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Como o Green New Deal está sendo construído

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Na sequência da vitória de Donald Trump em 2016, um grupo progressista chamado Justice Democrats entrou em ação. Se o establishment liberal não conseguisse manter Trump no poder, claramente era hora de algum sangue novo político. O grupo embarcou em busca de potenciais candidatos, fazendo uma chamada nacional para indicações de líderes comunitários que poderiam ser bons membros no Congresso. No ano seguinte, os democratas da Justice convidaram alguns indicados destacados para o “The Candidate Summit”, um encontro em Frankfort, Kentucky. Muitos ouviram sobre uma delas: Alexandria Ocasio-Cortez, agora uma congressista novata, especialista em mídia social e porta-voz dos progressistas americanos.

Mas você provavelmente não ouviu falar de outra pessoa: Demond Drummer, 35 anos, organizador de base, que na época era co-fundador de um grupo que ensina ciência da computação para crianças no lado Sul de Chicago. Nesse encontro, Drummer percebeu que concorrer para o Congresso não era para ele, pelo menos por enquanto. Em vez disso, lançou outra ideia: criar um novo think tank progressivo que explorasse como impulsionar uma sociedade mais justa.

Esse pensamento permaneceu preliminar até o verão de 2018, quando Drummer participou do Aspen Ideas Festival, no Colorado. Ele se sentou durante as palestras, mas não estava ouvindo sobre ideias que poderiam começar a resolver os problemas que enfrentamos neste país. Ele teve uma percepção: as pessoas que estão no poder não têm ideia do que deve acontecer a seguir. “Esse foi meu momento de agora”, disse. Se interessou em começar uma organização e pensou: “esse é o objetivo da minha vida”.

Drummer se perguntou: Quais são as ideias que podem consertar a economia e curar o Planeta? Seria possível construir uma organização que pudesse encontrar uma solução para a crise climática, a crise econômica e a crise global, que está enraizada na história da injustiça sistemática: como ele disse: “tudo ao mesmo tempo?” E esclareceu “realmente me interessou trabalhar na ideia de construir uma organização; essa foi a ideia do Novo Consenso” Mais tarde, naquele ano, começou a colocar o conceito em ação. A noção de Drummer, desde o início, era que os EUA não precisavam apenas resolver as mudanças climáticas; precisavam de uma transformação econômica, uma reformulação e repensar o que possibilitaria colocar um futuro sustentável em terreno sólido. 

Ele não era o único a pensar assim – variações desse conceito vinham surgindo há vários anos, sob a rubrica geral de um Green New Deal. Nos últimos meses, o Green New Deal recebeu uma grande atenção da mídia. O barulho se concentra em grande parte na Deputada Alexandria Ocasio-Cortez, que – com a ajuda de um quadro local de jovens afiliados ao grupo ativista Sunrise Movement – popularizou a ideia. Antes de começar o think tank progressista New Consensus, Demond Drummer ensinou ciência da computação para crianças no South Side de Chicago. 

Em Fevereiro, Ocasio-Cortez, juntamente com o Senador de Massachusetts, Ed Markey, apresentou um Projeto de Lei não vinculante que estabelecia os objetivos da proposta. Isso deixou Washington num frenesi. Senadores democratas que disputam a nomeação presidencial de 2020 adotaram a proposta e candidatos republicanos estão igualmente ansiosos para ver como poder usá-la. Enquanto Ocasio-Cortez alimentava as chamas do apoio público a esse plano, Drummer percebeu que o New Deal Verde era a “melhor expressão tangível e concreta do tipo de economia e política pela qual estávamos lutando e tentando nos desenvolver”.

Todo esse barulho e agitação obscureceram precisamente o que é o Green New Deal – as ideias mais profundas que o motivam e as pessoas que o estão tirando do papel. É simplesmente um plano climático com uma lista de desejos progressistas como a maioria descreveu? Ou é algo muito mais poderoso; uma tentativa de quebrar um establishment político calcificado e levar a economia para uma nova direção?

Construindo a equipe

Ao mesmo tempo em que Drummer estava desenvolvendo seu plano, Rhiana Gunn-Wright, bolsista da Rhodes e ex-estagiária de Michelle Obama, trabalhava como diretora de política do progressista candidato ao governo de Michigan, Abdul El-Sayed. Ela estava desenvolvendo ideias inovadoras, como MichCare, um plano de saúde de pagador único em nível estadual, mas a tentativa do candidato por uma nova visão para Michigan falhou. Ele perdeu para um candidato mais moderado no outono passado.

Gunn-Wright estava seguindo em frente, se preparando para se candidatar à Faculdade de Direito, quando Drummer se aproximou dela. Ele tinha ouvido falar de seu trabalho para El-Sayed – suas 11 propostas de políticas e 250 páginas de documentos políticos – e queria que ela se juntasse à sua equipe. “Sua reputação a precedeu”, disse. Ela aceitou a oferta.

Gunn-Wright e Drummer são agora o núcleo do Novo Consenso – “uma visão política que se move como uma organização”. Drummer diz que está crescendo; mas ainda tem apenas um punhado de funcionários. Eles têm uma tarefa formidável pela frente: em menos de um ano, tem de criar um conjunto de políticas de mudanças da nação que pode reorientar a economia na direção da justiça ambiental e da sustentabilidade. O cronograma é tão curto porque, o mais tardar até Março de 2020, Ocasio-Cortez planeja lançar sua proposta de legislação baseada no New Deal Verde na Câmara. Se 10 meses depois, os Democratas ganham o controle da Câmara, do Senado e a Presidência – algo possível de acordo com especialistas políticos – partes do Acordo (Deal) podem ter uma chance de se tornar Lei.

Para ter certeza, o Novo Consenso não está sozinho nesta missão. Outros jogadores incluem o Movimento Sunrise, os Democratas da Justiça (que conta com Drummer como membro do conselho) e, é claro, o comitê de Ocasio-Cortez. Mas Drummer e sua equipe, nas suas palavras, estão “jogando na defensiva” na tradução de suas ideias em ação.

Mais do que apenas verde

Enquanto o Green New Deal foi descrito principalmente na imprensa como um plano climático, Gunn-Wright e Drummer o veem como um triângulo, com a justiça, a economia e a ação climática formando cada lado. É uma maneira diferente de pensar sobre sustentabilidade, algo que surge, em parte, do fato de que nem Drummer, nem Gunn-Wright, estão envolvidos no movimento ambiental tradicional.

“Isso é provavelmente uma coisa muito boa”, disse Drummer. O chamado “Big Green” – as principais organizações ambientais nacionais e outras organizações sem fins lucrativos tradicionalmente associados ao movimento – tem um histórico de priorizar objetivos como a conservação de projetos que ajudariam comunidades marginalizadas que frequentemente arcam com cargas desproporcionais da economia baseada em combustível fóssil.

Para Drummer e Gunn-Wright isso não é bom o suficiente. Não é suficiente avançar contra uma economia estratificada, onde apenas os ricos podem dirigir carros elétricos, morar em casas alimentadas por energia renovável, respirar ar limpo e beber água limpa. “Esse cachorro não vai caçar”, disse Drummer, que é originalmente do Texas. “O que nós queremos é uma economia de zero desperdício, zero carbono, zero pobreza.”

Com muita frequência, disse Gunn-Wright, as políticas são divorciadas das realidades vividas pelas pessoas. “Então o ônus acaba nas comunidades que menos favorecidas, que geralmente têm menos capital social, menos capital político, menos tempo para ir às ruas, se organizar para que essa política seja reconsiderada”, explicou ela. Como líder em políticas para o Novo Consenso, ela quer inverter esse roteiro e consultar primeiro às comunidades marginalizadas.

Em sua essência, o Novo Consenso compartilha algumas prioridades com o movimento pela justiça ambiental, que enfatiza a equidade no clima e as soluções ambientais. “O movimento esclarece como as questões da mudança climática estão diretamente relacionadas com as questões de justiça social, justiça racial, justiça econômica”, disse Drummer.

Assim, em sua versão do Green New Deal, o New Consensus se alinha em objetivos não climáticos, como a assistência médica universal, a garantia federal de empregos e uma transição para fontes de energia renovável que de aos trabalhadores dos combustíveis fósseis um papel de destaque. “O papel deles é crucial em ver um New Deal Verde que vai não apenas abordar a mudança climática, mas também a crescente desigualdade”, disse Alexandra Rojas, Diretora-Executiva da Justice Democrats.

Uma parceria público-privada

A economia vislumbrada pelo Novo Consenso parece muito diferente da que temos agora: nesta versão do futuro, os estadunidenses serão empregados em indústrias verdes bem pagas, cobertas pelo seguro universal, e receberão o treinamento necessário para fazer a transição para uma economia sustentável. De acordo com Drummer, os setores público e privado devem trabalhar juntos para que os EUA cheguem a esse ponto e façam a sua parte para ajudar o mundo a evitar a catástrofe climática. Na sua opinião, ambos os partidos políticos operaram nas últimas décadas sob um modelo econômico que dá ao setor privado muita força. O resultado: a privação dos direitos dos trabalhadores e a erosão da classe média.

Como modelo para a sua legislação Green New Deal, o New Consensus está estudando como a política federal desenvolveu o setor manufatureiro durante a Segunda Guerra Mundial. Mas desta vez, em vez de um esforço total para vencer uma guerra, a economia será reformulada em torno do setor da energia renovável. “Não seria ótimo se pudéssemos nos mobilizar em torno de algo que não é guerra?”, Perguntou Drummer.

Também não devemos ter medo de olhar para o passado em busca de inspiração para desenvolver o tipo de política federal que estimulou a manufatura doméstica durante a segunda metade do Século 20, acrescenta Drummer. A visão do Novo Consenso baseia-se na premissa de que o setor público pode ajudar a financiar a transição para uma economia verde.

A indústria siderúrgica dos EUA fornece um exemplo de como os setores público e privado podem se unir para impulsionar a manufatura doméstica e simultaneamente promover a sustentabilidade. Se o objetivo é produzir aço mais verde no mercado interno, adicionar novos empregos e parar de importar aço sujo da China há um problema, disse Drummer: “A tecnologia para isso é extremamente cara, e não faz sentido que as empresas privadas façam sozinhas isso”. É aí que entra o investimento federal – nesse caso, incentivando a produção doméstica. “O investimento público em pesquisa, desenvolvimento e, principalmente, implantação, pode alavancar a descarbonização da indústria siderúrgica estadunidense, mesmo enquanto a tecnologia continua sendo otimizada”, disse Drummer.

Para que o Green New Deal se concretize, dezenas de outras políticas, como esta, devem ser desenvolvidas, além de outras que poderiam trazer outras mudanças progressivas relacionadas à saúde e ao trabalho. Esse amplo alcance não é necessariamente uma fraqueza, sugeriu Brandon Hurlburt, um conselheiro do New Consensus que serviu como chefe de gabinete de Stephen Chu, Prêmio Nobel de Física de 1997 e Secretário de Energia do Presidente Obama. “Uma das razões pelas quais o quadro do New Deal de Roosevelt funcionou é porque não era apenas uma peça da legislação”. Da mesma forma, o Green New Deal “precisará ser implementado com algumas leis ao longo de vários anos”.

O preço está certo

Grandes visões vêm com grandes preços, e o custo de implementar um plano tão abrangente quanto o Green New Deal é intimidador. Múltiplas estimativas calculam a transição para a energia limpa em mais de US$ 10 trilhões, e outras políticas que a Drummer e a Gunn-Wright estão propondo adicionariam bilhões ou até trilhões.

Mas, na opinião deles, não é uma obrigação vincular a ação climática a outros itens caros, como uma nova política industrial, ou mesmo a assistência médica universal ou uma garantia federal de empregos. Afinal, se você pretende mudar para um tipo diferente de economia, esses itens da “lista de desejos progressivos” são fundamentais para garantir a saúde e a dignidade daqueles que sofrem ao mesmo tempo em que os EUA implementariam as enormes rupturas necessárias para garantir um futuro mais sustentável.

Ao conectar a ação climática a questões mais tangíveis, como salários e assistência médica, o New Consensus também espera criar uma estratégia nacional que todos possam apoiar – e se beneficiar. Tente explicar a importância de instalar mais painéis solares para uma mãe solteira que não consegue cuidar de crianças, disse Gunn-Wright. Esclarecer a conexão entre a qualidade de vida e a ação climática é a forma como eles conseguirão entender a ideia.

“Por muito tempo, falamos sobre o clima de uma forma abstrata e global – falamos sobre uma redução nas emissões ou falamos em manter a temperatura global subindo um determinado número de graus”, disse ela. “O modo como as mudanças climáticas afetam as pessoas está no nível pessoal”. Além disso, como Drummer apontou, não é como se os EUA não tivessem gasto bilhões e bilhões de dólares em evitar o completo colapso de nossa sociedade no passado. Ele apontou para o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos de US$ 700 bilhões, aprovado em 2008 para resgatar a economia estadunidense. Então ele disse uma piada que o serviria muito bem se ele decidisse concorrer ao Congresso: “A mesma criatividade que usamos para resgatar banqueiros desse colapso pode ser aplicada para financiar nosso futuro e salvar o Planeta”.

Zoya Teirstein | Jornalista do Grist

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