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Devastação ambiental e a urgência de um Green New Deal por Lizst Vieira

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Por Lizst Vieira

Pelos padrões de um país civilizado, o Governo Brasileiro já teria recebido cartão vermelho há muito tempo. O desmatamento e as queimadas na Amazônia e, agora, o catastrófico incêndio no Pantanal têm origem criminosa. A floresta é devastada, o ecossistema é destruído por ações intencionais com o objetivo de abrir pastagens e áreas para a pecuária e agricultura de exportação. Além de soja e carne, madeiras nobres e mineração completam o ciclo da economia primária de exportação. A natureza é devastada para produzir lucros a curto prazo, muitas vezes sem pagar imposto nem dívidas, como sói acontecer com as empresas rurais do agronegócio.

No Pantanal, já foram queimados quase 3 milhões de hectares, animais morreram em grande quantidade, fumaça negra chega às cidades, mas só foram mobilizados 136 brigadistas de incêndio, entre os quais alguns voluntários. Dos cerca de 336 mil soldados existentes no país, o Governo não enviou nenhum para combater o fogo no Pantanal.

O delegado da Polícia Federal responsável para apurar a origem dos incêndios no Pantanal afirmou que “Não pode ser acidente, o fogo nesse caso seria para a queima da mata nativa para fazer pasto” (UOL, 15/9/2020). Os fazendeiros, pecuaristas, garimpeiros, mineradores, madeireiros têm as costas quentes, contam com a simpatia e o apoio do Presidente Bolsonaro que, em discursos oficiais, criticou a “fiscalização xiita por parte do ICMBio e do IBAMA”. Por isso, desmatam e queimam florestas impunemente. Bastava prender um deles, e os demais recuariam. Mas ninguém foi preso. Ao contrário, receberam estímulos nos discursos e nos atos do Presidente e de seu Ministro contra o Meio Ambiente.

A pecuária extensiva e o agronegócio baseado na agricultura industrializada e globalizada para a plantação de soja transgênica provocam desmatamento e queimadas, levando a emissões de gases de efeito estufa e a doenças crônicas. Como sempre diz a indiana Vandana Shiva, famosa ambientalista, fazemos parte da natureza e a violência contra ela retorna como um dano à humanidade na forma de pandemias e mudanças climáticas.

Por detrás dessa visão de destruir a natureza existe uma antiga concepção cartesiana do século XVII: o homem é o senhor e mestre da natureza. O homem é o sujeito e a natureza, seu objeto. Essa separação radical impediu a compreensão holística da íntima integração entre o homem e a natureza. Com o desenvolvimento das forças produtivas promovida pelo capitalismo, a destruição da natureza foi levada ao paroxismo, provocando desastres ecológicos e danos à saúde humana. As novas epidemias de doenças infecciosas, como a COVID-19, são em geral resultado da liberação de vírus pela destruição de ecossistemas florestais.

Segundo um memorando interno que vazou do JPMorgan Chase, o maior banco dos EUA, “a sobrevivência da humanidade está em risco seguindo nosso curso atual”, referindo-se especificamente à política genocida do banco de financiar a produção de combustível fóssil. Ou seja, o Banco admitiu, interna corporis, o que os cientistas e ambientalistas do mundo inteiro estão denunciando.

Um relatório encomendado pelo Governo francês a uma comissão de especialistas concluiu que o custo ambienal do Acordo entre o Mercosul e a União Europeia supera os benefícios econômicos. Ou seja, a perda, medida a partir de emissões suplementares de CO2, de US$ 250 por tonelada, supera em muito o ganho econômico (O Globo, 18/9/2020).

A sobrevivência da humanidade está ameaçada pela destruição dos recursos naturais indispensáveis à vida humana como, por exemplo, as florestas e os rios, pela destruição dos habitats animais causada pelo desmatamento e invasão humana, bem como pela destruição do habitat remanescente por força das crescentes ondas de calor, secas e inundações. Essa destruição leva ao contato íntimo de espécies animais com aglomerações humanas, e micróbios animais benignos se transformam em patógenos humanos mortais.

A crise global trazida pela pandemia do coronavirus fortaleceu a proposta de um New Deal Verde – um programa que inclui redução de emissões de gases de efeito estufa, expande fontes de energia renováveis, atende às necessidades de trabalhadores vulneráveis, promove o crescimento econômico sustentável e igualitário – na contramão da política predominante de priorizar a energia produzida pelo combustível fóssil, vilão do aquecimento global.

A produção econômica do capitalismo, assim como ocorreu com o socialismo realmente existente, provoca a destruição do meio ambiente. Em recente entrevista (Boston Review, 16/9/2020), Noam Chomsky e Robert Pollin advertem que a proposta, justa e necessária, de acabar com o capitalismo enfrenta um problema fundamental: o tempo. A destruição do capitalismo é impossível no prazo necessário para evitar a catástrofe ecológica que já ameaça a sobrevivência da humanidade.

Segundo eles, o Programa New Deal Verde é a única abordagem para estabilizar o clima capaz de reverter a crescente desigualdade e barrar o neoliberalismo. Além disso, acrescentamos, barrar também os governos autoritários de Estado forte que incentivam os combustíveis fósseis. É bom não esquecer que a maioria dos ativos de energia do mundo já são de propriedade pública. A simples estatização não garante emissões líquidas zero até 2050, conforme a proposta oficial do IPCC (Painel Internacional de Mudanças Climáticas).

Conforme Chomsky e Pollin assinalam, aumenta em toda a parte a luta contra o aquecimento global. A greve climática de setembro de 2019, liderada pela adolescente sueca Greta Thunberg, mobilizou cerca de 7 milhões de pessoas em 4.500 localidades de 150 países. A Comissão Europeia aprovou oficialmente seu projeto de Green Deal e, no início de 2020, os dois órgãos legislativos da UE, o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu, votaram a favor do projeto. Em junho de 2019, o estado de Nova York aprovou o mais ambicioso conjunto de metas climáticas do país, incluindo eletricidade sem carbono até 2040 e uma economia com emissões zero até 2050. Essa iniciativa foi seguida por diversos Estados norteamericanos.

Mas os movimentos em defesa do clima ainda são fracos na maioria dos países de baixa e média renda, embora o ativismo esteja crescendo, desenvolvendo coalizões entre ambientalistas, sindicatos e setores empresariais. Afinal, a poluição do ar está tornando inabitáveis grandes metrópoles como Delhi, Mumbai, Xangai, Pequim, Lagos, Cairo e Cidade do México. Um fator chave para o avanço desse movimento é demonstrar como a estabilização do clima pode se harmonizar com a expansão do emprego e redução da pobreza.

No caso do Brasil, a oposição, fragmentada, não tem força para derrubar o governo Bolsonaro. Uma pressão externa, porém, pode talvez ser mais efetiva. Investidores europeus já ameaçaram tirar dinheiro do Brasil por causa do desmatamento (Folha de SP, 19/6/2020). Um grupo de oito países europeus, liderado pela Alemanha, enviou carta aberta ao vice-presidente Hamilton Mourão, alertando que o desmatamento da Amazônia dificulta a compra de produtos brasileiros (O Globo, 16/9/2020).

No plano interno, representantes do agronegócio, do setor financeiro e de ONGs de defesa do meio ambiente enviaram uma carta conjunta ao governo federal para cobrar ação contra o desmatamento. As 230 organizações que assinam a carta sugerem seis ações para uma “queda rápida” nos crimes ambientais que prejudicam imagem do país no exterior, principalmente o desmatamento da Amazônia: aumento da fiscalização, suspensão de cadastro rural em terras protegidas, proteção de áreas ameaçadas, critério ambiental para crédito rural, transparência na emissão de licenças e suspensão de regularização fundiária (O Globo, 15/9/2020).

Até agora, o Governo está “pagando para ver” e nega a devastação ambiental contra todas as evidências. Enquanto a pressão externa e interna ficar limitada a cartas de protesto, não haverá mudanças. Mas se os governos europeus pressionarem as empresas importadoras de produtos brasileiros, mediante taxação ou outra forma qualquer de punição, o agronegócio e todo o setor agrário exportador vai sofrer uma importante perda econômica. Mesmo contando ainda com o apoio dos militares e evangélicos, a retirada do apoio de importantes setores do mercado pode ameaçar a sobrevivência do Governo Bolsonaro. Não se pode afirmar se isso vai ou não ocorrer, mas a corda está esticando.

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