* por Dom Evaristo Pascoal Spengler, OFM
Meus irmãos, minhas irmãs, a Amazônia nos questiona todos os dias! Ela não é o único bioma que precisamos. Mas sem ela, não vamos precisar mais cuidar de nenhum bioma no Planeta. Eles estarão todos destroçados sem a Amazônia. Não há exageros. Tudo está conectado, interligado, imbricado, tal qual as teias dos povos. Há gritos permanentes e pautas insistentes, que são maiores que a nossa capacidade de conversão e de mudança socioambiental.
A nossa região é palco de novas tensões e de velhas intenções. Há um duplo polo sob um mesmo horizonte: os povos amazônidas; e uma natureza exuberante e sensível, com suas muitas características e suas imensidões estonteantes. Nossa Amazônia está marcada por violações históricas e estruturais de direitos humanos e dos direitos da natureza, na qual registram-se elevados índices de violência, conflitos e degradação ambiental que se desenvolvem em torno, principalmente, de questões territoriais, indicando que mesmo em tempos atuais, ainda são constatados cenários remanescentes da colonização.
O mecanismo é o paradigma tecnocrático e consumista que assola nossas vidas, sufoca a natureza e nos deixa sem uma existência verdadeiramente digna. É a ganância e a exploração de nossa gente, nossas almas, nossas matas e nossos solos que vai lançando um manto de destruição em nossas vidas.
Estamos atentos e precisamos de todas e de todos. E que quero compartilhar algumas de nossas escutas, especialmente a que fizemos em todo o segundo semestre de 2023, em nossos territórios, com nossas gentes e nossas lutas.
Há mais estiagem e seca na Amazônia que no passado. Calamidade pública, mortandade de peixes e da produção agrícola, perdas e danos ao pescado e à pesca artesanal, das roças de produção de mandioca e de outros alimentos. Os seringueiros, camponeses, indígenas, ribeirinhos precisam de um apoio para produção, proteção e garantia de seus direitos e territórios; Os povos indígenas, como os Yanomami, estão em situação de vulnerabilidade causada pela pressão ilegal do garimpo, da mineração e do agronegócio com base na produção de commodities; A criação de um marco temporal, pelo Congresso, aumenta a violência contra indígenas, comunidades tradicionais, camponeses, mulheres, jovens e crianças no campo e na cidade;
O narcogarimpo e a força do narcotráfico adentrando as aldeias das fronteiras e nos territórios amazônicos, especialmente por meio do aliciamento de jovens. Ao aumento da violência sexual, do tráfico humano e dos trabalhos análogos a escravidão no interior e nas capitais da região, resta apenas o grito isolado das comunidades, sem apoio dos poderes públicos.
As terras públicas são griladas, resultado da desordem fundiária. A expansão agrícola AMACRO (Acre, Sul do Amazonas e Rondônia) está destruindo o bioma amazônico; O avanço da expansão agrícola da região MATOPIBAPA (Mato Grosso, Tocantins, Piauí, Bahia, Pará) ataca tanto o bioma amazônico como o bioma cerrado. E os desmontes e morosidade dos órgãos públicos responsáveis pela defesa do bioma, dos povos e da resolução dos conflitos agrários não nos permitem enfrentar as várias pressões ilícitas. É necessária a garantia da demarcação das terras indígenas ainda pendentes.
A luta pela terra e contra a violência no campo, nas florestas e nas águas, os assassinatos de lideranças em conflitos pela posse da terra, os violentos confrontos com as comunidades quilombolas e os assentamentos dos trabalhadores sem-terra, as ameaças, os ataques às comunidades são o modus operandi na região amazônica.
Ainda há desmatamento, com a exploração de madeira sem o uso de manejo florestal, a expansão do agronegócio para gado e o plantio de milho e soja. A mineração e os garimpos ilegais contribuem para a prática de crimes.
Os grandes empreendimentos na região, sem o cumprimento da consulta livre prévia e informada prevista pela Convenção OIT 169, violam os protocolos de consulta dos povos e impactam os territórios e os direitos dos povos originários.
A Amazônia está tomada pelos agrotóxicos e pelo mercúrio. A contaminação dos lagos, igarapés, rios, lençóis freáticos com o mercúrio e agrotóxico tem causado uma série de doenças e medo dos povos. O trabalho escravo tem avançado, o número de pessoas resgatadas dos garimpos submetidas às condições análogas a de escravos está aumentando, e também é frequente o trabalho escravo na pecuária.
Em novembro do ano passado levamos estas escutas e muito mais a quase todo o governo brasileiro, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, em Brasília. É apenas o começo de uma incidência mais intensa e que vamos repetir nos próximos meses.
Outro momento de incidência é a COP 30, que será em nossa região, na cidade de Belém do Pará, é uma contradição em termos, um misto de oportunidade e de confirmação dos obstáculos intransponíveis, entre todos os participantes. Precisamos que seja um momento de unidade e de compromisso com a Casa Comum e toda a Criação.
Todavia, nesse processo de escuta, os povos ressaltaram suas fortalezas: a luta pela defesa dos territórios e dos povos indígenas, a autosustentação das comunidades indígenas, a incidência para construção de protocolo de consulta dos povos indígenas conforme a Convenção 169 da OIT, o trabalho de reflorestação e agroecologia junto as aldeias, escolas e comunidades, a teia dos povos das águas, das florestas, dos campos e das cidades, a organização e a mobilização das mulheres, a articulação das pastorais sociais, da REPAM Brasil e dos projetos de economia solidária e agroecologia. Todos são sinais de resistência!
Mas precisamos fortalecer essas lutas. Queremos uma Igreja unida e caminhando com os povos da Amazônia. Necessitamos de maior trabalho missionário. Como afirmado na “Querida Amazônia”, precisamos “crescer numa cultura do encontro rumo a uma «harmonia pluriforme». Mas, para tornar possível esta encarnação da Igreja e do Evangelho, deve ressoar incessantemente o grande anúncio missionário”.
Saudamos a esperança desde a Amazônia. A participação dos povos, a unidade na diversidade, a presença de tantos braços da Igreja, nossas comunidades com responsáveis leigos, a consolidação de um clero com o rosto amazônico, a presença da força e do dom das mulheres, enfim, de uma Igreja sinodal transbordante de dons e de graça. Como não lutar? Vamos juntos, pois as questões que a Amazônia nos impõe não são apenas desafios. São sinais de união, pois, como exorta-nos o Santo Padre Francisco, “Une-nos o mandamento novo que Jesus nos deixou, a busca duma civilização do amor, a paixão pelo Reino que o Senhor nos chama a construir com Ele. Une-nos a luta pela paz e a justiça. Une-nos a convicção de que nem tudo acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste, onde Deus enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos que sofrem”. Que toda a Amazônia receba a nossa ação e a nossa fé, passos da esperança.
* Dom Evaristo Pascoal Spengler é bispo da Diocese de Roraima (RR) e presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil)