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Ilha dos Arvoredos: a Shangri-lá de Lee

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Elisa Homem de Mello | EBVB Sustentabilidade

Esta é a história de um gênio muito à frente de seu tempo, como definiram os visitantes que chegaram à Ilha dos Arvoredos, recém aberta para o ecoturismo, acompanhados por uma equipe de cientistas da Fundação Fernando Eduardo Lee e do Instituto Nova Maré. É a história de um homem que dizia ser um “empolgado com a Natureza, com a fragrância de suas flores, com o bálsamo de seus aromas, com os horizontes longínquos de suas distâncias, com a transparente profundidade do azul dos seus mares e dos seus céus. Fernando Lee estava certo de que reconhecia na Natureza sua pulsação rítmica, serena e pujante. Uma verdadeira harmonia universal”.

A ilha continental, localizada a 1,6 km da Praia de Pernambuco, na cidade de Guarujá, litoral Paulista, é a responsável pela idealização destas crenças e de um sonho. Engenheiro de formação, Lee era acima de tudo um dos homens mais ilustres e vanguardistas dos últimos tempos. Assim, e por conta de sua influência e visão, o filho de imigrante norte americano, recebeu da Marinha do Brasil a concessão da Ilha dos Arvoredos, em 1950, para estudos científicos em prol da humanidade. 

Mas esta é uma história que começa bem antes disso.

Farol da Ilha dos Arvoredos – Foto: Alexsander Ferraz

Em 1903, nascia Fernando Edward Lee, filho de um expatriado norte americano e de uma brasileira. Os pais de Lee, William e Maria Eugênia, iam bem nos negócios até eclodir o craque da Bolsa de NY, em 1929, que acabou repercutindo mundo afora, inclusive no Brasil. Por aqui, as coisas também andavam tensas com a insatisfação dos Estados de SP, MT e RS em relação às eleições de Getúlio Vargas, e o pai de Lee viu seus negócios ruírem. Lee, que estudava engenharia mecânica nos EUA, na Universidade de Lafayette, em Easton, decide voltar para o Brasil e se alistar como combatente na Revolução Constitucionalista de 1932, ao lado de SP. 

Em Ourinhos (interior do Estado de SP), Lee recebe a patente de Major do Exército Brasileiro e aí cria uma de suas primeiras invenções: um canhão, usando rodas de um Ford velho, eixo de vagão de trem, aro de uma locomotiva da Ferrovia Sorocabana e aço de caldeira. De Ourinhos para o mundo, Lee é premiado no pós guerra, já conta com amigos na NASA e com muitas ideias na mente. Nos anos 50, sobrevoando o litoral paulista, ele avista a Ilha dos Arvoredos pela primeira vez. A Ilha tinha formato de leão, ele era de Leão e viu ali a possibilidade de criar um laboratório a céu aberto com o objetivo de promover a sustentabilidade e o desenvolvimento da humanidade. Assim, obteve o aforamento da Ilha por 100 anos. Em 40 anos, o rochedo inóspito virou um local de natureza exuberante, habitável e auto-sustentável em energia, alimento e água potável.

Energia

Segundo consta, a Ilha dos Arvoredos recebeu as primeiras placas de energia solar da América Latina, capazes de gerar 540 W de potência, o equivalente a 3 dias de energia. Além de hélices de energia eólica, capazes de aquecer água potável e iluminar o local, que antes era considerado apenas um grande bloco de pedras rochosas. 

Alimento

Para aumentar o espaço de terras cultiváveis na Ilha, Lee desenvolveu pesquisas com a Falsa Íris, uma planta de raízes profundas, cuja característica principal está relacionada à prevenção de erosões. Por conta disto, foi reconhecido com prêmios internacionais. Criou ainda uma composteira de 6m de comprimento, capaz de atingir 70 ºC e decompor, além dos restos de podas da vegetação exótica plantadas, folhas fibrosas dos coqueirais. Para acelerar ainda mais a decomposição destes materiais, Lee costumava adicionar leite em pó para a fermentação dos resíduos. Atualmente, o húmus gerado pela composteira servirá para a renaturalização da Ilha, com espécies nativas do Brasil, capazes de atrair pássaros comuns da Mata Atlântica.

Antes de falecer, Lee desenvolveu dois tanques de água, um para criação de tilápias do Nilo e outro para criação de camarões, que alimentavam as tilápias e os visitantes de Lee e Maria, sua esposa.

Água

Nos anos 50, Lee desenvolveu um sistema de captação, armazenagem e filtragem de água da chuva, com base em um sistema de agricultura permanente (permacultura). Lee esculpiu o terreno e a vegetação da Ilha por meio dos ideais desta arquitetura bioclimática, utilizando padrões e características observados em ecossistemas naturais para sua casa e entorno. Um terreno em declive serviu para construção de curvas de nível para captação da água pluvial, em um jardim repleto de coqueiros da Malásia e com gramas de origem coreana. Até hoje a água é armazenada numa caixa d’água que imita o formato do foguete Saturno V, que levou a cápsula Apollo 11 à Lua, em 1969. Toda água da Ilha é capaz de abastecer uma cidade de até 3 mil habitantes.

Réplica do foguete Saturno V, que levou a cápsula Apollo 11 à Lua, em 1969 – Foto: Alexsander Ferraz

O céu era o limite para Fernando Lee, um homem excêntrico e, acima de tudo, com o desejo de que todos ao seu redor sentissem a importância de sonhar alto. Foi assim que induziu alguns amigos a acreditarem que participavam do roubo de um canhão do século XVI, embora, na verdade, tivesse autorização de superiores para retirá-lo do local onde se encontrava e o levasse para a Ilha. Esta característica transparece durante toda a excursão, que além de tudo, conta com guias que de forma carinhosa nos apresentam os cantinhos mais secretos de Lee e Maria, como o banco para dois, para se namorar com vista para as Ilhas de Alcatraz e do Montão de Trigo (nada mal), o canto da Filosofia, e muitos outros apenas para relaxar… sim, os engenheiros também amam.

Projeto Mundo Sustentável 

Com 36.000 m2, a Ilha dos Arvoredos é concessão da Fundação Fernando Eduardo Lee, criada em 1982 para dar continuidade aos projetos científicos na Ilha. Dentro de sua missão de Pesquisa em Benefício da Humanidade, a Fundação junto com a UNAERP realizam trabalhos de recuperação de documentos históricos para que o acervo de Lee e os projetos realizados na Ilha sejam disponibilizados para todos. Além disso, mantém pesquisas científicas utilizando a Ilha como um verdadeiro laboratório a céu aberto.

Recentemente, a Fundação firmou uma parceria com o Instituto Nova Maré, para desenvolver o Projeto Mundo Sustentável, cujas ações serão voltadas para restaurar, recuperar e transformar a Ilha em um marco da sustentabilidade brasileira para educação ambiental. O interior da Ilha reserva belezas naturais e arquitetônicas surpreendentes. Uma área natural deste porte não tem porque ser algo à parte da estrutura produtiva de um país ou sociedade, ao contrário, o sonho de Lee era que seu legado servisse de base para o benefício da humanidade. 

Este é também o objetivo do Instituto Nova Maré, que ao preservar o meio ambiente e contribuir para o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, vê as paisagens naturais e a fauna silvestre como um bem, em que, mais que nunca, coincidem as necessidades de cuidado e recuperação com a oportunidade de fazê-las por meio de uma demanda crescente da sociedade, que deseja desfrutá-las. Estudos em âmbito nacional sobre os benefícios econômicos no entorno de áreas protegidas mostram que esta é uma indústria em crescimento e com alto impacto social positivo. 

A Mata Atlântica é uma das paisagens mais importantes para a conservação da biodiversidade do mundo e a história de Fernando Lee e sua pequena Shangri-lá (ou Shangri-Lee, como era conhecida) nos mostra que é possível viver em harmonia com a natureza, utilizando-a para benefícios sociais e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente.

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