que para guiar as políticas públicas de proteção e conservação de nossa biodiversidade, e orientar ações do licenciamento, fiscalização e do uso sustentável de nossos ativos naturais pelos proprietários rurais, gestores públicos e sociedade civil é imprescindível um levantamento constante da realidade florestal do Estado, visão esta também compartilhada pelo Subsecretário de Meio Ambiente, Eduardo Trani.
“Desde o primeiro levantamento florestal, feito em 1990, o Inventário tem fornecido suporte científico fundamental para o desenvolvimento sustentável de projetos e intervenções de base florestal, feitos pelos agentes econômicos. O estudo aponta a percepção dos municípios, que têm realidades bastante distintas em função dos biomas em que estão inseridos, e a dinâmica de ocupação do solo pelas atividades econômicas ao longo das últimas décadas. Dos 645 municípios paulistas, 48 encontram-se em gradientes acima de 50% do território coberto com vegetação nativa, 151 na faixa entre 20 e 50%, 97 na faixa entre 15 a 20%, 216 na faixa entre 10 e 15% e 133 estão na faixa com menos de 10% de cobertura vegetal nativa. Há uma grande heterogeneidade na ocupação espacial do território paulista, o que exige políticas diferenciadas para cada região”, aponta o Inventário, que conclui: “por fim, registra-se que o Inventário Florestal/2020 constitui a base de dados oficial para a gestão dos ativos ambientais florestais no Estado de São Paulo, assegurando ao setor público e à iniciativa privada as condições indispensáveis de segurança jurídica e orientação prospectiva da política pública de desenvolvimento sustentável, com proteção à biodiversidade e resiliência climática”.
Números
Em nota, a Secretaria de Governo respondeu que a iniciativa será submetida à Assembleia Legislativa. “O Governo do Estado prepara um conjunto de medidas, que será submetido ao legislativo, para a modernização administrativa e equilíbrio fiscal das contas públicas de São Paulo, com o objetivo de evitar um déficit estimado em R$ 10,4 bilhões para 2021 e garantir o pagamento de fornecedores e salários, além de aumentar a capacidade de investimento. Desta forma, São Paulo se antecipa, sem qualquer prejuízo às atividades e serviços geridos pela Administração Estadual.
Entretanto, o Instituto Florestal é um órgão da administração direta não sendo uma entidade descentralizada. O custo anual do IF é de R$ 3.260.859,00, o que corresponde a 0,01% do déficit que o Governo quer equacionar. Por outro lado, o Instituto tem previsão de gerar R$ 18.551.653,00 em 2021. Cabe ressaltar que a Instituição gera recurso próprio, através do Programa de Produção Sustentada, não apenas para o próprio Instituto, mas para outros órgãos do Estado.
Sobre o Instituto Florestal
O IF é uma das instituições ambientais mais antigas do Brasil. Atuante desde 1896, teve papel marcante na conservação, pesquisa, produção, e desenvolvimento florestal do Estado, influenciando ações e políticas de âmbito nacional. Sediado no Parque Estadual Alberto Lofgren (Horto Florestal) desde a sua origem quando essa área foi desapropriada e adquirida para esta finalidade, o Instituto é o responsável direto pela criação e amplo desenvolvimento de uma rede de Unidades de Conservação (UCs) com quase um milhão de hectares, contribuindo para que São Paulo seja o Estado que mais preserva Mata Atlântica no Brasil e detenha hoje um patrimônio natural de valor universal, de grande significado, tanto para o bem-estar da população quanto para a economia.
O IF também atua na Defesa do Estado, embora nenhum centavo dos R$ 5,8 bilhões previstos esta Pasta mencionem o Instituto. Em 2019, foram consolidados 9.689 autos de Flora, sendo que destes 40% referem-se a autos com supressão de vegetação, totalizando 4.335 hectares. A partir de cada Auto ou AIA, gera-se um processo administrativo, que em determinado momento conciliatório com o autuado prevê o Atendimento Ambiental com a possibilidade de interposição de recurso; julgamento dos recursos; execução das penalidades incluindo aplicação das multas e a regularização das atividades ou a reparação dos danos ambientais causados. Para 2020, já foram lavrados 12.040, sendo que destes aproximadamente 4.100 Autos são referentes a categoria Flora.
Em contraposição com a Pasta de Educação, que deixará de receber o montante acima, durante o período de isolamento social, imposto pela pandemia causada pelo COVID-19, o IF tem atuado de maneira constante. Videoconferências, dentre elas “Arte, Meio Ambiente e História e o papel do Museu na confluência destas diferentes áreas”; palestras ministradas virtualmente no Café Virtual do IF; lançamento de livros e até uma exposição virtual com desenhos e aquarelas de ilustradores.
Não se trata de questionar a necessidade de o Estado equilibrar suas contas, mas dentre outras, o déficit na arrecadação paulista não é causa, e sim consequência de uma visão míope sobre o que a riqueza natural e os recursos vivos têm a ver com o Estado de São Paulo e com a vida e a economia do país.