Paulo Nogueira-Neto|Professor Honorário do Instituto de Estudos Avançados.
Texto da conferência realizada em 25 de agosto de 1994 no IEA
Após a Conferência RIO-92, houve um grande vácuo no que se refere às esperadas ações complementares de grande porte, que somente agora começam a despontar. Imensas expectativas, geradas numa reunião cheia de esperanças, mas que produziu poucos resultados concretos na sua esteira, levaram a uma situação de desalento. Os preparativos foram feitos com muito entusiasmo. Universidades se mobilizaram. A USP constituiu uma Comissão de Meio Ambiente, da qual participei.
O próprio Secretário Geral do evento, Maurice Strong, visitou essa Comissão na Cidade Universitária. A Prefeitura Municipal de São Paulo organizou eventos, assim como o Estado e outras entidades. Tínhamos a sensação de ter o futuro do planeta ao nosso alcance. Não aqui e agora, mas amanhã.
Nesse ambiente festivo, esperançoso e diria ambicioso, a Conferência se iniciou com grande entusiasmo cívico. Durante a reunião falaram numerosos oradores, mas havia no ar uma certa decepção. As entidades não governamentais, e mesmo as governamentais de nível mais modesto, verificaram ter à sua disposição apenas o acampamento de tendas que se montou no Aterro do Flamengo, e pouco mais que isso. A própria organização das tendas funcionou de modo precário, com excessivo calor físico em alguns locais. Pior que isso, os organizadores dos eventos não governamentais ultrapassaram os seus orçamentos.
Prestadores de serviços, com pagamentos atrasados, ameaçaram suspender fornecimentos. Os jornais comentaram a inusitada situação. Como colaborador de Maurice Strong, vi o misto de surpresa e desolação com que pessoas ligadas aos governos de países desenvolvidos comentavam a situação. Observei também a preocupação de membros do segundo escalão do governo brasileiro, que não podiam resolver sozinhos os problemas. Os países ricos não estavam dispostos a abrir as bolsas além do que havia sido planejado.
Logo depois da RIO-92 retornei às minhas origens paulistanas e não sei como a crise financeira foi resolvida. Por outro lado, na Conferência propriamente dita, à qual tive acesso, o ambiente era de preocupação, principalmente com a posição dos Estados Unidos. O Presidente Bush chegou ao ponto de não assinar a Convenção sobre as Mudanças Climáticas e a Biodiversidade, os dois pontos básicos da RIO-92. Essa atitude somente foi reparada muito depois pelo seu sucessor, o Presidente Clinton, que firmou os documentos.
A Conferência RIO-92, que realmente foi a maior reunião internacional realizada fora da sede das Nações Unidas, nos seus últimos dias mergulhou numa atmosfera de anticlímax. Essa situação atravessou os umbrais da reunião e espalhou pelo mundo uma sensação de que o meio ambiente não era mais um assunto tão prioritário. Tenho a impressão de que somente agora, quase três anos depois da RIO-92, começa a tomar novo impulso uma autêntica e forte preocupação pela qualidade ambiental.
Na realidade, a luta por um meio ambiente melhor não se paralisou nesse tempo de vacas magras. Contudo, inegavelmente ela entrou num processo de marcha lenta. Essa situação foi agravada no plano internacional pela guerra na Croácia e na Bósnia. No Brasil, a queda de um Presidente e o disparo da inflação, limitaram muito as atividades ambientalistas. Enfim, dentro e fora da Federação Brasileira, outros cenários e outros atores ocuparam a ribalta.
Coincidência ou não, uma série de fatores vêm atuando em conjunto e sinergicamente, uns agravando os outros, para saturar a capacidade de carga do Planeta Terra. Assim, por exemplo, os adeptos da chamada “Revolução Verde” dos anos 60 e 70, depois dos seus sucessos iniciais em matéria de aumento de produtividade agrícola, ao que parece tendem a pensar que os cultivares e híbridos de plantas poderão ser continua e sucessivamente aperfeiçoados, no sentido de tornarem a agricultura mais e mais produtiva.
Contudo, esse é um processo que não pode continuar indefinidamente, por maiores que sejam os progressos biotecnológicos. A razão é simples. A produtividade de qualquer planta, em termos de produção matéria orgânica, depende basicamente da clorofila, indispensável à fotossíntese.
Há um limite para a quantidade de clorofila que numa folha pode funcionar efetivamente, por centímetro quadrado ou qualquer outra unidade de área. Não existe crescimento material infinito. Estamos chegando perto dessa última barreira à expansão agrícola. É fácil aumentar muito a produtividade de uma roça cabocla. Mas é difícil tornar mais produtivo um campo de cultivo agrícola que já emprega as melhores tecnologias atuais. Além de um certo patamar, os ganhos adicionais são progressivamente mais difíceis, como aliás já se sabia desde o Século XIX, principalmente em relação à adubação. Por outro lado, há pessoas que acenam com a possibilidade de incorporar novas áreas à produção agrícola, à custa da incorporação de pastagens ou da derrubada de florestas.
No primeiro caso, é necessário considerar que mais e mais as pastagens cedem lugar à agricultura e a pecuária se refugia em lugares acidentados, ou de solos frágeis, arenosos ou pedregosos. Como regra geral, a agricultura torna-se mais intensiva e o pastoreio mais extensivo. Não estou me referindo, obviamente, à engorda de gado em confinamento, pois esta é, no final das contas, um subproduto da agricultura.
Assim é possível, numa primeira etapa, expandir a agricultura à custa da pecuária, como foi realizado nos anos 70 e 80 com a expansão da cultura canavieira no Estado de São Paulo. Depois, porém, novas expansões agrícolas que desloquem a pecuária se tornam muito difíceis. É preciso considerar que os limites para a ocupação agrícola são basicamente, os limites impostos à atividade dos tratores e seus implementos. É totalmente enganoso pensar em propriedades agrícolas rentáveis à base da enxada. Esta somente subsiste em cultivos de subsistência. Os que dependem da enxada estão condenados à miséria, como se vê frequentemente na Amazônia, na Serra do Mar e em outros lugares.
Outra possibilidade de expansão da Agricultura seria a derrubada das florestas. Contudo, florestas vicejando em terra boa constituem, hoje, verdadeira raridade. A FAO em anos passados, num dos seus estudos, considerou de um modo geral a floresta amazônica como uma grande reserva agrícola do futuro. Isso é, simplesmente, uma miragem. Há anos passados, indaguei de um dos dirigentes do Projeto RADAM, qual a porcentagem de terras boas para a agricultura existentes na Amazônia. Foi-me dito que cerca de 7% da Amazônia poderia figurar nessa categoria. Outros 48% poderiam ser ocupados pela agricultura, mas com grandes limitações. Assim, essa terra teria que ser continuamente coberta por leguminosas e as culturas deveriam ser permanentes. Os restantes 45% eram compostos por solos tão frágeis, que não deveriam nunca ser cultivados. Não será demasiado lembrar, nesse contexto, que a estrada de rodagem Manaus-Caracaraí teve que mudar 3 vezes de traçado, por serem demasiado arenosos os solos de uma vasta região cortada pela rodovia. Não tenho os dados do que ocorre no Zaire e na Indonésia, onde ainda existem grandes florestas tropicais, mas é de supor que a situação seja semelhante à da Amazônia. Como todos sabem, o clima é o grande agente que transforma a rocha matriz em solo.
Em resumo, as possibilidades de aumentar grandemente os solos agrícolas do mundo são muito limitados. Poderíamos, talvez, expandir a agricultura em cerca de 20%, embora em muitas regiões já exista uma tendência inversa, a da perda desses solos, por uma série de fatores. É o que ocorre, por exemplo, no Sahel, na África, e na região do Mar de Aral, na antiga União Soviética. Mesmo entre nós, em parte do Vale do Ribeira, os bananais das encostas das montanhas estão sendo substituídos naturalmente por caapoeiras, onde a arvoreta dominante é a quaresmeira (Tibuchina mutabilis). Em Março-Abril, isso é muito visível e constitui um belo espetáculo, pois nessa ocasião a quaresmeira está em flor.
Nestes mesmos dias, em que a possibilidade de ocupação de terras novas pela agricultura é cada vez mais escassa, surgem com intensidade crescente os primeiros efeitos mais visíveis do chamado “Efeito Estufa”. As quantidades de carbono lançadas anualmente na atmosfera têm aumentado continuamente desde meados do último século. Há uma estreita correlação positiva entre a quantidade do carbono na atmosfera e os períodos de maior aquecimento climático. Um notável trabalho foi realizado na Estação Russa de Vostok, na Antártica, por uma equipe francesa e russa. O exame de uma coluna de gelo de 2 km de profundidade permitiu examinar a atmosfera do passado através do exame das bolhas de ar ali aprisionadas. Por outro lado, a proporção do O16 e do O18, assim como o exame do Deutério, permitiram datar as amostras. Assim, foi possível determinar, de modo bastante preciso, quais os períodos mais quentes e mais frios, durante os últimos 160 mil anos. Foi possível, igualmente, conhecer as quantidades de carbono existentes na atmosfera de cada uma dessas épocas, seja em gás carbônico CO2, seja em metano (CH4). Assim, não há mais dúvidas sobre a veracidade da ocorrência do efeito estufa em épocas passadas.
Veja-se, a respeito, o excelente artigo de R.A. Houghton & G.M. Woodwell, publicado em Scientific American, 1989, vol. 260 (4) pp. 18-26. Um dos efeitos mais claros do aquecimento da atmosfera é o deslocamento dos cinturões climáticos, que se expandem na direção dos polos. Nos períodos mais frios, ou seja, nos períodos glaciais, houve o efeito oposto. C.E.P. Brooks comentou o assunto no seu excelente livro de 1949 “Climate through the ages”: (Mc Graw-Hill Book Co). Esse trabalho, diga-se de passagem, teve pouquíssima repercussão no Brasil, talvez por dedicar mais atenção à África Oriental.
O aquecimento climático, devido ao Efeito Estufa, faz os ecossistemas migrarem. Isso lhes causa a perda de numerosas espécies, pois nem todas avançam para as novas áreas com a mesma velocidade. Distâncias que durante a última glaciação ou no presente período interglacial, em cada oscilação climática maior eram vencidas em centenas ou mesmo em milhares de anos, agora tem que ser transpostas em apenas 30, 40 ou 50 anos.
Segundo o Prof. Eneas Salatti, um aumento médio de temperatura de 2°C será suficiente para fazer o clima da região de São Paulo se deslocar para Buenos Aires. Ocorre que uma árvore, para citar um exemplo, produz frutos e sementes que a fauna leva a alguns quilômetros mais adiante. Ali as sementes germinam e somente uns 6 ou 10, às vezes 20 ou 30 anos mais tarde, novos frutos e sementes são formados. Nessa “marcha rápida” muitas espécies vegetais e os seus seguidores animais não sobrevivem e morrem. Haveria uma extinção maciça da biodiversidade.
O deslocamento dos cinturões climáticos constitui também um duríssimo golpe à agricultura. Significa uma mudança geral nos climas locais. Assim, terras férteis e com pluviosidade suficiente para a produção de grandes safras, como os praries da América do Norte, ou os pampas argentinos, poderão no futuro ter novos climas e consequentemente produzir menos. Por outro lado, terras semiáridas que se tornarem mais chuvosas, levarão muitos anos para que ali se formem bons solos agrícolas.
Apelar, nessa emergência, para a irrigação, poderá ser em grande parte inútil. Os enormes investimentos que serão necessários para manter a produtividade de solos hoje muito cultivados, e que se tornarem mais secos, chocam-se com os incessantes aumentos de demanda d’água doce por parte das populações urbanas, cada vez mais exigentes e politicamente mais fortes. Além disso, a salinização e a consequente perda de solos irrigados é uma constante. É preciso haver muita água disponível e excelente tecnologia, nem sempre de aplicação factível, para evitar a salinização, que já inutilizou grandes áreas no mundo que antes eram irrigadas. É o caso da Mesopotâmia, da região do Mar de Aral, e até de partes do Nordeste Brasileiro. No Egito, vi pessoalmente essa situação no grande Oásis de Fayaun.
Outro grande problema, que está na raiz de muitos outros, é a explosão demográfica que ainda está em curso. O planeta tem hoje cerca de 5,5 bilhões de habitantes. A média anual de incremento é de 2%. Assim, se essa média for mantida, a população dobrará em apenas 36 anos. As Nações Unidas e outros organismos preveem geralmente um prazo mais dilatado para que a população dobre, pois na opinião da maioria dos demógrafos a porcentagem anual de incremento tem decrescido e continuará a decrescer com o passar dos anos. Esses demógrafos preveem que o mundo terá de 10 a 12 bilhões de habitantes em meados do próximo século. Esse número, ao que tudo leva a crer, constitui a capacidade máxima planetária de suporte que poderá ser razoavelmente admitida. Mesmo assim, os 10 ou 12 bilhões previstos não poderão ostentar o grau elevado de consumo que hoje tem os países ditos do primeiro mundo. Não haverá nem comida, nem energia, nem outras necessidades disponíveis se, repito, essa população desejar ter, em média, o padrão de vida atual da União Europeia ou da América do Norte. Se, depois de meados do próximo século, a população continuar crescendo, os cenários mais favoráveis serão catastróficos, para dizer o mínimo. Mais adiante voltarei a me referir a esses pontos.
O quadro aqui exposto mostra, numa trágica coincidência convergente, que em meados do próximo século (Nota; este texto foi escrito em 1994) os grandes processos agrícolas, edáficos (solos), climáticos, de exaustão de petróleo, demográficos e de extinção de biodiversidade, a que me referi, terão atingido e em muitos casos já ultrapassado alguns limites extremos ou críticos. Convém recapitulá-los brevemente.
A- Os combustíveis fósseis líquidos terão finalmente chegado perto do seu limite econômico, pois restarão apenas algumas jazidas fósseis de extração mais cara e difícil, como certos fundos de mar mais profundos. Além do preço muito mais elevado, as novas quantidades descobríveis serão provavelmente bastante limitadas.
B- As terras novas agricultáveis já estarão todas utilizadas, inclusive as irrigáveis. As perdas anuais de solo, devido à erosão e aos processos de urbanização, excederão de muito os processos naturais de formação de solos novos.
C- A produção agrícola por área já terá chegado ao seu limite máximo, seja pelo melhor uso de adubos e pesticidas, seja pela engenharia genética e pelos processos integrados de combate às pragas. Há, contudo, um limite máximo fisiológico de produção possível, em cada área (clorofila por cm2, água disponível, etc.). Nota-se que o uso desordenado e excessivo de pesticidas pode agravar a situação e diminuir a produção.
D- Ao mesmo tempo em que a crescente população, já dobrada nessa época, exigirá maiores quantidades de alimentos, as mudanças climáticas, com o deslocamento dos grandes cinturões climáticos do planeta, transformarão muitas áreas hoje altamente produtivas, em extensões muito menos capazes de produzir. Essas áreas poderão se tornar mais secas. Por outro lado, numerosas áreas que hoje são semiáridas e pouco produtivas, nesse quadro de mudanças climáticas poderão passar a ser úmidas, mas continuarão produzindo escassamente, pois a constituição de novos solos é um processo muito lento. E, pelos mesmos motivos, as aceleradas mudanças climáticas obrigarão os ecossistemas terrestres a se deslocarem rapidamente, o que os desestruturará, radicalmente, extinguindo muitas espécies e assim diminuindo enormemente a atual biodiversidade.
O que acontecerá não será o fim do mundo, nem a extinção da Humanidade. Contudo, representará o fim de todo um estilo de vida. A biodiversidade será radicalmente reduzida e todos os climas locais mudarão, ou melhor, se deslocarão, pois essa é uma consequência certa do avanço ou do recuo dos cinturões climáticos (Nogueira-Neto, “A Questão Ambiental”, novembro/94). Em consequência, como já expliquei, os ecossistemas se desorganizarão profundamente ou mesmo “implodirão” biologicamente, numa extinção maciça de espécies. A produção agrícola se desorganizaria de alto a baixo. Contudo não se extinguiria, pois a Agronomia tem a tecnologia necessária para se reorganizar e desenvolver novos patrimônios genéticos. Além disso, muitos cultivares adaptados a um determinado clima podem ser usados também na nova região para onde esse clima se transloucou. Um planeta em rápida mudança climática estará mais aberto ao intercâmbio de cientistas e de material genético.
Apesar desses aspectos compensatórios, as mudanças climáticas deverão causar certamente uma profunda perda da produtividade agrícola em termos planetários. Como disse, simplesmente não haverá tempo para a formação de novos solos. Isso poderá significar certamente a fome de bilhões de seres humanos. Haverá também uma degradação imensa de muitos solos, pelo cultivo excessivo, realizado para suprir a perda de outros solos cultiváveis. Sob o aspecto biológico, a extinção de muitas espécies vegetais e animais, representará uma perda genética irreparável. Viveremos, enfim num planeta mais pobre, superpovoado de gente, mais degradado, com menores opções ambientais.
Assim, todas essas tendências em ação certamente provocarão uma situação global muito deteriorada, por volta da metade do próximo século. Existe uma série de previsões catastróficas, com se o fim do mundo estivesse à nossa espera, na época em que tantas tendências apontam para uma super-calamidade. No entanto, não sou dessa opinião.
Caminhamos, é certo para uma grande desolação. Mas não haverá nada de parecido com um super-evento cósmico, como foi provavelmente o impacto do grande asteroide, que liquidou subitamente os Dinossauros. O planeta já demonstrou ter uma resistência capaz de absorver e superar muitos impactos desfavoráveis como esse e, sobretudo como os imensos derrames de basalto no Mesozoico e épocas de intenso vulcanismo, além do que ocorreu em pelo menos 6 grandes e intensos períodos glaciais, desde o Paleozoico.
Apesar de todas essas observações profundamente pessimistas sobre o futuro do planeta, há também razões para crer que fatores corretivos poderão se desenvolver a tempo de evitar ou de minorar alguns desses males e perigos. A uma série de considerações muito desfavoráveis, é possível também contrapor uma outra série de argumentos moderadamente otimistas. O resultado final, ou seja, a forma que tomará o mundo do futuro dependerá da interação de muitas variáveis. Passarei a expor, ou melhor, a explorar a possibilidade de se efetivarem projeções capazes de reduzir os impactos negativos previstos.
É possível, embora não seja provável, que já no início do Século XXI, premida pelas desastrosas tendências climáticas em curso, a Humanidade terá finalmente que encarar com prioridade a questão de pôr um paradeiro às imensas quantidades de carbono que todos os dias despejamos irresponsavelmente na atmosfera. Para isso há duas grandes medidas que deverão ser aplicadas, com a maior brevidade possível. Brevidade, aliás, relativa, pela própria natureza e imensidade do que é possível fazer.
Assim, somente há uma maneira prática de sequestrar o excesso de carbono existente na atmosfera. Refiro-me ao reflorestamento. As árvores, ao crescerem, através da fotossíntese retiram carbono atmosférico e o fixam na matéria orgânica da sua própria estrutura física, como as raízes, os troncos, os galhos, as folhas, etc. Parte dessa matéria orgânica irá se decompor, como é o caso folhas caídas no chão, e o seu carbono será devolvido ao ar. Contudo, outra parte permanece íntegra por um certo número de anos. Lembro aqui que o Projeto FLORAM, elaborado sob a égide do Instituto de Estudos Avançados da USP, com a colaboração do Instituto Florestal do Estado e de outras instituições, se propõe a reflorestar na Federação Brasileira cerca de 20 milhões de hectares. É um projeto de alto padrão técnico. A tecnologia necessária já existe. O que faltam são os necessários recursos e a decisão política.
Outra maneira, complementar à primeira, consiste em substituir as fontes de energia à base da utilização de combustíveis fósseis, por outros meios de produção energética. Há interessantes possibilidades tecnológicas, como a utilização das radiações solares em células fotovoltaicas, o uso da energia eólica, em locais de vento constante, a energia geotérmica, baseada no calor existente nas camadas mais profundas da crosta terrestre, etc. Contudo, a meu ver, nenhuma fonte de energia sem carbono é tão promissora quanto a energia da fusão nuclear. Trata-se do mesmo tipo de energia que é produzida pelo sol. Há, é verdade, dificuldades técnicas consideráveis a superar, para que no ambiente da Terra essa energia possa ser produzida de maneira contínua e sustentável. Contudo, já foram e estão sendo realizadas numerosas pesquisas a respeito. O mais difícil já foi conseguido, ou seja, colocar um reator de fusão em funcionamento, embora por um tempo extremamente curto. Para isso foi necessário produzir temperaturas da ordem de 100 milhões de graus centígrados ou algo mais. O problema é que a energia produzida durante o processo é menor que a energia necessária para pôr o equipamento em marcha. Ainda é necessário tornar econômico o processo. É uma questão de tempo. Anualmente vários países, como os EUA, a Grã Bretanha, a Alemanha, o Japão e outros, gastam bilhões de dólares em pesquisas para que a fusão nuclear venha a ser uma fonte prática de energia.
Tive ocasião de visitar o reator (Tokamak) da Universidade de Princeton (USA), a principal unidade experimental em funcionamento. Uma das grandes vantagens de fusão nuclear é o fato dela produzir pouca radioatividade durante o seu processamento. Dois átomos de isótopos de hidrogênio, trítio e deutério, fundem-se para produzir um átomo de hélio. É certo que as paredes e outras partes do equipamento necessário se tornarão radioativos, mas é uma radioatividade de curta duração, da ordem de poucas dezenas de anos. Nada comparável aos muitos milhares de anos de atividade de alguns elementos radioativos como o plutônio, produzidos pelos atuais reatores de fissão nuclear. É preciso não confundir fissão com fusão nuclear.
Com a produção da energia praticamente ilimitada que a fusão nuclear poderá tornar disponível, será possível iniciar uma nova era industrial e energética, com a utilização do hidrogênio como combustível básico. Com isso, será evitado o Efeito Estufa, que está na raiz dos grandes males ambientais que nos ameaçam. Isso tudo, porém, não seria suficiente para reverter as expectativas pessimistas, se não for possível contornar um outro grande polo de preocupações. Trata-se de extirpar do mundo a explosão demográfica. Todas as grandes pressões exercidas contra a integridade física do planeta decorrem direta ou indiretamente, do crescimento demográfico desordenado. Esse tipo de crescimento desastroso e indesejado tem várias causas, que às vezes estão nas raízes culturais de determinados povos. No entanto, para efeitos imediatos e pragmáticos, é possível dizer que a elevação do nível de vida das populações que vivem em estado de miséria, é a maneira mais segura e rápida de conter a explosão demográfica.
De um modo geral, é o que a História nos ensinou. Quando as populações atingem um nível econômico mais elevado, via de regra podem cuidar melhor de sua saúde. Além disso, podem concentrar esforços e recursos para que, tendo poucos filhos, estes consigam obter melhores oportunidades de educação, de assistência médica, de habitação, de emprego e assim por diante. Quem está em estado de miséria mal tem tempo para refletir sobre as alternativas existentes para a sua sobrevivência. As famílias que estão em condições miseráveis, para sua subsistência necessitam contar com a ajuda de muitos filhos e agregados, cada um dos quais trás algo que permite ao conjunto subsistir. Mas isso geralmente não permite sair dos desumanos círculos viciosos da miséria.
Fiz parte, como um dos dois representantes da América Latina, da Comissão das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Ficou depois conhecida como Comissão Brundtland, nome da nossa Presidente Gro Brundtland, Primeira Ministra da Noruega. A Comissão, que preparou o terreno para a Conferência RIO-92, procurou estudar a fundo os principais problemas ambientais do Planeta Terra e dos seus complicados e muitas vezes imprevisíveis habitantes. Os trabalhos realizados estão condensados no livro “Nosso Futuro Comum”, traduzido e editado pela Fundação Getúlio Vargas. Uma das principais conclusões, ou pelo menos a que se tornou mais conhecida, é a proposição do desenvolvimento sustentável. Está se criando toda uma nova ideologia (Nogueira-Neto, “A Questão Ambiental”, novembro/94), em torno desses conceitos e propósitos. Não se trata de uma proposta de caráter liberal, pois cabe ao Poder Público intervir quando for necessário, no campo social, ambiental, educacional, da justiça e ordem pública democrática, para assegurar um nível mínimo de qualidade de vida a todos. Por outro lado, não é uma ideologia de caráter socialista, pois as atividades econômicas, embora fiscalizadas pelo Estado, cabem basicamente à iniciativa privada, com limitações democraticamente fixadas. No campo ambiental, e em outros setores, o Estado não pode abrir mão do Poder de Polícia.
O critério de sustentabilidade aplicado ao campo econômico, poderá contribuir muito para evitar atividades predatórias. O conceito estabelecido pela Comissão Brundtland para poder dar ao termo uma definição mais consistente, dizia que são autossustentáveis as atividades que não prejudicam as gerações futuras. Realmente, não podemos usar os recursos materiais terrenos sem deixar a mesma possibilidade aos nossos descendentes. Isso é importante, mas há certos recursos, como os minerais, que não podem se recompor. Por essa e por outras razões de ordem prática, hoje fala-se mais em sustentabilidade que em auto-sustentabilidade. Evidentemente não se pode dar aos termos definições rígidas, quando a referência é feita a recursos que são muito necessários, mas que não se sabe se poderão ser efetivamente mantidos por um tempo que exceda ao período de vida de várias gerações. Sustentabilidade, pois, tem o significado de uso continuado, não predatório, de utilização racional, visando sustentar ao máximo, ao longo do tempo não somente os recursos econômicos, mas também os valores ambientais, sociais, culturais e, sobretudo éticos, como o mandamento do amor ao próximo.
Além disso, é necessário incorporar ao conceito de sustentabilidade, o critério de que as decisões a seu respeito devem respeitar o interesse público, serem transparentes e assumidas de modo democrático pelas populações interessadas. Toda a legislação referente aos EIA-RIMAS (Estudos e Relatórios de Impacto sobre o Meio Ambiente) está dentro desse contexto democrático de qualidade de vida. Por isso mesmo os compostos e as autoridades com tendências autoritárias não gostam dos EIA-RIMAS.
O quadro geral das perspectivas ambientais para a época crítica de meados do próximo século, apresenta perspectivas perigosas, no que se refere ao aquecimento climático e as suas tremendas consequências ecológicas e econômicas. Também as perspectivas demográficas ainda são preocupantes, embora estejam melhorando. Essas duas grandes ameaças, a bomba demográfica e a bomba climática serão certamente capazes de trazer a morte e incontáveis sofrimentos a bilhões de pessoas. Contudo, para desarmar esses dois grandes perigosos explosivos, que se ramificam em muitos outros, há um instrumento válido. Trata-se, repito, do desenvolvimento democrático e sustentável, princípio que não nasceu pronto e acabado, mas que urge desenvolver, aperfeiçoar e implantar como a grande ideologia do Século XXI. Dela e dos seus desdobramentos depende a qualidade de vida das gerações futuras. Não é pouca coisa. E mesmo sob o aspecto teológico, devemos considerar essas futuras gerações também como o nosso próximo. O Criador nos legou este mundo com deveres e responsabilidades implícitas e explícitas, que não podemos ignorar. Certamente não foi para transformar o planeta numa imensa Somália, que estamos aqui.