O pedido de exoneração do Presidente do ICMBio deve ser aplaudido pela seu caráter republicano e pela coragem cívica de não compactuar com os desmandos em vigor na área ambiental. Sua decisão me leva a fazer as considerações que manifesto abaixo. É um texto de opinião, respeitando as opiniões divergentes.
Sem sentimento catastrofista, porque creio na maturidade democrática da sociedade brasileira, é necessário evidenciar, que estamos vivendo um surto de autoritarismo sem precedência na nossa história recente, desde o advento da Constituição de 1988.
Na área ambiental e em outras áreas do governo a participação da sociedade civil na formulação e implementação das politicas públicas está sendo considerada como uma espécie, de “ação subversiva”, como se a Constituição não tivesse erguido os pilares de uma governança colegiada e participativa, recepcionando normas avançadas, como a Lei 9.638/81, da Politica Nacional de Meio Ambiente e criando o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos. Hídricos, estruturado pela Lei 9.433/97. Logo, a participação da sociedade nas instâncias da gestão ambiental brasileira, não é uma conquista desse ou daquele governo, mas um comando constitucional, advindo de uma Assembleia Nacional Constituinte soberanamente eleita pelo povo.
Devemos nos lembrar de que a SEMA – Secretaria Especial de Meio Ambiente, o primeiro órgão genuinamente ambiental do país, foi criada em 1973, em pleno Governo Médici, no auge da ditadura militar, em sintonia com os novos ventos soprados na Conferencia das Nações Unidas, em Estocolmo, um ano antes. Do mesmo modo, temos a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, que foi instituída por Figueiredo, outro presidente militar. Reconheço a legitimidade do atual governo, soberanamente eleito pelo povo em eleições livres, que, aliás, foram facilitadas pela desmoralização de lideranças nas quais confiávamos, mas que abondaram seus compromissos republicanos e traíram a confiança de muitos e muitos da minha geração.
Não bastassem os retrocessos da área ambiental, que nos remetem a uma era pré-Estocolmo, em matéria de política ambiental, estamos vivenciando uma inversão total de valores, quando se trata dos mecanismos de comando e controle do Estado estabelecidos para inibir e punir os crimes ambientais. Ao invés de se punir os infratores da Lei, aqueles que, acintosamente, desrespeitam as normas e as autoridades encarregadas de aplicá-las, estão, sibilinamente, procurando formas de punir os agentes da Lei. Embora os abusos de autoridade devam mesmo ser punidos, como já está previsto na legislação, o que está em curso é o assédio moral adotado como politica de governo, o assédio moral como tática de enfraquecimento das já combalidas instituições ambientais federais, uma iniciativa sem precedentes, em se tratando de instituições detentoras do poder de polícia administrativa.
Os argumentos recorrentes para adoção dessas medidas retrógradas é de que são necessárias para a retomada do desenvolvimento. Pensam como nos anos 1970 e ignoram que a modernização da economia, no Século 21, pressupõe a visão contemporânea da sustentabilidade, que estimula o crescimento econômico, considerando os aspectos socioambientais..
O Ministério Público Federal, como fiscal da Lei e guardião das instituições do Estado deve agir, com a presteza necessária, para evitar o desmantelamento de uma estrutura governamental, que mesmo sendo ainda precária, não pode quedar-se aos interesses subalternos dos setores mais atrasados da economia e da sociedade. No regime democrático de direito, duramente conquistado depois de mais de duas décadas de obscurantismo politico, a vontade da autoridade pública não pode sobrepor-se à vontade da Lei.
A política ambiental brasileira vive um momento grave. Precisamos de agir à altura da gravidade do momento.