Júlia de Freitas || Jornalista do Instituto Mamirauá
Jararacas, corais e jiboias são espécies que fazem parte do imaginário popular sobre a floresta amazônica. Pouco se sabe, entretanto, como essas e outras espécies de répteis se distribuem no ecossistema amazônico.
Uma pesquisa do Instituto Mamirauá fez um levantamento das espécies de répteis e suas respectivas quantidades em diferentes áreas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, unidade de conservação localizada na região do Médio Solimões, na Amazônia Central.
Grande número de répteis
O Brasil tem o terceiro maior número de répteis do mundo, com 795 espécies descritas. Destes, 753 são espécies de répteis escamosos (lagartos, cobras e anfisbênias), dentre quais 44% têm ocorrência na Amazônia brasileira – correspondendo a 189 espécies de cobras e 140 de lagartos. Devido ao grande número de espécies crípticas e a constante descoberta de novas espécies em diversas regiões do país, cientistas acreditam que este número deve ser ainda maior.
A pesquisa
A Reserva Amanã possui áreas de terra firme e de florestas alagáveis ao sul da Unidade, onde se conecta à Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, área de várzea, ecossistema que mantém as florestas alagadas por cerca de seis meses.
Em um ano de coleta na unidade de conservação, foram identificados 512 espécimes de cobras e lagartos que totalizaram 39 espécies identificadas na terra-firme e 30 nas matas alagadas de várzea.
A pesquisa atestou um padrão já conhecido pelos cientistas para os ambientes terrestres amazônicos: enquanto a terra firme é mais rica em número de espécies, a várzea tem maior quantidade de animais. “A terra firme possui maior número de espécies porque é um ambiente altamente complexo, permite nichos diferentes, mas, em compensação, os recursos são limitados. A várzea é mais homogênea por ser um ambiente que alaga todos os anos, o que restringe a ocorrência de um grande número de espécies, com exceção das espécies aquáticas. Mas quem consegue se estabelecer lá tende a ter uma população maior, pois o ambiente é superprodutivo”, diz o autor da pesquisa, o biólogo e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Ecologia de Vertebrados Terrestres (Ecovert), Iury Cobra.
Apesar de corroborar com este padrão, a pesquisa demonstrou uma diferenciação menor que a esperada entre os hábitats estudados: houve uma semelhança grande na diversidade de espécies. Iury defende que o resultado é decorrente da proximidade entre as áreas amostradas. “A Reserva Amanã possui uma grande área de transição entre a terra firme e a várzea, assim esses dois ambientes estão muito próximos”, explica.
Adaptações da fauna
Na várzea, pesquisadores já observaram em espécies de ampla distribuição hábitos únicos e estritos a este ecossistema amazônico. São os casos do jabuti que nada e da onça-pintada que vive nas copas das árvores durante a época de cheia e alagação das florestas. O pesquisador sugere que estudos futuros podem mostrar que outras espécies de répteis também podem estar alterando o seu comportamento como resposta ao pulso de inundação da região.
A jararaca, de nome científico Botrops atrox, é um exemplo. O animal foi a espécie de cobra mais encontrada na área de várzea durante a pesquisa e já deu sinais de que passou, neste ambiente, a realizar mudanças comportamentais: a espécie conhecida como de hábito terrícola, ou seja, que passa a maior parte do tempo no solo, vive grandes períodos em árvores durante as cheias, apresentando comportamento exclusivamente arborícola por mais de três meses todos os anos.
Importância da pesquisa para conservação
De acordo com o cientista, a pesquisa se destaca por comparar a diversidade entre os dois ecossistemas diferentes. “É mais comum pesquisas para estes grupos com coletas sistematizadas em terra firme ou com coletas esporádicas em várzea, dificultando a comparação ecológica dos ambientes, principalmente porque os esforços realizados entre os ambientes ou estudos não são padronizados”, explica Iury.
A comparação é importante porque pode mostrar como a mesma espécie habita ambientes diversos e, assim, demonstrar a influência do ambiente nos comportamentos dos animais. “A biodiversidade da várzea e da terra firme são complementares e, ao mesmo tempo, muito diferentes. Quando se pensa em estratégias de conservação, é preciso priorizar os blocos de mosaicos de áreas e não somente a área grande de apenas um ecossistema. Lógico que o tamanho da área sempre será fator importante e estratégico para a conservação, mas quanto mais variação ecológica houver dentro destas áreas, mais específico e refinado vai ser o processo de conservação da biodiversidade. Isso é essencial para repensarmos as características de uso para cada um desses ambientes seja para exploração econômica, de políticas públicas ou de conservação da fauna e flora”, finaliza.
O trabalho conclui que os resultados indicam que a população de espécies na região é determinada pela complementariedade de espécies entre os dois tipos de florestas. “Diferenças na biodiversidade entre os dois tipos de florestas podem ser explicados por fatores ecológicos e históricos, indicando que a manutenção de ambos os hábitats é importante para proteger a biodiversidade a região. ”
O artigo, denominado “Diversity of reptiles in flooded and unflooded forests of the Amanã Sustainable Development Reserve, central Amazonia” foi publicado em 2019 pela Herpetology Notes.