Jorge Pontes *|
(Cooperação policial, emprego de alta tecnologia e rastreabilidade dos produtos do crime são trunfos da PF para atacar a macrocriminalidade ambiental na Amazônia)
O mais recente relatório da UNODC — Escritório das Nações Unidas sobre Drogas & Crime, que foi divulgado esta semana, vem confirmando as nossas últimas impressões e registros sobre a escalada da delinquência ambiental na Amazônia.
O que foi assinalado naquela região, nos termos do aludido relatório, seria um esquema de “narcodesmatamento”, que, grosso modo, se configuraria na potencialização de diversas atividades criminosas ambientais — como grilagem de terras, contrabando de madeira, garimpo ilegal e tráfico de animais silvestres — em uma espécie de “joint venture” com facções até então dedicadas ao tráfico de drogas. O trabalho da UNODC abrange, além do Brasil, outros três países amazônicos como Colômbia, Peru e Bolívia.
Tal diagnóstico, aliás, coincide — em inúmeros pontos — com os resultados e conclusões do estudo publicado, ainda em 2022, pelo Instituto Igarapé, denominado “O ecossistema do Crime Ambiental na Amazônia”.
Esse inusitado casamento de uma delinquência ambiental extremamente lucrativa e organizada, com a criminalidade violenta representada pelo narcotráfico — que há décadas ocorre na Amazônia — tem a capacidade de potencializar resultados financeiros e de catalisar a elaboração e utilização de rotas “multiuso”, que podem ser desfrutadas por diversas modalidades criminosas, elevando tremendamente os lucros das organizações criminosas. Enfim, além da cocaína, entram no “portfólio” dessas bandas criminosas o ouro e as madeiras de lei.
A boa notícia em relação a esse quadro lamentável, é que a Polícia Federal já prepara um grande salto qualitativo, em termos institucionais e, principalmente, de estratégia e gestão de recursos, para fazer frente a essa ameaça assinalada pela UNODC.
A primeira das medidas foi a providencial criação da Diretoria da Amazônia e Meio Ambiente — DAMAZ, que elevou a importância da repressão aos crimes ambientais no âmbito da PF, promovendo-a a tema prioritário, acompanhando realidades e tendências de conservação e sustentabilidade impostas pelo curso do Século XXI.
Na sequência das inovações, a DAMAZ planeja a instalação, em plena Amazônia brasileira, de um CCPI — Centro de Cooperação Policial Internacional — Amazônia, que irá replicar a bem sucedida experiência dos CCPI’s inaugurados na década passada, para a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.
Tratam-se esses centros de unidades de cooperação policial em que funcionam presencialmente oficiais de todos os países envolvidos no evento. No caso da Amazônia, teríamos um CCPI exclusivamente destinado à troca de informações e a cooperação em matéria criminal, a ser instalado em uma das capitais estaduais do norte do país. Manaus é a mais cotada. A CCPI – Amazônia seria, desta feita, integrada por policiais de países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica — OTCA, e mais a França (em razão da Guiana Francesa), e ainda por representes de organismos multilaterais de cooperação em matéria criminal, como Interpol, Europol e Ameripol, além de oficiais das secretarias de segurança pública dos nove estados da Amazônia Legal brasileira, tudo sob coordenação da DAMAZ.
Nada mais importante, hoje em dia, do que o estabelecimento de canais de cooperação rápida e segura entre as polícias de uma região. Questões como o rastreamento das rotas internacionais, do conhecimento sobre o modus operandis das quadrilhas, e da repressão ao tráfico de mercúrio — utilizado nos garimpos de ouro — serão muito melhor conduzidas com o apoio de um CCPI amazônico.
Falando em integração, a DAMAZ vem aperfeiçoando ainda mais a sua relação institucional com o Ministério do Meio Ambiente, por intermédio do planejamento e execução de ações conjuntas — bem sucedidas — com o IBAMA e o ICMBio.
Teremos ainda dois projetos distintos — mas interligados — de instalação de bases, uma flutuante (hidroviária), onde a PF manterá lanchas e embarcações rápidas, para cada tipo de operação em meio aquático; e outra aerotática (estabelecimento de um CAOP – Comando de Aviação Operacional), que prevê a destinação e emprego de 5 helicópteros e 2 hidro-aviões para suas missões. Essas duas unidades aumentarão potencialmente a capilaridade e, por conseguinte, a efetividade da PF na região.
Outro foco da DAMAZ é a utilização de alta tecnologia no enfrentamento aos crimes ambientais. O avanço da capacidade técnica dos peritos criminais federais no desenvolvimento da rastreabilidade de produtos como ouro e madeira tem sido instrumental para o sucesso de inquéritos policiais que alvejam essa criminalidade. A ideia é o desenvolvimento de um laboratório de análise isotópica, além da criação de uma ouroteca com os padrões isótopicos do ouro de várias regiões auríferas do país. O mesmo modelo seria aplicado na identificação dos tipos de madeira, tanto na saída do Brasil como na chegada nos países importadores. O conceito, nesses casos, para assinalação da autoria dos crimes, passaria a ser o “follow the product”…
A utilização de imagens de satélite é outro expediente que vem sendo desenvolvido pelos peritos federais, e muito bem capitalizado pela DAMAZ. O Planet, que é o equipamento utilizado pela PF, fornece imagens — em tempo real — das balsas utilizadas pelos garimpeiros. O resultado é a possibilidade de ações mais focadas e assertivas, que aplicam o princípio da seletividade em relação aos alvos, atacando aquela criminalidade mais intensa e mais destruidora. O sucesso da Operação Libertação, de desintrusão de garimpeiros da Terra Ianomâmi, se deve em grande parte ao emprego do Planet.
Todas essas medidas vem sendo pilotadas pelo delegado da PF Humberto Freire, que é o diretor da DAMAZ. Freire, que foi o coordenador de operações da Secretaria Extraordinária para Grandes Eventos — SESGE, durante a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos do Rio, tem experiência em macro-gestão de atividades e operações policiais, e ainda foi Secretário de Defesa Social (pasta equivalente à segurança pública) no Estado de Pernambuco. Essa experiência, em especial, é bastante oportuna, pois a DAMAZ, quando de sua criação (pelo decreto que reestruturou o Ministério da Justiça e Segurança Pública), recebeu a missão de coordenar os esforços integrados de segurança pública na Amazônia Legal.
Por derradeiro, as ameaças impostas à nossa sociedade por essa macrocriminalidade ambiental são terríveis. As soluções dos problemas que ocorrem na vastidão da Amazônia representam um desafio sem precedentes para o poder público. Tudo ali é grandiosamente complicado e dispendioso. Contudo, os investimentos e as estratégias de gestão que a Polícia Federal vem adotando nos autorizam a acreditar que obteremos resultados positivos na salvaguarda dessa que se consubstancia em uma das nossas maiores riquezas.
Jorge Pontes | Delegado da Polícia Federal que idealizou e instalou a unidade de repressão aos crimes ambientais na instituição. É autor do livro Guerreiros da Natureza – A História do Combate aos Crimes Ambientais na Polícia Federal