Antonio Guterres || Secretário-Geral da ONU
Na véspera da Cúpula de Ação Climática da ONU, em Setembro, milhões de jovens mobilizaram-se em todo o mundo e disseram aos líderes globais: “vocês estão nos decepcionando”. Eles têm razão.
As emissões globais de gases na atmosfera estão aumentando. As temperaturas estão subindo. As consequências já são terríveis para os oceanos, as florestas, os padrões climáticos, a biodiversidade, a produção de alimentos, a água, os empregos e, em última instância, para a vida, e deverão continuar piorando. A ciência é irrefutável, mas, em muitos lugares, as pessoas não precisam de tabelas ou de gráficos para perceberem a crise climática. Basta olhar pela janela.
O caos climático está acontecendo em tempo real, da Califórnia às Caraíbas, da África ao Ártico e em outros locais, e aqueles que menos contribuem para este problema são os que mais sofrem. Pude constatá-lo com os meus próprios olhos em Moçambique, país devastado por ciclones, nas Bahamas, território arrasado por um furacão e no Pacífico Sul com a alta do nível dos mares.
Convoquei a Cúpula de Ação Climática para que fosse o ponto de partida do caminho que teremos de percorrer se quisermos cumprir os prazos cruciais estabelecidos pelo Acordo de Paris para o clima até 2020. Muitos líderes, de muitos países e setores, estiveram presentes. Governos, jovens, empresas, cidades, investidores e sociedade civil, uniram-se para adotar as medidas que o mundo tanto necessita para que se consiga evitar uma catástrofe climática.
Mais de 70 países assumiram o compromisso de eliminar as emissões de CO2 até 2050, apesar de os principais emissores ainda não o terem feito. Mais de 100 cidades assumiram igual compromisso, incluindo algumas das maiores metrópoles do mundo. Dezenas de países anunciaram a intenção de implementar seus planos nacionais que resultam do Acordo de Paris até 2020. O grupo dos Pequenos Estados Insulares garantiu que irá alcançar a neutralidade de carbono e mudar para 100% de energia renovável até 2030. Do Paquistão à Guatemala, da Colômbia à Nigéria, da Nova Zelândia aos Barbados, muitos países prometeram plantar mais de 11 bilhões de árvores.
Mais de 100 líderes do setor privado comprometeram-se a acelerar a transição das suas empresas para a economia verde. Um grupo constituído por alguns dos maiores proprietários de ativos do mundo prometeu mudar suas carteiras para investimentos neutros em carbono até 2050. A esta iniciativa soma-se um recente apelo de um grupo de gestores de ativos, que representa quase metade do capital investido no mundo, para que os líderes mundiais aumentem os preços do carbono e eliminem gradualmente os subsídios aos combustíveis fósseis e à energia movida a carvão em todo o mundo.
O Clube Internacional das Instituições Financeiras prometeu mobilizar 1 trilhão de dólares para financiar energia limpa até 2025, em 20 países menos desenvolvidos. Um terço do setor bancário mundial comprometeu-se em alinhar práticas com as metas do Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A Cúpula também permitiu mostrar como as cidades e as indústrias globais, como a do transporte marítimo, podem alcançar grandes reduções nas emissões. Foram ainda destacadas iniciativas para proteger as florestas e assegurar o abastecimento de água.
Todos estes passos são importantes, mas não são suficientes.
Desde o início, esta cúpula foi projetada para alertar o mundo e acelerar a ação a uma escala mais ampla. Também serviu de palco mundial para ouvir verdades duras e para iluminar o caminho tanto dos que estão na linha da frente, como daqueles que não querem liderar esta ação. Os que negam ou os grandes emissores de gases para a atmosfera não têm agora onde se esconder. Continuarei a incentivá-los para que façam mais e a impulsionar soluções econômicas verdes em todo o mundo.
O nosso Planeta precisa de ação a uma escala verdadeiramente global. No entanto, tal não pode ser alcançado da noite para o dia e não pode acontecer sem o envolvimento total daqueles que mais contribuíram para esta crise. Se quisermos evitar o precipício climático, é necessário fazer muito mais para responder ao apelo da ciência e reduzir as emissões de gases do Efeito Estufa em 45% até 2030, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e limitar o aumento da temperatura a 1,5°C até ao fim do século. Só assim poderemos garantir um futuro para o nosso mundo.
Muitos países parecem continuar viciados no carvão, apesar de existirem soluções ecológicas mais baratas. Devemos ir mais longe na fixação do preço do carbono, garantindo que não haja novas fábricas de carvão até 2020 e deixando de desperdiçar o dinheiro dos contribuintes no financiamento da moribunda indústria dos combustíveis fósseis, que só aumenta o número de furacões, propaga doenças tropicais e agrava conflitos.
Ao mesmo tempo, os países desenvolvidos devem cumprir o seu compromisso de disponibilizar 100 bilhões de dólares de fundos públicos e privados, todos os anos, até 2020, para a mitigação e a adaptação nos países em desenvolvimento. Com efeito, irei me certificar de que os compromissos assumidos pelos países, pelo setor privado e pelas autoridades locais sejam cumpridos a partir da conferência climática da ONU (COP25) que terá lugar em Dezembro em Santiago, no Chile.
A ONU está unida no apoio à realização destas iniciativas.
As alterações climáticas são a questão que define o nosso tempo.
A ciência nos mostra que, se nada for feito, enfrentaremos ao menos 3°C de aquecimento global até ao fim do século. Eu não estarei aqui, mas minhas netas, sim. Recuso-me a ser cúmplice na destruição de seu único lar. Os jovens, a ONU e um número crescente de líderes do setor empresarial, do setor financeiro, do governo e da sociedade civil, em suma, muitos de nós, estão se mobilizando e tomando medidas. Contudo, necessitamos de muitos mais para sermos bem-sucedidos no combate às mudanças climáticas.
Temos um longo caminho a percorrer, mas o primeiro passo foi dado.