A Sala de Imprensa da Santa Sé, 04-06-2021, publicou a mensagem que o Santo Padre Francisco enviou para o lançamento da Década da Restauração de Ecossistemas promovida pela ONU para prevenir, deter e reverter a degradação dos ecossistemas em nível global.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Os muitos “avisos” que estamos experimentando – afirma o Papa Francisco -, entre os quais podemos ver a Covid-19 e o aquecimento global, estão nos pressionando a tomar medidas urgentes. Eu espero que a COP-26 sobre as mudanças climáticas, a ser realizada em Glasgow em novembro próximo, ajude-nos a dar as respostas certas para restaurar os ecossistemas, tanto por meio de uma ação climática reforçada quanto da difusão do entendimento e da consciência.
Eis o texto.
A Sua Excelência Sra. Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma)
e a Sua Excelência Sr. Qu Dongyu, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
Suas Excelências,
Amanhã [dia 5 de junho] celebraremos o Dia Mundial do Meio Ambiente. Essa comemoração anual nos encoraja a lembrar que tudo está interligado. Uma verdadeira preocupação pelo meio ambiente precisa estar “unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade” [1].
A celebração de amanhã, no entanto, terá um significado especial, pois ocorrerá no ano em que se inicia a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas. Essa década nos convida a assumir compromissos de 10 anos visando ao cuidado da nossa casa comum, “apoiando e intensificando os esforços para prevenir, deter e reverter a degradação dos ecossistemas em todo o mundo e aumentar a conscientização sobre a importância de uma restauração bem-sucedida dos ecossistemas” [2].
Na Bíblia lemos que: “Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. / Um dia fala disso a outro dia; uma noite o revela a outra noite. / Sem discurso nem palavras, não se ouve a sua voz” [3].
Todos fazemos parte desse dom da criação. Somos uma parte da natureza, não estamos separados dela. É isso que a Bíblia nos diz.
A atual situação ambiental nos chama a agir agora com urgência para nos tornarmos cada vez mais administradores responsáveis da criação e para restaurar a natureza que estamos destruindo e explorando há muito tempo. Caso contrário, corremos o risco de destruir a própria base da qual dependemos. Corremos o risco de inundações, fome e graves consequências para nós e para as gerações futuras. É isso que muitos cientistas nos dizem.
Precisamos cuidar uns dos outros e dos mais fracos entre nós. Continuar neste caminho de exploração e de destruição – dos humanos e da natureza – é injusto e imprudente. É isso que uma consciência responsável nos diria.
Nós temos a responsabilidade de deixar uma casa comum habitável para os nossos filhos e para as gerações futuras.
No entanto, quando olhamos ao nosso redor, o que vemos? Vemos crises levando a mais crises. Vemos a destruição da natureza, assim como uma pandemia global que leva à morte milhões de pessoas. Vemos as consequências injustas de alguns aspectos dos nossos sistemas econômicos atuais e inúmeras crises climáticas catastróficas que produzem graves efeitos sobre as sociedades humanas e até mesmo a extinção em massa de espécies.
Mesmo assim, há esperança. “A liberdade humana é capaz de limitar a técnica, orientá-la e colocá-la ao serviço de outro tipo de progresso, mais saudável, mais humano, mais social, mais integral” [4].
Estamos testemunhando um novo engajamento e compromisso de vários Estados e de atores não governamentais: autoridades locais, setor privado, sociedade civil, juventude… esforços voltados para a promoção daquilo que podemos chamar de “ecologia integral”, que é um conceito complexo e multidimensional: ele pede uma visão de longo prazo; destaca a indissociabilidade da “preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior” [5]; visa a restaurar “os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus” [6]. Torna cada um de nós consciente da nossa responsabilidade como seres humanos, com nós mesmos, com o nosso próximo, com a criação e com o Criador.
No entanto, somos alertados de que nos resta pouco tempo – os cientistas falam dos próximos 10 anos, o período desta Década da ONU – para restaurar o ecossistema, o que significará a restauração integral da nossa relação com a natureza.
Os muitos “avisos” que estamos experimentando, entre os quais podemos ver a Covid-19 e o aquecimento global, estão nos pressionando a tomar medidas urgentes. Eu espero que a COP-26 sobre as mudanças climáticas, a ser realizada em Glasgow em novembro próximo, ajude-nos a dar as respostas certas para restaurar os ecossistemas, tanto por meio de uma ação climática reforçada quanto da difusão do entendimento e da consciência.
Nós também somos impelidos a repensar as nossas economias. Exigimos “uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins, bem como uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento, para se corrigirem as suas disfunções e desvios” [7]. A degradação do ecossistema é um claro resultado da disfunção econômica.
Restaurar a natureza que danificamos significa, em primeiro lugar, restaurar a nós mesmos. Ao acolhermos esta Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas, sejamos compassivos, criativos e corajosos. Que possamos ocupar o nosso devido lugar como uma “Geração da Restauração”.
Do Vaticano, 27 de maio de 2021
Francisco
Notas:
[1] Carta encíclica Laudato si’ (24 de maio de 2015), n. 91.
[2] Resolução AGNU 73/284 adotada em 1º de março de 2019: “Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas (2021-2030)”, op. 1.
[3] Salmo 19,1-3.
[4] Carta encíclica Laudato si’ (24 de maio de 2015), n. 112.
[5] Ibidem, n. 10.
[6] Ibidem, n. 210.[7] Bento XVI. Carta encíclica Caritas in veritate (29 de junho de 2009), n. 32.