Jaime Gesisky e Rafael Gandur Giovanelli || Jornalistas do WWF Brasil
Ao propor na quinta-feira (17/10) uma ação coletiva pedindo à Justiça que estabeleça prazo de 24 horas para o Governo pôr em prática um plano de emergência para conter os danos causados pelas manchas de óleo que atingem o litoral do Nordeste, o Ministério Público Federal abriu mais um flanco da crise neste que é considerado pelos procuradores como o maior desastre ambiental da história na costa brasileira.
A dimensão da tragédia se dá tanto em termos de extensão – mais de 2,5 mil quilômetros da costa atingidos pelo óleo – como nos impactos ao meio ambiente, à economia e aos modos de vida das populações que vivem diretamente dos recursos naturais marinhos.
Ao todo, as manchas de petróleo cru já atingiram 187 localidades da região Nordeste. Ao menos 12 Unidades de Conservação estão contaminadas, incluindo a maior área protegida marinha do país, a APA da Costa dos Corais, entre Pernambuco e Alagoas.
Para o MPF, a União foi omissa ao tardar em tomar medidas de proteção e não atuar de forma efetiva na região atingida pelos vazamentos. Articulada entre os Estados nordestinos atingidos pelo óleo, a ação dos procuradores propõe multa diária de R$ 1 milhão caso seja descumprida a implementação do plano.
O Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC) foi instituído por Decreto Presidencial em 2013. O texto estabelece que o Ministério do Meio Ambiente é a autoridade que coordena ações de resposta a esse tipo de desastre.
Até a sexta-feira (18/10), não há notícia de que o Plano tenha sido acionado. Documentos tornados públicos no site da Marinha mostram que o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), previsto no Plano, só foi instalado em 14 de Outubro, um mês e meio depois da detecção das primeiras manchas de óleo no Nordeste. O GAA é integrado pelo IBAMA, pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pelo comando da Marinha.
A desarticulação da ação do Governo é mais um efeito do desmonte na área ambiental, agravado no Governo Bolsonaro. Ainda em 2018, a Secretaria do Comitê Executivo do PNC havia sido transferida para a Secretaria de Recursos Hídricos e de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, que desapareceu na mudança de Governo.
O temor dos especialistas é que as manchas continuem aparecendo e atinjam áreas consideradas mais sensíveis como manguezais, estuários e o Arquipélago de Abrolhos, que abriga o maior banco de recifes de coral do Atlântico Sul.
“O desastre ainda não foi devidamente avaliado, apesar do esforço dos cientistas que estão em alerta produzindo dados que a cada momento revelam a extensão da tragédia. Ante a imobilidade do governo, a sociedade civil dá mostras de que o problema só será contido e mitigado se houver colaboração de todos”, disse Mauricio Voivodic, Diretor Executivo do WWF-Brasil, ao comentar a ação do Ministério Público. Segundo ele, o Governo precisa assumir sua responsabilidade, conforme determina o PNC, sair da defensiva e dar transparência às ações e informações que estão sendo geradas.
Cerca de 50 milhões de brasileiros vivem na zona costeira. “Além da relevância para a segurança alimentar, a economia do mar contribui com cerca de 19% do Produto Interno Bruto do Brasil com atividades como extração de minérios, petróleo e gás, defesa, portos e transporte marítimo, indústria naval, turismo e cultura. A responsabilidade dos tomadores de decisão deve ser proporcional ao tamanho desse desafio”, disse Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, que encabeça um artigo publicado na sexta-feira (18) no jornal O Estado de São Paulo.
Outras ações
Ao todo, o MPF propôs três Ações Civis Públicas (ACPs) para retirar o Governo Federal da inércia. Assinada por procuradores que representam todos os Estados do Nordeste, a principal delas, ajuizada no dia 17/10, requer que a União implemente imediatamente o Plano Nacional de Contingenciamento, com multa diária de um milhão de reais no caso de omissão.
Além disso, para proteger o litoral do Sergipe e da Bahia foram propostas outras duas ACPs. Em ambas, o MPF requer que a União e o IBAMA adotem medidas imediatas para contenção, recolhimento e adequado descarte do óleo derramado. A Justiça federal da Bahia, em decisão liminar proferida no dia 18 de Outubro, ordenou a criação de uma força tarefa (FT) para coordenar e potencializar as atividades de proteção e reparação. A equipe deve ser liderada pelo MPF e integrada pela União, Marinha, IBAMA, Estado da Bahia, municípios afetados, Universidade Federal e o órgão ambiental baiano.
Já a Justiça Federal de Sergipe vem realizando audiências de conciliação entre o MPF e os órgãos da administração pública e acompanha as medidas de proteção e reparação do litoral do Estado. A cada cinco dias, a União deve informar a Justiça sergipana sobre as medidas adotadas para proteger áreas sensíveis do litoral e sobre a evolução dos estudos relacionados ao desastre. Além disso, o IBAMA foi obrigado a ampliar de 60 para 120 o número de pessoas encarregadas de monitorar e limpar as praias do Estado.