Liszt Vieira | Coordenador do Fórum Global da Conferência RIO-92, Presidente do Jardim Botânico do RJ de 2003 a 2013. Autor de Cidadania e Globalização e Os Argonautas da Cidadania – A Sociedade Civil na Globalização.
Para a maioria dos brasileiros (77%), proteger o meio ambiente é prioridade, mesmo que signifique menos crescimento econômico e geração de empregos. A população também está preocupada com o aquecimento global e o impacto das queimadas nos biomas do país. É o que mostra uma pesquisa realizada pelo IBOPE sobre a percepção das questões ambientais. Segundo a pesquisa, divulgada em 5 de Fevereiro último, 92% da população se preocupam com o aquecimento global e 72% temem que o fenômeno prejudique suas famílias. Além disso, quatro em cada cinco entrevistados consideram que as queimadas impactam a imagem do país no exterior e 78% acreditam que os incêndios podem dificultar as relações comerciais com outros países. O estudo foi encomendado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) em parceria com o Programa de Comunicação de Mudanças Climáticas da Universidade de Yale. Foram entrevistados, por telefone, 2,6 mil brasileiros com mais de 18 anos de todas as regiões do país, com diferentes níveis de escolaridade e renda, entre Setembro e Outubro de 2020 (O Globo, 4/2/2021).
É interessante comparar esses resultados com a Pesquisa realizada em 2012 pelo Ministério do Meio Ambiente – quando ainda havia Ministério digno desse nome – sobre “O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo”. A pesquisa mostrou uma evolução significativa na consciência ambiental dos brasileiros. O indicador mais relevante desta transformação estava no número de pessoas que, 20 anos atrás, não sabiam mencionar sequer um problema ambiental, na sua cidade ou no seu bairro. Este número diminuiu para 10% em 2012, em relação a 46% de 1992. Essa pesquisa já mostrava que as pessoas não estavam dispostas a ter mais progresso às custas da depredação dos recursos naturais (82%). Aumentou o número de brasileiros, de 38% em 2006 para 51%, em 2012, dispostos a contribuir com dinheiro para proteger a Amazônia. 90% dos entrevistados concordavam que os incêndios na Amazônia são uma ameaça para o clima e o meio ambiente do Planeta.
Estudo recente de um grupo de pesquisadores da UFRJ encontrou durante o Governo Bolsonaro 57 dispositivos legais que se encaixam nas categorias de “desregulação” e “flexibilização”, enfraquecendo e até anulando regras de preservação. Mais da metade das medidas foi expedida após o Ministro Ricardo Salles ter dito em reunião que pretendia “passar a boiada” no meio ambiente. “Encontramos uma redução de 72% nas multas ambientais durante a pandemia, apesar de um aumento no desmatamento da Amazônia durante o período”, escrevem os pesquisadores. “Concluímos que a atual administração está se aproveitando da pandemia para intensificar um padrão de enfraquecimento da proteção ambiental no Brasil.”
Entre as medidas destacadas pelos pesquisadores está a que libera atividade de mineração em áreas que ainda aguardam autorização final e a que reclassificou 47 diferentes pesticidas como de categoria menos danosa, sem respaldo científico. Além disso, os cientistas destacam a medida que facilita autorização para pesca industrial e a redução significativa do número de multas por desmatamento na Amazônia (O Globo, 10/2/2021).
Assim, salta aos olhos que o atual Governo agride a maioria da população também no que se refere à proteção do meio ambiente. Com o apoio de boa parte do empresariado e dos partidos de direita, o Governo estimula o desmatamento de florestas pelos garimpeiros, fazendeiros, mineradores, madeireiros, grileiros, principalmente. Por outro lado, a questão ambiental não tem merecido a devida atenção nos programas e ações dos partidos de esquerda que, em geral, sempre priorizaram a luta de classes entendida como os conflitos inerentes às relações de produção – o conflito Capital x Trabalho – e não à dimensão das forças produtivas.
Em sua palestra no Fórum Social Mundial, em 25/1/2021, Noam Chomsly afirmou: “A pandemia em curso e as que estão por vir constituem uma das crises atuais. Uma crise muito mais séria é o aquecimento global. A urgência do desenvolvimento da crise foi enfatizada mais uma vez há algumas semanas, quando a Organização Meteorológica Mundial publicou seu Relatório anual sobre o estado do meio ambiente global. O Relatório adverte que em nosso curso atual, podemos em breve atingir pontos de inflexão irreversíveis. Em breve poderemos alcançar o que eles chamam de “Hothouse Earth” (Terra Estufa), estabilizando-se a 4-5°Celsius acima dos níveis pré-industriais, bem além do nível reconhecido como cataclísmico. O estudo conclui que é “mais urgente do que nunca prosseguir com a mitigação… A única solução é livrar-se dos combustíveis fósseis na produção de energia, indústria e transporte”. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, órgão da ONU) estima em meados do século a data para atingir esse resultado”.
A ciência nos assegura que o aumento da temperatura global se deve a atividades humanas que, desde a Revolução Industrial, queimam combustíveis fósseis e, consequentemente, injetam grandes quantidades de gases de Efeito Estufa na atmosfera.
Atualmente, de toda a energia consumida no mundo, cerca de 85% advêm da queima de combustíveis fósseis (34%, da queima de petróleo bruto, 27%, do carvão e 24%, do gás natural). As demais fontes renováveis combinadas representam apenas 15%. Outra importante fonte de emissões advém de mudanças do uso do solo, fruto da expansão não sustentável da fronteira agropecuária, da grilagem de terra, desmatamento e limpeza primitiva do terreno (queimadas), muitas vezes ilegais. Além do CO2, a crescente concentração dos gases metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) é importante causa do aquecimento global. Os principais gases não-CO2 são emitidos por atividades humanas relacionadas, especialmente, à produção agropecuária (Nexo Jornal, 29/6/2020).
Em 2015, na COP-21 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), todas as nações do mundo assinaram o Acordo de Paris. O objetivo desse acordo é manter o aquecimento global bem abaixo de 2°C e canalizar esforços para limitá-lo a 1,5°C até o final do século. Mass esse Acordo global não está sendo apoiado com as políticas nacionais setoriais necessárias. Provavelmente, o aquecimento global vai exceder 1,5°C e o risco de efeitos irreversíveis vai aumentar nos próximos anos, a não ser que decisões drásticas sejam tomadas para suprimir o uso de combustíveis fósseis.
Além disso, os cientistas do IPCC devem incluir no próximo relatório de avaliação, previsto para ser divulgado em 2021, análises sobre os impactos das pressões humanas sobre o mundo natural em termos de risco de novas pandemias. Nessa mesma direção, a Diretora de Saúde Pública e Meio Ambiente da Organização Mundial de Saúde (OMS), Maria Neira, afirmou que “70% dos últimos surtos epidêmicos começaram com o desmatamento. Os vírus do Ebola, Sars e HIV saltaram dos animais para os humanos depois da destruição maciça de florestas tropicais” (El País, 6/2/2021).
A problemática da crise ecológica constitui o principal crivo pelo qual devemos repassar toda a nossa concepção política e teórica. É a questão chave que os partidos e os governos vão se colocar nas próximas décadas. O fato de isso não estar sendo percebido hoje se deve, à direita, pela ganância de lucros e uso predatório dos recursos naturais e, à esquerda, pela crise do marxismo, segundo o qual o desdobramento e aguçamento das contradições internas de classe nos países capitalistas provocaria a solução proletária para os problemas da humanidade em geral. E isto não ocorreu.
A Crise Ecológica, expressando a contradição “Homem x Natureza”, tende a ser a questão chave para a superação do capitalismo tal como o conhecemos hoje. Mas o que significa realmente isso?
A sobrevivência da humanidade está em risco pelo esgotamento, em futuro previsível, de matérias primas essenciais à vida humana, tendo em vista o uso abusivo de recursos naturais que destroem a biodiversidade e liberam gases de Efeito Estufa, provocando o aquecimento global, com enorme impacto nas mudanças climáticas. O que está em questão é como transformar a civilização em seu conjunto para assegurar a continuidade da existência da humanidade no Planeta. A crescente escassez de recursos agrava a situação mundial, tornando as guerras mais prováveis.
A crise ecológica não é um problema isolado de sobrecarga do meio ambiente. Ela tende a ser o vértice da necessidade geral de sobrevivência da humanidade, o que exige sua libertação da ordem econômica capitalista. A crise ecológica é agravada pela política neoliberal que prioriza o lucro do mercado em detrimento da sociedade em geral, conforme os interesses das grandes corporações e monopólios atuais. É necessário fazer uma ruptura nesse mecanismo motriz capitalista. Mas o sujeito que havia sido previsto para fazer essa revolução, o sujeito proletariado, tal como havia sido definido, não produzirá a ruptura.
A crise ecológica significa que nos encontramos agora perante o desafio de situar o centro de gravidade do problema nas forças produtivas. Como não foi possível até agora romper as relações capitalistas de produção a partir da contradição trabalho Assalariado x Capital, chegamos a um ponto em que a crise ecológica irrompe a partir das forças produtivas, deslocando a luta de classes tradicional a um segundo plano.
Trata-se de buscar novas prioridades que tenham como ponto de partida o trabalhador coletivo da sociedade capitalista atual que, mais cedo ou mais tarde, vai priorizar em sua estratégia política a crise ecológica pelo papel central que ela desempenha na superação do capitalismo que ameaça hoje a sobrevivência da humanidade no Planeta.