Samyra Crespo | Ambientalista. Ex-Presidenta do Jardim Botânico do Rio de Janeiro
A intenção de extinguir o ICMBio – conhecido como Instituto Chico Mendes, que é responsável por 334 unidades de conservação federais, algumas maiores do que alguns estados brasileiros, caso da Raposa do Sol, e outras da Amazônia, é um crime de lesa-Pátria.
Reguladas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), as nossas áreas verdes e florestas estão em três categorias principais: as de proteção integral, as de proteção parcial, e as de uso sustentável; uma quarta categoria deve também ser mencionada: as que se prestam aos interesses científicos como é o caso de santuários e reservas biológicas.
Tirando alguns parques nacionais, bem estruturados, que se prestarão à privatização, concessão ou seja lá o termo que se criar, as demais ficarão vulneráveis e sujeitas ao saque. Já estão, mas o saque se intensificará. Por saque entendemos o retiro ilegal de madeira, de plantas ornamentais, caça e garimpo. Além da favelização das franjas dos parques.
Criar o ICMBIo, decisão tomada na gestão da ex-ministra Marina Silva, durante o Governo do presidente Lula, teve seus argumentos acolhidos pelo Congresso. Ninguém cria instituto federal, que implica quadros permanentes e despesas contínuas sem o agreement do Congresso. Por criar demanda ao Orçamento da União, precisa de projeto de Lei. Assim, para extinguir – ou fundir com o IBAMA, que parece ser a intenção, precisa de aprovação do Legislativo.
Este cuidado – o de necessitar do Congresso para criar ou extinguir instituições é uma medida de proteção, pois todo Executivo, todo Governo tem a tentação de redesenhar o País e a Máquina para que sejam funcionais aos seus desígnios casuísticos.
O fato é que a gestão do meio ambiente se tornou complexa e crucial nas últimas décadas, até mesmo estratégica para qualquer um que tenha olhos para o futuro, para onde está rumando o mundo. O mundo sinaliza com um novo “new deal” – chamando-o de “Green Deal”. O Brasil tem um dos maiores patrimônios ambientais do Planeta – mas o projeto do Governo atual é torná-lo produtor de commodities. Já foi café e cana, agora é a vez de milho e soja. E gado.
No passado, Ibama (Órgão que precedeu à criação do Ministério do Meio Ambiente no inicio dos anos 90′) tinha sob sua responsabilidade as unidades de conservação e era bem óbvio que não podia dar conta. Órgão licenciador (portos, aeroportos, plantas de exploração de petróleo, hidrelétricas, etc) e fiscalizador, em todos os planejamentos que foram feitos, a partir da década de 90′ – ficou demonstrado que o mesmo estava estrangulado. As competências exigidas para a gestão estratégica da biodiversidade do País estavam ausentes. Participei pessoalmente, pelo menos de uns três planejamentos estratégicos do Ibama (milhões gastos em consultorias) – para se chegar à conclusão razoável de que naquele desenho institucional, não era possível assumir as funções que são hoje do Instituto Chico Mendes.
Foi mais de uma década necessária para institucionalizar e dotar o ICMBio da expertise que hoje detém: treinando, formando os pesquisadores e técnicos, realizando os concursos para que a instituição se tornasse excelente e referência internacional, o que de fato ocorreu.
Além de uma “economia burra” não existe um argumento sequer que se sustente para extinguir o ICMBio. O Ibama já estava estrangulado no passado e
continua, ainda hoje atuando no limite da sua capacidade, quase totalmente utilizada para combater o crime ambiental e cuidar dos licenciamentos.
Rômulo Mello, primeiro presidente o ICMBio, já falecido, concorreu a uma chamada pública para apresentar seu plano de gestão – que foi vencedor, em tempos em que não só cupinchas eram guindados aos postos de responsabilidade na República. O critério técnico tinha valor. A credibilidade também.
A gestão da biodiversidade não é só administrar parques e reservas. É uma gestão informada pelos tratados internacionais, pela Convenção da Biodiversidade da qual somos signatários, da compreensão de quais são os spots sensíveis (populações animais e vegetais vulneráveis ou em vias de extinção).
Recente pesquisa do Ibope Inteligência, divulgada nos meios de comunicação, mostra claramente que a opinião pública não deseja o desmatamento nem as queimadas e compreende que os efeitos climáticos advindos de tal devastação serão severos.
Nem sempre o Congresso – sujeito à pressão do Executivo e dos lobbies empresariais – ouve a voz que vem das ruas e da sociedase civil organizada.
Se assim for, quando os especialistas dizem que o Executivo fez “barba, bigode e cabelo” na eleição das duas Casas (Câmara e Senado), teremos uma difícil batalha pela frente.
Defender o ICMBio não é defender uma corporação ou o gigantismo do Estado. É impedir a aceleração da estratégia de desmonte da área ambiental em curso.
A quem beneficia uma desorganização do nosso sistema de proteção de florestas, áreas verdes e vida selvagem?
Se você conseguir responder a esta pergunta com honestidade, verá o tamanho e a gravidade do crime que será cometido com a extinção do Instituto Chico Mendes. Simples assim.