Carlos Dora *| embaixador da Iniciativa Médicos Pelo Ar Limpo
O ar limpo é um fator fundamental para manter a saúde. E, por outro lado, o ar poluído é uma das maiores causas de morte no mundo segundo a OMS e como demonstrado por pesquisas em todo o mundo. A poluição afeta a todos, inclusive bebês, crianças, idosos ou pessoas com enfermidades do coração ou do pulmão – mesmo que estes não queiram, porque não é possível escolher não respirar. Ar limpo não é vendido em garrafa, como é o caso da água limpa.
As tentativas de fazer máquinas ou filtros para limpar o ar ambiente não funcionaram, pois a quantidade de ar a ser filtrado é simplesmente grande demais. Existem tecnologias para filtrar a poluição no escapamento dos veículos ou na chaminé da indústria, que funcionam só quando muito bem mantidas, o que nem sempre é o caso. A solução bem comprovada e conhecida está em tecnologias limpas, combustíveis limpos, energia eficiente, não queimar os restos da produção agrícola e sim reutilizá-la, etc.
A questão é: como assegurar que estas medidas ocorram na prática? Como garantir que os interesses da população e dos grupos vulneráveis estejam à frente dos interesses de operadores de tecnologia obsoleta, onde poucos se beneficiam e muitos pagam a conta?
Primeiro, é preciso dar amplo acesso à informação sobre a qualidade do ar e as fontes de poluição. Os métodos e equipamentos para monitorar a qualidade do ar e identificar as maiores causas de poluição num determinado lugar são amplamente conhecidos e disponíveis.
Também podemos citar que os aplicativos de previsão do tempo em muitos países também disponibilizam automaticamente a informação sobre a qualidade do ar.
Medidores portáteis de qualidade estão se disseminando rapidamente, sobretudo em locais onde a informação oferecida por agências especializadas do governo não está operando. Isto tem oferecido a cidadãos em muitas partes do mundo uma forma de defesa e de pressão para que sejam tomadas medidas preventivas ou para remediar a poluição.
A experiência em todo o mundo mostra que, para gerir um problema sistêmico como a poluição, onde muitos agentes estão implicados, é fundamental ter um bom entendimento das fontes de poluição, das soluções, do que impede a mudança, dos possíveis incentivos e dos benefícios de uma mudança para o ar limpo. A academia, os governos locais e a sociedade civil têm um papel importante em enriquecer e informar este debate público e defender os interesses dos cidadãos e da sociedade.
Em última instância, esta é necessariamente uma função que tem que ser liderada pelo Estado, assim como manter a qualidade da água, ou fazer a gestão do lixo. Isto porque é preciso um agente que defenda os interesses e direitos da maioria da população frente aos poluidores. É dever do Estado a garantia de acesso à informação sobre a qualidade do ar e fontes de poluição. Também é seu papel criar incentivos para que o poluidor promova mudanças em suas tecnologias, assim como implementar sanções sobre quem polui para proteger a saúde da maioria, que não polui, mas que sofre as consequências. Quando o executivo e o legislativo não garantem este direito aos cidadãos, cabe ao judiciário garantir o direito à saúde de todos e a um ambiente limpo, garantir o direito das crianças, que não poluem, a um desenvolvimento pulmonar e psicossocial adequado.
É por esse motivo que, como embaixador da Iniciativa Médicos Pelo Ar Limpo, endosso a carta enviada ao Supremo Tribunal Federal por mais de 10 entidades médicas brasileiras, para que a corte reconheça procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6148, que sugere a revisão da Resolução 491/18 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que versa sobre os padrões nacionais de qualidade do ar. Atualmente, a norma brasileira é altamente permissiva para se poluir, e hoje está nas mãos do nosso judiciário a mudança deste cenário.
Ar limpo é direito de todos. É urgente tirar o país da contramão da história. Devemos incentivar o desenvolvimento limpo e tecnologias para um futuro sustentável e justo. A disputa sobre o ar limpo é central para equacionar questões de equidade social, acesso à informação e ao direito de todos.