Samyra Crespo *| Ambientalista e colunista da Eco21
E precisamos de uma estratégia que vá além da retórica digital.
Assisto poucos jornais televisivos, mas sempre é um prazer ver como o André Trigueiro se tornou o melhor jornalista de televisão na cobertura sobre meio ambiente. E não banca o neutro. Todo mundo sabe que ele é ambientalista, e ao sê-lo tão claramente obriga-se a um zelo extremo pela notícia apurada e tecnicamente fundamentada.
O mesmo pode-se dizer de Fernando Gabeira que – desde sua “explosiva ” tanga de tricot na praia nos anos 80 (quando voltou do exílio) tornou-se na política e na militância ambiental uma voz singular, bem informada e culta, equilibrando-se entre as calhordas que a esquerda promove, patrulhando impiedosamente os “seus”.
Já ouvi petista dizer que Gabeira “endireitou” e muitos o colocaram na lista dos “sem perdão ” por isso ou por aquilo. Perdoam Lula mas não Gabeira.
Já eu fico atenta ao que diz, tem fina inteligência, larga experiência no Congresso onde foi estrela solitária e muitas vezes mal compreendida. Mas ali desempenhou com seriedade o papel de nosso tribunal, como o fez Fabio Feldman nos anos 80 e início dos 90. E agora o Molon, líder da oposição.
Tenho visto as participações de Gabeira no jornal das 18 horas na GloboNews. Seus comentários são serenos e evitam o sensacionalismo do momento a que muitos jornalistas se entregam. Ouço o que diz e sempre leio suas crônicas políticas.
Numa de suas memoráveis falas no final do ano, numa matéria que buscava comentar o baixo índice de intenção de voto no Presidente atual, se especulava que neste ano de 2022 – o ano das eleições – talvez ele mudasse seu comportamento, procurando conquistar o eleitorado que não vê com bons olhos a volta de Lula. Adotaria um comportamento mais “moderado”?
Gabeira foi taxativo: “Não esperem isto, na minha avaliação ele será mais destrutivo ainda”.
Não há ambiguidade nessa declaração, mas um entendimento cristalino sobre a ferocidade deste Governo. Está estampado em recente manchete de primeira página no O Globo: mil licenças diárias de porte de armas vêm sendo concedidas.
No andar desta carruagem ou devemos chamar “paiol”? Esperemos por um “Capitólio” brasileiro.
Ameaçado pela crescente impopularidade e possibilidade real de não se reeleger, Bolsonaro vem partindo para o “tudo ou nada”. Não importa se vai afundar o país numa crise fiscal. Não importa se vai provocar uma inflação galopante.
Não importa se vai destruir a Amazônia negando a maior taxa de desmatamento dos últimos 10 anos, que só faz crescer, sem que tenhamos visto um plano sequer para mudar isto, a não ser aquele que Mourão coordenou e que declarou ser insuficiente como estratégia de contenção do estrago diário e sistemático que ali vem ocorrendo.
O “tudo ou nada” se revela num desesperado “abrir as porteiras” e alavancar grupos do ilícito ou da necropolítica. Só assim se entende o PL do veneno e só assim se pode interpretar o Decreto do “garimpo artesanal”. Quem viu as horripilantes fotos do garimpo em Serra Pelada do Sebastião Salgado, pode prever o que ocorrerá com os rios da Amazônia.
Tudo ou nada, só assim é minimamente compreensível a desastrosa tentativa de investir contra o patrimônio natural das cavernas que seus técnicos (sic) apelidaram de “cavidades”.
Trocando em miúdos, a destruição se acelera e ganha escala.
Gabeira anteviu esta cena e nos alertou.
As frentes de ataque são muitas e atordoam a oposição, continuamente tratorada pelo Centrão liderado por Arthur Lira. Este vai, perigosamente, se aproximando do perfil de Cunha, o malfadado detonador da crise institucional originada no impeachment de Dilma Rousseff.
Com dificuldades as bancadas progressistas amealharam 150 votos num Congresso envilecido, cada vez mais indecoroso no uso indevido de verbas públicas.
Vimos este despudor com o PL que institucionalizou o “liberou geral”, flexibilizando a legislação dos agrotóxicos (301 deputados contra 150).
Como anteparos a este assustador cenário de ataques contínuos à democracia, às instituições e ao patrimônio social e natural do País, ainda temos o Senado, o STF e a sociedade civil organizada.
Mas como o Brasil está de férias ou de quarentena, esta última não tem dado as caras nas ruas.
Nas redes, preferimos criticar os “nossos” e xingar os adversários: retórica digital.
Vamos ver depois das férias de verão e do Carnaval.
* Samyra Crespo | Ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro
15-02-2022