Alessandra Nilo | Coordenadora Geral do Gestos e Co-Facilitadora do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030,
Claudio Fernandes | Economista da Gestos e do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030.
DESTAQUES DA HISTÓRIA
105 especialistas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 contribuíram para o último Relatório de Destaque da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável no Brasil, que monitora a implementação dos ODS no Brasil.
– Entre as constatações do relatório, não houve avanço em 88% das metas ambientais.
– Os autores também relatam que não há dados recentes sobre subsídios para combustíveis fósseis, consumo interno de materiais sólidos ou quantidade de resíduos perigosos gerados ou descartados.
– Os autores concluem que perder o Brasil no caminho do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade ambiental é um risco que nem a América Latina nem o mundo podem pagar.
A COVID-19 encontrou uma tempestade perfeita no Brasil, que tem a sexta maior população do mundo e o sétimo maior nível de desigualdade.
As crises de saúde e econômicas desencadeadas pela pandemia expuseram nossas múltiplas desigualdades. Enquanto a população do Brasil agora está pagando o alto preço do despreparo pandêmico e da irresponsabilidade do governo, o planeta está fadado a pagar um preço ainda mais duradouro pela imprudência e devastação ambiental.
O alerta vem de 105 especialistas do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 no último Relatório em Destaque da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável no Brasil, que monitora a implementação dos ODS. Esta quarta edição é baseada na análise de 145 das 169 metas globais de ODS. O Relatório mostra que 88% das metas ambientais não avançam – apenas duas das 91 apresentam avanços. Além disso, mais de um terço apresenta regressão, outro terço está ameaçado ou estagnado e 17,6% deles não têm dados disponíveis.
Questões ambientais: piora nas estatísticas, redução de recursos
O desmatamento atingiu nível recorde neste ano, com aumento de 35% na Amazônia (entre junho de 2019 e junho de 2020) e 30% na Mata Atlântica tropical, que já havia perdido 75% de sua área ao longo da história. Embora 43 milhões de pessoas tenham sido atingidas por secas, o orçamento de 2019 para prevenção de desastres foi o mais baixo em 11 anos e menos de um terço dele foi desembolsado.
O relatório mostra também um aumento na poluição, conflitos de grilagem de terras e violência contra povos indígenas e defensores dos direitos humanos. Nesse contexto, deve haver um grande descaso com os governantes para que o atual governo corte órgãos de governança democrática, mantenha a sociedade civil fora das discussões e perca parceiros internacionais no Fundo de Proteção da Amazônia, o que resultou na interrupção do desembolso para projetos liderados pelas OSCs [1].
Além disso, devido à falta de transparência da administração, não temos dados recentes sobre subsídios para combustíveis fósseis, consumo interno de materiais sólidos ou quantidade de resíduos perigosos gerados ou descartados.
Questões econômicas e sociais: menos dinheiro público, mais desigualdade
A pandemia está destacando as consequências das políticas de austeridade fiscal. À medida que essas políticas foram implementadas, a legislação que aumenta a desigualdade foi simultaneamente reforçada. Uma emenda constitucional de 2016 estabeleceu um teto para o investimento público em saúde, educação, ciência e tecnologia e assistência social, efetivamente transferindo riqueza da base para investidores financeiros pelos recursos cortados dos programas usados para saldar juros da dívida. Não é surpreendente que, das 85 metas dos ODS vinculadas à dimensão social analisadas no relatório, 68% não apresentem nenhum avanço nos últimos dois anos (2018-2019).
Em 2019, quando 77 milhões de pessoas (37% da população) não tinham acesso a saneamento básico e o desemprego e a informalidade do trabalho aumentaram drasticamente, apenas 1,26% do orçamento federal brasileiro direcionou programas de redução da pobreza, a mesma proporção desde 2016. The UN World Food O Programa (PMA) terá que atualizar seu mapa da fome porque, de acordo com nosso Instituto Nacional de Estatística e Geografia (IBGE), a fome no Brasil atingiu mais de 5% da população pela primeira vez desde 2013.
Outros indicadores sociais também são preocupantes, incluindo:
O Brasil é o quarto, em números absolutos, em casamento infantil e casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes. Em 2019, foram os mais elevados desde 2011 [2].
A violência contra as mulheres e a população LGBTI+ aumentou, enquanto o orçamento para o Programa VAW diminuiu 75% nos últimos cinco anos.
As infecções pelo HIV aumentaram nas regiões Norte e Nordeste (as mais pobres) e seguem um padrão que aponta para o racismo estrutural: os negros respondem por 60% das mortes associadas ao HIV nessas regiões.
Questões de governança: percepções, direitos e regulamentos
A corrupção no Brasil se agravou por três anos consecutivos, com base na percepção dos cidadãos. Em 2019, entre 180 países, o Brasil ocupava a 106ª posição no Índice de Percepção da Corrupção, e teve um aumento de 20,1% nas mortes por intervenção policial a par do desmantelamento da política de participação social: a Comissão Nacional de ODS criada em 2016 foi dissolvida pelo Presidencial Decreto 9.759 de Abril de 2019. Esse decreto também afetou cerca de 500 comissões e conselhos que contaram com a participação de representantes da sociedade civil.
O governo federal brasileiro se opõe abertamente à Agenda 2030, como evidenciado por suas políticas de desregulamentação, enfraquecimento das agências de proteção ambiental e negação da ciência e da emergência climática. O último ataque aos ODS foi publicado em 26 de outubro de 2020: o Decreto Presidencial 10.531 / 2020 substitui a Agenda 2030 pelo Plano de Desenvolvimento Estratégico Federal 2031. O plano busca justificar uma proposta de reforma tributária regressiva, políticas de privatização para saúde e educação, e exclusão social através do reforço do arranjo familiar binário tradicional, entre outras coisas [3].
É sintomático que, enquanto vivemos um evento extraordinário de saúde pública, especialistas estejam sendo substituídos por militares não qualificados. O atual Ministro da Saúde – o terceiro do Brasil desde Fevereiro – é um General do Exército pronto para seguir as ordens de negação da ciência do Presidente.
Muitos dos acordos baseados em direitos atualmente na arena multilateral foram negociados com a liderança e participação do corpo diplomático brasileiro. Esses mesmos acordos estão ameaçados em nível nacional, uma situação que afeta as pessoas e o Planeta além de nossas próprias fronteiras. Perder o Brasil no caminho do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade ambiental é um risco que nem a América Latina nem o mundo podem se permitir, especialmente nesta acelerada década de ação.
Notas:
[1] Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030. IV Relatório Spotlight. Recife e São Paulo: 2020. (P. 72)
[2] Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030. IV Relatório Spotlight. Recife, São Paulo: 2020. (P. 29-30)
[3] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.531-de-26-de-outubro-de-2020-285019495
FONTE:
3 de novembro de 2020