Júlio Bernardes || Jornalista da USP
Fenômeno climático causou seca que levou a grande diminuição da abundância e perda de grupos bacterianos.
Na floresta amazônica, a associação entre espécies vegetais e micro-organismos é essencial para a manutenção da biodiversidade, oferecendo às plantas proteção contra doenças e pragas e podendo aumentar também a tolerância aos efeitos das alterações climáticas. A influência de nove espécies vegetais amazônicas na estruturação de comunidades microbianas é investigada em pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da USP, em Piracicaba. O estudo, realizado em Santarém (Pará) entre 2015 e 2016, revela que ao longo do ano, as populações de micro-organismos nas folhas das plantas foram as que mais sofreram alterações. Devido a uma forte seca causada pelo fenômeno climático El Niño, houve uma grande diminuição da abundância e até perda de grupos bacterianos.
O trabalho analisou três compartimentos florestais, filosfera (superfície das folhas), serapilheira (folhas sobre o solo) e solo rizosférico (solo sob influência das raízes das plantas). “Foram coletadas dez amostras de nove espécies vegetais, em cada um dos compartimentos, o que totalizou 300 amostras por coleta”, conta o engenheiro agrícola e ambiental Júlio Cezar Fornazier Moreira, autor da pesquisa. “Ao todo foram coletadas 900 amostras, em três coletas realizadas nos meses de fevereiro e julho de 2015, e em fevereiro de 2016.” As coletas foram realizadas em uma parcela experimental preservada de 20 hectares (ha), localizada na Floresta Nacional do Tapajós, em Santarém (Pará).
O pesquisador explica que de um modo geral micro-organismos são responsáveis por inúmeras funções essenciais nos ecossistemas florestais. “Entre elas estão a ciclagem da matéria orgânica e nutrientes, fixação biológica de nitrogênio, solubilização de elementos de baixa solubilidade no solo (como o fósforo, por exemplo), produção e degradação de metano, entre outras funções”, aponta Fornazier Moreira. “Além da questão nutricional, existe uma grande diversidade de micro-organismos que se associam às plantas e conferem a elas proteção contra doenças e pragas.”
Na floresta amazônica todas essas funções são também essenciais para a manutenção da biodiversidade, destaca o pesquisador. “Além disso, mudanças climáticas globais estão causando alterações nos padrões climáticos amazônicos, principalmente na frequência e intensidade das chuvas”, enfatiza. “A associação entre plantas e micro-organismos pode aumentar a tolerância das plantas aos efeitos das alterações climáticas no bioma.”
Selecionando populações microbianas
Fornazier Moreira observa que as plantas são capazes de selecionar populações microbianas específicas, principalmente através da liberação de moléculas orgânicas pelos diferentes tecidos vegetais que servirão como fonte de carbono e até mesmo para a comunicação molecular entre plantas e micro-organismos. “As plantas liberam também Compostos Orgânicos Voláteis (VOCs), principalmente pelas folhas, os quais podem ser absorvidos e metabolizados pelos micro-organismos, o que também contribui com essa seleção”, afirma. “Na Amazônia, é relatado que VOCs produzidos pelas folhas são importantes para a formação de nuvens, o que pode estar associado com a frequência e padrões de distribuição de chuvas. Assim, dependendo dos tipos de micro-organismos presentes na superfície das folhas, esses VOCs poderiam ser alterados, mudando a composição de VOCs na atmosfera e a formação de nuvens”.
A pesquisa indica que a riqueza de espécies microbianas na serapilheira e solo é maior do que na filosfera. “No entanto, na filosfera os grupos microbianos são muito mais distintos entre si. A disponibilidade de nutrientes é uma das explicações para essa diferença, isso porque a filosfera é considerada um ambiente oligotrófico, onde grande parte dos nutrientes estão em formas complexas e não prontamente disponíveis para os micro-organismos”, ressalta o pesquisador. “Outro fator importante é a exposição direta da filosfera a estresses, como grandes variações de temperatura, alta incidência de radiação ultravioleta (UV) do Sol e baixa disponibilidade hídrica.”
O estudo também verificou que as comunidades bacterianas da filosfera são mais semelhantes àquelas encontradas na serapilheira do que as do solo rizosférico. “Esse resultado era esperado, uma vez que a composição das fontes de carbono são mais semelhantes nesses ambientes”, aponta Fornazier Moreira. “No solo, a constante deposição de exsudados radiculares pelas diferentes espécies vegetais forma uma complexa reserva de carbono, a qual favorece a seleção de populações microbianas muito específicas”.
Com relação ao efeito da sazonalidade, a pesquisa revela que a filosfera foi o compartimento florestal mais afetado, ou seja, onde as maiores variações foram observadas. “A exposição direta aos fatores ambientais favorece o aumento dessa variabilidade. No entanto, o estudo registrou uma variação drástica nos padrões de chuvas, decorrente do El Niño, o que provavelmente contribuiu muito para a variabilidade das comunidades bacterianas”, destaca o pesquisador. “Foi constatado que o efeito da forte seca induzida pelo El Niño ocasionou uma grande diminuição da abundância de alguns grupos bacterianos e até a perda de outros grupos, os quais não foram mais detectados após o restabelecimento das chuvas.”
A pesquisa foi orientada pelo professor Márcio Rodrigues Lambais, no Programa de Pós-Graduação em Solos e Nutrição de Plantas da Esalq. Os resultados do estudo estão descritos na tese de doutorado Microbiomes of the Amazon forest: bacterial diversity and community structure in the phyllosphere, litter and soil, defendida no último dia 2 de Maio.