Júlia de Freitas |
Os números de desmatamento e queimadas na Amazônia brasileira cresceram exponencialmente nos últimos dois anos, enquanto as propostas do país de colaboração aos esforços internacionais para mitigação dos efeitos da crise climática ficam abaixo do esperado.
É esse o cenário enfrentado pelo Brasil, que participará da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022, mais comumente referida como COP27, em novembro deste ano.
Os índices de aumento estão diretamente conectados com a política ambiental a nível federal. Desde 2018, a fragilização dos órgãos de fiscalização do meio ambiente, ataques a movimentos socioambientais e medidas legislativas danosas à pauta ambiental, série reconhecida como “boiada”, foram fatores identificados por um estudo como principal causador do aumento dos índices monitorados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) todo mês.
O estudo, realizado por um grupo de pesquisadores brasileiros ligados ao Inpe, mostra que as emissões de carbono dobraram sob a gestão do Bolsonaro.
A principal razão das emissões foi ação humana, de acordo com os especialistas, e impulsionada pelo desmonte de fiscalização e governança ambiental.
O resultado disso é um: a perda de capacidade da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, de atuar como sequestradora de carbono e agir assim, pela mitigação dos efeitos da crise climática.
Amazônia sob risco
Uma pesquisa liderada pela brasileira Luciana Gatti publicada na revista científica Nature endossam a descoberta. A equipe de pesquisadores constatou que certas partes da Amazônia já estão perdendo, gradualmente, sua capacidade de absorção de gás carbônico, um dos principais gases do efeito estufa.
O bioma tem dois papéis essenciais no equilíbrio climático do planeta: suas árvores são conhecidas por retirar o gás carbônico em excesso na atmosfera, com a absorção do C02 e armazenamento do gás em folhas, troncos e raízes.
No Relatório de Avaliação da Amazônia, uma compilação de estudos sobre o bioma, lançado no fim de 2021 pelo Painel Científico para a Amazônia, consta que, todo ano, a floresta sequestra mais de 1 bilhão de toneladas de CO2 da atmosfera.
Atualmente, entretanto, a degradação ambiental no bioma, incentivada pelas ações a nível federal, ganhou ainda novas proporções e complexidade diante do envolvimento com o crime organizado.
O superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Virgilio Viana, ressalta o cenário de insegurança vivenciado nas comunidades ribeirinhas e indígenas da floresta, ameaçados por crimes que se interconectam com a degradação ambiental.
“Os principais crimes são ligados ao narcotráfico, desmatamento ilegal, caça e pesca predatórias, extração ilegal de madeira, garimpo e grilagem de terras públicas. O que antes eram grupos criminosos independentes agora são redes comandadas pelo crime organizado. Essas redes, ao ganharem maior escala, começaram a desenvolver novas relações entre si e, com isso, maior dinamismo e vigor econômico”, comenta em artigo publicado no portal Valor Econômico.
Isso, aponta o especialista, representa grave ameaça aos direitos humanos e à conservação da Amazônia, sob sério risco diante do desmonte ambiental. A situação ainda é agravada pelos resultados das eleições legislativas em 2022.
O peso do voto no debate climático
De acordo com levantamento realizado pelo Pulso Público, o pleito à Câmara Federal foi marcado por um saldo negativo na agenda ambiental. “Com a presença de velhos nomes ligados ao agronegócio garantindo a reeleição em seus respectivos estados, além de nomes relevantes da agenda ambiental que não terão seu mandato renovado para a próxima legislatura”, aponta o relatório lançado em outubro.
Por isso, os resultados do pleito a nível nacional são decisivos, ainda mais, para ditar quais os possíveis avanços do país na agenda climática. Atualmente, o cenário é preocupante.
Além dos altos níveis de degradação ambiental, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, sigla em inglês) pelo Brasil se encontra aquém do esperado de um dos países considerados protagonistas no debate internacional sobre clima. Uma análise da iniciativa Carbon Action Tracker da atualização mais recente da NDC brasileira, de março deste ano, aponta que o compromisso permanece ainda mais fraco que o original, enviado em 2016.
As NDCs são compromissos voluntários criadas por cada país signatário do Acordo de Paris para atingir a meta global de redução de emissões de gases do efeito estufa.
É diante desse cenário de incertezas do presente e do futuro que o Brasil irá participar do principal evento sobre clima do mundo, que pretende elevar para outro o nível debate da regulamentação de mercado de carbono, avanço da COP26 em 2021, e enquanto as lideranças mundiais são forçadas, cada ano mais, a dar atenção aos efeitos da crise climática – que geram impactos econômicos e sociais de difícil mensuração.
Com o resultado ainda recém-lançado das eleições presidenciáveis, que ditará os rumos da política ambiental nos próximos quatro anos, o país enfrenta, nesse contexto, a necessidade de se desvincular da imagem de ‘pária’ mundial pela falta de propostas concretas contra a degradação ambiental em seu território, composto em grande parte pela Amazônia, bioma-chave para manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais à população mundial na crise climática.