Samyra Crespo *| Ambientalista e colunista da Eco21
Vimos coisas parecidas em Friburgo há poucos anos, no Parque da Tijuca, quando deslizaram encostas inteiras, com árvores e tudo, minha amiga Sônia Peixoto era então diretora ali. Na Zona Oeste, quando a lama não poupou clubes nem casa de ricos, na Baixada, em Niterói no lixão que transformaram em moradia, e mesmo em Petrópolis, outros anos – outras chuvas.
Verão tem essa dualidade: férias, caipirinha, pôr-do-sol poético, corpos dourados, samba e Carnaval.
Diversão para uns e perrengue ou luto para outros.
Na contraface, as tragédias das chuvas que não são novas no Estado, na Capital e nem mesmo em outros lugares como se vê em Minas, Espírito Santo e Bahia.
O saldo? Sempre o mesmo: desabrigados, pessoas desesperadas por perderem tudo, casa, documentos, lembranças e mortos – dezenas que vão se tornando centenas a cada estação.
A professora da UFRJ – Lise Sedrez, escreve uma “história das enchentes” e garante que elas acontecem no Rio desde o Brasil Colonial.
Arthur Soffiati , professor aposentado da UFF também estuda o fenômeno há tempos, com destaque para as cheias do rio Paraíba do Sul.
Os aterros, a ocupação dos fundos de vales, morros com o solo de aluvião que encharcam facilmente, restingas, mangues – tudo contribui para as enchentes se tornarem fatos repetitivos e cada vez piores, pois assombrando a cena estão os fenômenos climáticos.
Este ano, dizem os especialistas, o La Ninã desestabilizará tudo.
A televisão nos bombardeia com a tragédia alheia que se torna nossa. Choramos, nos condoemos e se podemos, vamos doar dinheiro, remédio, gêneros alimentícios. O que mais nos cabe fazer?
Mas a pedagogia da dor tem ensinado pouco a nós e aos nossos governantes.
O ano que vem a roda da fortuna vai escolher macabramente a cidade, as comunidades e as famílias que pagarão pela imprevidência, hipocrisia e em muitos casos falta de ação das autoridades.
É emocionalmente exaustivo ver que ano após anos temos as mesmas cenas de destruição e morte.
A nós, os que fomos poupados, resta escolher a quem e como ajudar.
Solidariedade que dá um cobertor aqui e um café quente acolá, mas que não resolve o problema nem estanca a dor.
Prevenção e mitigação são palavras desconhecidas por aqui.
Mesmo os investimentos em “defesa civil” são parcos e não fazem frente às necessidades que ganharam escala nos últimos anos.
Em breve uma outra tragédia tomará o lugar dessa na nossa atenção.
As chuvas cessarão e vamos esquecer os nomes, os rostos e as histórias de tantas vidas interrompidas ou afetadas, estupidamente.
* Samyra Crespo | Ambientalista, coordenou a série de pesquisas nacionais intitulada “O que o Brasileiro pensa do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável” (1992-2012). Foi uma das coordenadoras do Documento Temático Cidades Sustentáveis da Agenda 21 Brasileira, 2002. Pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins/RJ. Ex-Gestora do Jardim Botânico do Rio de Janeiro