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Vontade de um moranguinho sem veneno

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Em recente artigo publicado no site Poder360, o engenheiro agrônomo Xico Graziano, afirmou que os morangos produzidos no Brasil não apresentam mais problemas com resíduos de agrotóxicos, como ocorria há 20 anos. “Pode comer moranguinho à vontade”, sentenciou Graziano. Para chegar a tal conclusão, o agrônomo se baseia em um recorte, um tanto quanto tendencioso, de uma informação constante no relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimente, o PARA, com dados sobre análises feitas de 2013 a 2015.

Até o ano de 2012, a ANVISA publicou anualmente o relatório do PARA, revelando os índices de contaminação por agrotóxicos nos alimentos que chegam à nossa mesa. A publicação informava o percentual de amostras de cada alimento em três categorias:

Cada alimento em três categorias:

1 – sem resíduos de agrotóxicos detectados;

2 – com resíduos de agrotóxicos permitidos, dentro dos limites estabelecidos; e

3 – insatisfatório, ou seja, com resíduos acima do permitido e/ou resíduos de agrotóxicos proibidos para a cultura.

Os resultados do PARA sempre causaram profunda indignação ao agronegócio, por mostrarem claramente à população o nível de contaminação a que estamos expostos. O relatório citado por Graziano, pela primeira vez, demorou 3 anos para ser publicado, e compilou dados de 3 anos de coleta. Mas a grande surpresa foi uma “nova métrica” apresentada pela agência: o potencial risco agudo ao consumo humano. Os níveis de amostras insatisfatórias sempre giraram em torno de 30%, chegando a mais de 90% nos alimentos campeões, como pimentão e o próprio morango em alguns anos.

A ideia da “nova métrica” é mostrar que não importa mais se a amostra analisada possui agrotóxicos proibidos ou acima dos limites: é necessário que ela tenha potencial de causar risco agudo. Ou seja, é a chance de, após comer o moranguinho, o indivíduo sofrer uma intoxicação aguda por agrotóxico.

Este índice, por motivos óbvios, gira em torno de 1%, e no caso do moranguinho de 2013 a 2015, foi de 0,6%. O que não é pouca coisa: de cada 167 moranguinhos, 1 deles pode te intoxicar. Na hora.

Ainda assim, o agronegócio noticiou com estardalhaço que apenas 1% dos alimentos tinha problemas. A manobra foi alvo de uma moção de repúdio do 7º Simpósio Brasileiro de Vigilância Sanitária: “O indicador de risco agudo de intoxicação utilizado pela ANVISA não se encontra amparado pela legislação sanitária brasileira (…)”, afirmou o documento.

E foi além: “1% de risco de intoxicação aguda é inaceitável! Dizemos não ao ocultamento de riscos por métodos que desconsideram as exposições crônicas”. A verdade é que o relatório mencionado por Graziano atesta que 73% das amostras de morango tinham mais agrotóxicos do que o permitido e/ou agrotóxicos proibidos. Apenas 2 amostras entre 157 não apresentaram nenhum resíduo. A ANVISA achou 48 agrotóxicos diferentes nos morangos, sendo o carbendazim o mais encontrado. Este agrotóxico é proibido na União Europeia, e é considerado mutagênico e tóxico para o sistema reprodutivo.

No relatório do PARA de 2012, o percentual de amostras insatisfatórias do morango foi de 59%. Bem melhor do que os 73% do relatório citado por Graziano. No resultado do PARA divulgado em 2019, quando o morango não foi analisado, a ANVISA concluiu que os venenos presentes nos alimentos analisados não causam doenças crônicas. Essa “tortura” dos dados – uma bandeira do atual governo – obviamente não levou em consideração as interações químicas entre as dezenas de agrotóxicos, tampouco que os limites que tornam os alimentos “satisfatórios” partem de estudos produzidos pelas próprias indústrias fabricantes.

A estratégia do agronegócio de minimização do perigo dos agrotóxicos coloca toda a sociedade em risco. Parece, inclusive, bastante adequada ao Governo da “gripezinha”. Enquanto o agronegócio seguir fingindo que come seus moranguinhos à vontade (será que não compram orgânicos?), nós seguiremos denunciando este modelo de envenenamento e morte, e seguiremos produzindo alimentos saudáveis com a agroecologia.

Crédito:

Alan Tygel || Engenheiro e membro da coordenação nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

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