Lúcia Chayb e René Capriles || Revista ECO21
Julho de 2019 celebra três grandes aniversários: os 50 anos da chegada do homem à Lua; o centenário de James Lovelock e os 50 anos da Hipótese de Gaia, a visão filosófica que mudou o que se pensava saber sobre a Terra e a vida nela contida. Lovelock, que vive em Dorset, na costa inglesa do Canal da Mancha, ao lançar a ideia de que a Terra é um sistema autorregulado capaz de manter o clima e a composição química da biosfera num nível propício para permitir que os organismos possam viver, o mundo da ciência a chamou isso de ficção hippie. Biólogos e geólogos a criticaram duramente ao longo de 25 anos; apenas os climatologistas consideraram que era uma ideia de grande utilidade, tal como, depois, evidenciaram inúmeros modelos matemáticos. Agora, ao ser aceita por quase todos, tornou-se a Teoria de Gaia. De forma paralela a essa celebração, um relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), revelou números “sem precedentes” na história humana sobre como a irresponsabilidade do homem poderia provocar a chamada “sexta extinção das espécies”. O Relatório conclui que cerca de um milhão de animais e vegetais devem desaparecer nas próximas décadas. O equilíbrio estabelecido ao longo de milênios e descrito pela Teoria de Gaia agora se encontra ameaçado pela ação antrópica. Este processo baseado na inter-relação dos seres humanos com as outras espécies interdependentes que habitam a Terra envolve uma revisão completa da nossa relação com a vida no Globo. Os humanos provocaram a catástrofe climática deixando o Planeta totalmente desestabilizado; a Terra perdeu a sua resiliência e já não é capaz de se autorregular. Somado a isso, uma recente linha de pensamento negacionista gerou uma classe política altamente perigosa pela sua capacidade destrutiva. O nome mais importante dessa casta é Donald Trump. Ao assumir a presidência dos EUA iniciou uma guerra contra todas as conquistas ambientais estabelecidas em leis para proteger os diferentes ecossistemas e a vida gerada neles. Essa linha de pensamento de como gerir o Estado, foi se reproduzindo em diferentes níveis e nas mais diversas áreas sociais. Os negacionistas, fortemente apoiados pelo protestantismo que culmina na chamada “igreja evangélica”, chegaram a afirmar que a Terra é plana. Os sucessivos eventos da crise climática: grandes inundações, secas impiedosas, furacões de nível máximo, estão mudando tanto a geografia quanto as relações sociais. E o Brasil não está distante disso. O novo Governo apoiado no negacionismo simplesmente está obcecado em desmantelar todas as conquistas realizadas nos últimos 50 anos. A legislação ambiental brasileira nasceu junto com a Hipótese de Gaia e tornou-se exemplar no mundo. Em 1974, o professor e biólogo Paulo Nogueira-Neto criou o primeiro órgão ambiental federal do país, a Secretaria Especial de Meio Ambiente, transformada depois no atual Ministério do Meio Ambiente. Em sua gestão foram criadas 26 estações ecológicas, reservas biológicas e outras Unidades de Conservação, num total de 3,2 milhões de hectares de áreas protegidas. Também elaborou e apoiou a criação de diversas leis ambientais. Mas, a visão do atual Governo visa destruir esse patrimônio seguindo o exemplo de Trump que quer acabar com as rigorosas leis que protegem a vida animal e vegetal nos EUA, entre elas, o “Endangered Species Act” que é de 1973. O desmantelamento do IBAMA, do ICMBio, do INPE é o melhor exemplo disso. O escritor ambientalista David Mattin disse que “em 2019, o capitalismo neoliberal e globalizado está enfrentando grandes desafios; o clima, cada vez mais extremo, expôs a ideia de que podemos transcender a política e mostrá-la pelo que ela realmente é. Isto é, uma ideologia que separa a natureza da vida coletiva humana”. Isso significa que não há escapatória do fato político. O sistema que vivemos hoje está condenado. Sua lógica é a do crescimento infinito alimentado por carbono; ela exige que continuemos estimulando o tecnocapitalismo para benefício de poucos. Assim, a realidade que temos à nossa frente é a de um colapso ecológico iminente. Infelizmente, o Brasil parece enveredar por uma estrada sem radares levando as crianças num carro sem cadeirinha e acreditando que a Terra é plana. Há 50 anos também deixamos o primeiro saco de lixo na Lua. Um legado e tanto.