Alfredo Sirkis morreu hoje 10/07 aos 69 anos num acidente de carro no Arco Metropolitano, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Ambientalista, escritor, jornalista e candidato à presidência da República pelo PV em 1998.
Em homenagem ao querido amigo da ECO21, reproduzimos uma entrevista de Lúcia Chayb realizada em 1998 e publicada na nossa edição de número 35.
Entrevista feita com Alfredo Sirkis – O Partido Verde na disputa presidencial
Lúcia Chayb | Diretora da ECO-21 Edição 35 Julho – Agosto 1998
Alfredo Sirkis, 47 anos, escritor, ex-Secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, é um dos fundadores do Partido Verde – PV, o qual preside desde 1991. Atual candidato a Presidente da República pelo Partido Verde. Exilado durante 9 anos, na época do regime militar, ele regressou ao país com a anistia de 1979. Lançou seis livros; Os Carbonários ganhou o Prêmio Jabuti de 1981. Também é roteirista de cinema e televisão.
Exerceu dois mandatos como Vereador e depois foi o criador da Secretaria de Meio Ambiente do Rio de Janeiro entre 1993 e 1996.
Foi o construtor das ciclovias cariocas, criador da Guarda Ambiental e coordenador dos mutirões de reflorestamento nas favelas cariocas. Sua candidata a vice é Mary Allegrette com 49 anos é uma especialista nos problemas da Amazônia. Dirigiu o Instituto de Estudos Amazônicos – IEB de Curitiba e foi a principal auxiliar de Chico Mendes nos seus contatos internacionais. Consultora da ONU e do BID, foi Secretária de Planejamento do Estado do Amapá.
Alfredo Sirkis nos concedeu esta entrevista no seu escritório, na Cinelândia, no Rio de Janeiro.
Por que o Partido Verde decidiu lançar candidato próprio para a Presidência?
Numa eleição em dois turnos é importante que, no primeiro, o conjunto de forças políticas com uma proposta própria possa se apresentar. Só seria possível apoiarmos outro candidato se houvesse realmente um alto grau de identidade. Mas Lula, Brizola, Arraes, Ciro Gomes, nem Fernando Henrique Cardoso são capazes de representar, legitimamente, a aspiração das pessoas que se identificam com a causa verde no Brasil. Tentamos um acordo com Ciro Gomes, que nos parecia o mais moderno, mas ele não foi capaz de assimilar nossas preocupações, abrir espaços.
Seis anos depois da RIO’92, com tudo que se tem noticiado, discutido, escrito, lido, sobre a questão ambiental e a necessidade do desenvolvimento sustentável, os políticos brasileiros de direita, centro e esquerda continuam sem atribuir-lhe muita importância. Quando muito mencionam assim de passagem, com uma certa má vontade, como quem faz concessões a um modismo.
O PV entrou na campanha muito tarde, e sem recursos, não teme um resultado decepcionante, como em 1989?
Minha geração passou por coisas bem mais difíceis. Quando éramos um punhado de jovens, isolados, lutando contra todo aquele poderio da ditadura, com toda a imprensa censurada ou contra nós… comparando com aquilo, tudo o mais é refresco. Sou um lutador de causas difíceis. Estou perfeitamente preparado para um resultado exíguo, se for o caso.
Se tiver menos que 1% isso não vai abalar em nada minha autoestima, vai ser bola pra frente. Nas eleições presidenciais há uma forte tendência ao chamado “voto útil”. Por outro lado perdemos demasiado tempo com nossa tentativa de aliança e partimos de uma situação de penúria extrema.
Se FHC tem garantidos os 73 milhões de Reais que declarou, nós não temos, literalmente, um tostão furado. Mas estou perfeitamente Zen em relação a isso. Se estou preparado para um resultado magro, também estou preparado para eventualmente provocar uma surpresa. Podemos fazer bonito. Não é impossível.
Há um grande contingente de pessoas que quer votar diferente; que está descontente com FHC mas não se identifica com Lula nem com Ciro e muito menos com Enéas que deixou de ser o protesto anti-políticos, para se assumir como um representante de extrema-direita. 12% dos pesquisados pensam votar nulo ou branco e é aí que vamos, num primeiro momento, tentar conquistar nossos votos.
Há muita gente querendo votar diferente, marcar sua identidade e há também um contingente crescente de pessoas que se identificam com as mensagens do PV.
Como fazer campanha eleitoral sem recursos?
Nós, verdes, defendemos o financiamento público das campanhas, para acabar com toda essa influência do poder econômico e com toda essa hipocrisia. Por outro lado acho que existe um setor empresarial que, em tese, deveria ter muito interesse em apoiar o PV.
Penso no pessoal de energias limpas, tipo gás natural, solar, eólica; penso nos fabricantes de equipamentos antipoluição, penso no pessoal de saneamento básico, reflorestamento, arborização… quanto mais forte for o PV, mas será estimulado o setor da economia onde eles atuam. E os fabricantes de bicicletas? Por que não?
No Rio nunca consegui apoio deles para as ciclovias… Mas, nunca é tarde.
Com você o PV parece ter mudado de postura; ficou menos “alternativo”?
Muita gente ainda pensa no PV como algo meio riponga, bicho-grilo, essas coisas. Nunca fomos isso, mas no início, lá para 1985, 1986, atraímos um bocado de gente assim.
Hoje é diferente. O PV é um partido de pessoas sensatas, criativas, que realizam coisas, sobretudo no plano do poder local.
Temos um governador: Vitor Buaiz. Vinte prefeitos de municípios como Rio Claro, como Miracema, no Rio de Janeiro. Prefeitos que estão fazendo um trabalho sério, reconhecido. Temos mais de cem Secretários de Meio Ambiente e duzentos vereadores.
O trabalho que Fernando Gabeira está fazendo no Congresso vem despertando o respeito e a admiração até mesmo dos adversários. Ele hoje é uma referência no Congresso. Vamos sair destas eleições, se Deus quiser, com uns cinco deputados federais e uns quinze estaduais.
É verdade que atualmente privilegiamos mais as questões socioambientais e econômico-ecológicas, do que os famosos temas comportamentais…
Mas como ficam aqueles famosos temas malditos, tipo drogas? O PV vai abandoná-los?
Não é questão de abandonar. O fato é que comportalmente o País avançou. No caso das drogas, por exemplo. A Câmara de Deputados aprovou, por consenso, uma nova Lei de entorpecentes negociada entre Fernando Gabeira e Elias Murad, as duas posições opostas, o que é um avanço real. Não é tudo que propomos mas representa um grande avanço. Nós nunca defendemos nenhum tipo de droga, seja lícita, seja ilícita.
Mas não concordamos que um jovem seja achacado ou preso e tratado como um criminoso, jogado numa cela, estuprado, só porque foi pego fumando canabis sativa. Agora usuário não poderá mais ser preso, por simples uso. Pagará multa, o que pode ser mais eficaz. A ênfase será na educação, na prevenção. Essa Lei precisa ser aprovada. O tema perdeu sua cadência porque a sociedade avançou. Também o machismo e o racismo sofreram derrotas no plano cultural. A perseguição a pessoas por sua opção sexual hoje é menor.
Agora, a situação ambiental, essa, em muitos casos piorou. Piorou, por exemplo, em relação à Amazônia – nunca se devastou tanto – em relação à Mata Atlântica, ao Pantanal e, sobretudo, à ação institucional do Governo Federal.
Melhorou em relação às questões de ecologia urbana. Melhorou a consciência ecológica nas cidades, na mídia, no próprio meio empresarial, sobretudo nas empresas de ponta, preocupadas com a ISO 14000. Porém, na Amazônia entraram as madeireiras asiáticas; aumentou o número de assentados dessa reforma agrária fajuta e, além do mais, as condições climáticas, junto com a imprevidência do governo, provocaram consequências funestas neste ano.
É preciso tomar medidas duras como a expulsão destas madeireiras que já acabaram com a floresta tropical úmida do sudoeste da Ásia. Uma moratória de 5 anos da extração madeireira, nas áreas críticas e um intenso envolvimento das Forças Armadas na defesa deste ecossistema. Em português claro: repressão, paulada, dentro da lei, é claro.
Mas só a repressão não seria solução porque temos o problema social das pessoas pobres que vivem da atividade madeireira ilegal e do garimpo. Então ao mesmo tempo em que damos a cacetada, e ela deve ser dura, a nova Lei de Crimes Ambientais ajuda, devemos criar frentes de trabalho ecológicas para essas pessoas. Frentes de recomposição vegetal e reflorestamento, financiamento vantajoso para culturas de tipo extrativista, coisas assim. E depois uma estratégia de estímulo econômico a um novo ciclo baseado no extrativismo não predatório: borracha-subsidiada – , castanha, juta, babaçu, açaí e, naturalmente, milhares de possibilidades farmacêuticas oriundas da biodiversidade. Depois temos o potencial ecoturístico. Para desenvolver economicamente a Amazônia há alternativas muito melhores do que a pecuária de péssima qualidade, ou a devastação madeireira, ou uma agricultura de subsistência desassistida, indigente, que produz queimadas. Para isso é preciso, sobretudo vencer a batalha política local contra as máfias políticas da Amazônia.
Quais as prioridades do seu programa?
Estou preparando, com minha vice, Mary Allegrette, um anteprojeto de programa que será colocado na Internet e discutido nacionalmente. Temos algumas prioridades: geração de empregos através de projetos de preservação, recuperação e educação ambiental; saneamento básico, catação e reciclagem do lixo em comunidades pobres, reflorestamento, arborização, educação ecológica e sanitária, tudo isso dá trabalho para a parcela mais atingida da população, o pessoal não qualificado. Outra coisa fundamental: apoiar a Agenda 21 Local e dar mais poder, muito mais poder aos municípios.
A equipe econômica de FHC quer diminuir o repasse aos municípios…
Defendo justamente o contrário. Acho que temos que promover reformas constitucionais buscando uma municipalização radical. Radical mesmo. Brasília nunca vai resolver os problemas do Brasil. O poder real do Governo Federal, do Presidente da República, sua capacidade de resolver os problemas, reais, do dia-a-dia, os que realmente contam é pra lá de limitada. Quem pode resolver os problemas de educação, saúde, meio ambiente urbano e periférico, transporte e parte da segurança é o poder local; os municípios articulados com a sociedade civil organizada e com os setores do empresariado ligados à metodologia da Agenda 21. O papel do Governo Federal é repassar recursos e atribuições, enxugar-se a si próprio, parar de atrapalhar, dar assistência técnica e cuidar de aspectos macro. Solucionar é micro. Não atrapalhar a possibilidade dos municípios e da população organizada solucionar os seus problemas é macro…
O que deveria passar para os municípios?
Do social, tudo. O governo tem que ter mecanismos de controle, mas a aplicação prática é feita melhor pelo município que é mais fácil de fiscalizar por parte da população do que os burocratas de Brasília. A saúde toda, a educação, o trânsito e o transporte, o saneamento e a distribuição de água e, em alguns municípios grandes, o policiamento preventivo. Temos também que estimular novos tipos de organização institucional que ficam num nível intermediário entre estado e município: região metropolitana, consórcios intermunicipais, comitês de bacia hidrográfica. Autoridades especiais para ecossistemas que cobrem vários municípios ou estados: por exemplo, uma Autoridade para as baías de Guanabara ou de Todos os Santos… para o Rio São Francisco.
E a situação global? O Real pode resistir à desordem internacional?
O terrível nos tempos que correm é que há fatores externos, imprevisíveis, que de uma hora para outra podem provocar um estrago terrível. Imagine se a Rússia quebra, ou se o Japão entra em crise? O mundo é terrivelmente volátil e não há racionalidade alguma no que está acontecendo. Também não adianta maldizer a globalização e tentar se fechar de novo com uma política de volta aos anos 50, isso provocaria uma crise social tremenda.
O grande inimigo da humanidade já não são tanto os arsenais atômicos, embora ainda sejam preocupantes, o inimigo é o descontrole sobre os movimentos do capital especulativo. Um trilhão e meio de dólares são girados diariamente em especulação contra divisas e outras modalidades. Nunca houve tanto dinheiro, no mundo, na mão do setor privado, do qual apenas uma ínfima parte vai para as atividades produtivas ou, de alguma forma, benéficas à humanidade e ao meio ambiente.
O poder dos governos nacionais, mesmo dos países mais poderosos como EUA, Alemanha, Japão é muito limitado. Essa especulação toda, por outro lado, não tem uma lógica a não ser a reprodução, cada vez maior, do capital. Mas a própria figura do capitalista, do financista está desaparecendo em benefício de pequenos funcionários anônimos, descartáveis, que geram impessoalmente fundos de pensão, coisas assim. O dinheiro deixa de ser objeto, passa a ser sujeito, uma metástase possuída apenas pela lógica da auto-reprodução.
Está claro que esse mercado caótico precisa do Estado, de uma Razão de Estado. Mas esse Estado não é mais um Estado nacional. Precisamos de mecanismos supranacionais de controle sobre os capitais especulativos e mecanismos supranacionais para canalizar uma parte deles – uma pequena já seria suficiente – para atividades produtivas que gerem ciclos virtuosos.
Precisamos de uma ONU econômica e ecológica com poderes reais, uma Bretton Woods ecológica para instituir esses mecanismos. Precisamos instituir um regime socialdemocrata transnacional como resposta ao caos neoliberal. Os verdes, enquanto força internacional, disseminada em dezenas de países, vão jogar um papel importante neste sentido, pensando globalmente e agindo localmente.
Por tudo isso acho que temos que criar novas estratégias internacionais e novas parcerias globais, defendendo com unhas e dentes nossos valores culturais. Culturalmente temos que ser verde-amarelos, até a medula. Somos uma sociedade plural, mesclada, misturada, multicultural, etnicamente uma geleia geral e, comparativamente, bem resolvida, em relação a isso. O Brasil é o melting pot que deu certo.
Nossas condições para encarar a globalização são muito favoráveis, desde que nosso projeto nacional esteja bem definido. Não podemos pensar em voltar ao passado, temos que encarar o Terceiro Milênio abertos para o mundo, mas orgulhosos de sermos brasileiros.
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Alfredo Sirkis, era carioca, escritor, jornalista, gestor ambiental e ex-Deputado Federal, que presidiu a Comissão Mista de Mudanças Climáticas do Congresso. Autor do best seller “Os Carbonários”, Prêmio Jabuti de 1981, é autor de sete outros livros. Foi o primeiro Secretário de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (1993-1996), onde construiu a maior rede de ciclovias do País, com quase 160 km, foi Secretário de Urbanismo (2001-2006) e vereador por quatro mandatos, tendo sido o mais votado em 1988. Participou do movimento estudantil de 1968 e, depois, da resistência à ditadura. Foi presidente nacional do Partido Verde entre 1991 e 1999. Entre 1997 e 2001, Sirkis foi vice-presidente executivo da Fundação Ondazul, presidida por Gilberto Gil. Nas eleições de 2010, coordenou a pré-candidatura de Marina Silva à Presidência da República e foi eleito Deputado Federal pelo Estado do Rio de Janeiro com 73.185 votos (0,91% dos votos válidos), o 26º mais votado. Em 2011, lançou o livro “O efeito Marina”, sobre a campanha presidencial de Marina Silva.
Representou o Rio de Janeiro em diversas conferências internacionais — entre as quais, a de Berlim (1995), a de Saitama (1995), a de Seul (2002), a de Paris (2003), a de Atenas (2003) e a de Berlim (2005). Participou da delegação brasileira às Conferências do Clima de Montreal (2005), Bali (2007), Copenhagen (2009), Durban (2011), Varsóvia (2013), Lima (2014), Paris (2015), Marrakesh (2016), Bonn (2017) e Katowice (2018). Foi secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (2016/2019). Atualmente estava em campanha lançando seu novo livro: “Descarbonário”.