Renato Roscoe | Doutor em Ciências Ambientais e diretor executivo do Instituto Taquari Vivo
A geração nascida nos anos 90, que não acompanhou a primeira versão da novela Pantanal, tem agora a oportunidade de conhecer um pouco desse exuberante bioma e sua gente. Povoando suas planícies, os pantaneiros construíram uma rica e forte cultura, cadenciados pelo pulso das águas. Campeiam seu gado por pastagens nativas, entrecortadas por cordilheiras e capões, em um equilibrado acordo com a natureza.
A trama traz o olhar dos brasileiros dos quatro cantos de nosso país para uma região única e que pode ensinar muito sobre como produzir e conservar o meio ambiente ao mesmo tempo. Em horário nobre, as incomparáveis paisagens e a riqueza de sua biodiversidade se integram a uma atividade econômica complexa, baseada na combinação da sabedoria pantaneira e do conhecimento científico. São quase 300 anos de criação de gado comercial no Pantanal e cerca de 50 anos de pesquisa da Embrapa Pantanal e universidades.
Todo esse conhecimento acumulado, no entanto, não afasta os desafios. O Pantanal é difícil. Está sempre em uma constante mutação. Uma hora muito cheio, outra muito seco. Suas distâncias complicam a logística. Suas areias atolam e suas águas interrompem as passagens. A riqueza da biodiversidade e a sensibilidade dos ambientes alagados impõem limites. O fogo maneja, mas também destrói. Desenvolver tecnologias para o Pantanal não é trivial.
O caminho que vem se mostrando promissor para manter a sustentabilidade das fazendas pantaneiras passa pelo aprimoramento de técnicas de manejo e gestão, combinadas com a valorização dos seus produtos. Nesse ponto, a novela, ocupando o horário nobre da televisão, pode abrir caminho para a certificação de origem e fortalecimento da “marca” Pantanal. Oportunidade não somente para a bovinocultura, mas também para outras cadeias produtivas. O mel do Pantanal, por exemplo, já tem certificado de indicação geográfica.
Outra vertente está em despertar uma percepção de valor na manutenção das vegetações nativas. As matas e os cerrados que ocupam as partes mais elevadas da planície pantaneira poderiam valer mais em pé do que convertidas em pastagens. Mas, para isso acontecer, a sociedade tem que estar pronta a compensar o proprietário que tomar essa decisão. As cordilheiras e os capões que emolduram as cenas da novela são importantes reservatórios de biomassa, que podem gerar créditos de carbono pantaneiros. Outros serviços ambientais e a própria beleza cênica também podem ser transformados em ativos digitais colecionáveis ou mesmo estar atrelados a programas de responsabilidade ambiental das empresas.
O Pantanal daquela primeira versão dos anos 90 mudou muito e vai continuar sua constante mutação. Estamos em um período mais seco e as mudanças climáticas podem agravar isso. As queimadas tradicionais para manejo das pastagens nativas terão que se adaptar aos novos tempos. Os planaltos no seu entorno passaram por profundas transformações, que podem afetar a quantidade e a qualidade das águas que chegam à planície. Afinal, parte alta e baixa são conectadas pelos rios. Cada vez mais observam-se o assoreamento e os entupidos de seus leitos, causados pela erosão nas partes altas. Há ainda o risco da “descida” de modelos de produção do planalto para a planície, os quais podem esbarrar nas peculiaridades de um ambiente exuberante, porém complexo e frágil.
Que a novela Pantanal leve aos brasileiros o encantamento desse bioma e que traga para o povo pantaneiro o reconhecimento de sua jornada. Que se possa entender o valor de se conservar esse ambiente que é formado por lindas paisagens, muita biodiversidade, muito gado, muita cultura e muita gente.