*Ana Lúcia Frony
O Brasil tem vivido com intensidade única o vai e vem dos chamados extremos climáticos. Até o início do ano, por exemplo, falávamos em desertificação do Nordeste, quadro que se reverteu abruptamente com as fortes chuvas que caíram na segunda quinzena de fevereiro em praticamente todo o estado do Maranhão, Piauí, oeste da Bahia e centro-norte de Minas Gerais, provocando até mesmo deslizamentos de terra por conta do excesso de água.
Na Bacia Amazônica, cerca de três meses atrás, o assunto era a seca histórica e rara provocada pelo famoso El Niño, com a notícia, inclusive, da morte de botos e o fechamento de hidrelétricas devido à pouca água da bacia. Agora, uma quantidade exagerada de chuva cai sobre a região, fazendo a bacia e a floresta voltarem, aos poucos, ao seu estado natural. O mesmo fenômeno aconteceu, ainda, na região Sul do país: após uma onda de calor que durou cinco dias, com temperaturas ultrapassando os 40°C, o Rio Grande do Sul teve registros de chuvas de 215 mm em um período de 24 horas, entre os dias 22 e 23 de fevereiro.
Como se vê, as alterações extremas no clima estão acontecendo muito rapidamente e em ampla escala, como nunca vimos antes. Em espaços curtíssimos de tempo, períodos de fortes secas e inundações generalizadas se alternam. E isso mostra, de acordo com o que já se havia previsto no século passado, a necessidade e a importância de tratarmos os efeitos das mudanças climáticas com seriedade, informação e urgência, embora sem alarmismo.
A ocorrência sucessiva de recordes climáticos chama atenção. Vivemos em 2023 o ano mais quente já registrado no planeta, o que resultou em acontecimentos dramáticos
influenciados pelo aquecimento global. Cerca de 40% da superfície da Terra aqueceu
drasticamente. No Canadá e no norte dos Estados Unidos, por exemplo, a temperatura
aumentou 2ºC acima da média no verão do ano passado. E isso levou a uma das piores
temporadas de incêndios florestais nos dois países.
Durante o verão europeu, ondas de calor com temperaturas 3ºC acima do normal
causaram mais de 70.000 mortes, dado revelado pelo Instituto de Saúde Global de
Barcelona. E na América do Sul as queimadas, intensificadas pelo aumento da temperatura global, são agora sete vezes mais prováveis e 50% mais intensas em países como Brasil, Paraguai e Bolívia.
O Brasil, inclusive, foi um dos líderes em desastres naturais no ano passado. O país registrou 1.161 casos, recorde histórico desde que começou a ser contabilizado em 2011 pelo Caden, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Inundações e deslizamentos de terra, catástrofes que ocupam o topo dos alertas, foram responsáveis por mais de 130 mortes e mais de 70.000 pessoas desabrigadas em 2023.
Especialistas apontam o aumento da temperatura global como uma das principais causas que influenciam na intensidade e frequência dos eventos extremos no ano passado e início deste ano. Não podemos ignorar os indícios cada vez mais claros da crise climática, que certamente terá novos capítulos nos próximos meses. Pessoas, empresas e governos devem entender e agir rapidamente ou o custo de inação será cada vez mais alto.
* Ana Lúcia Frony é graduada em Meteorologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Co-fundadora da Climatempo, primeira empresa privada de meteorologia do Brasil, ocupou a vice-presidência da companhia por trinta anos. Atualmente é CFO da C3TV, primeiro canal de TV por assinatura dedicado exclusivamente às mudanças climáticas, onde também coordena o time de conteúdo.